domingo, 29 de outubro de 2023

Texto para resumo Diogo Themido 11A e Amin 11I


O ponto de vista dominante da filosofia ocidental nos últimos trezentos anos tem sido o que derivou do filósofo francês René Descartes, um dos filósofos mais influentes de todos os tempos. O seu método consiste em olhar para um problema questionando o modo como um indivíduo adquire conhecimento. […]
O trabalho mais conhecido de Descartes, o Discurso do Método – o seu título completo é Discurso do Método Para Conduzir Adequadamente a Razão e Procurar a Verdade nas Ciências – está escrito num estilo atraente e claro. Pode parecer que aquilo que ele escreveu é mais simples e mais óbvio do que é na realidade, por isso temos de considerar aquilo que ele escreveu de modo cuidadoso. Eis uma passagem da quarta parte do Discurso do Método, publicado em 1637, na qual ele define de modo muito claro a sua perspectiva acerca da natureza do seu próprio eu (self):
“Então, examinando atentamente aquilo que eu era e vendo que poderia presumir que não possuía corpo e que não havia mundo nem nenhum local onde eu estivesse, mas não poderia fingir que eu não existia; e que, pelo contrário, pelo facto de estar a duvidar da verdade de outras coisas, seguia-se com bastante evidência e certeza que eu existia; ao passo que se eu tivesse parado de pensar, embora tudo o que eu sempre pensei ser verdadeiro o fosse, eu não tinha razão para acreditar que eu existia; eu soube a partir disto que eu era uma substância cuja essência ou natureza era apenas o pensamento….”
Esta passagem contém praticamente todos os componentes centrais da filosofia da mente de Descartes. Em primeiro lugar, Descartes é um dualista. Isto significa acreditar que a mente e o corpo são duas espécies de coisas bastante distintas, dois tipos do que ele chama “substância”. Em segundo lugar, aquilo que ele pensa que tu és, o teu eu, é a mente. Dado que tu és uma mente, e as mentes são totalmente independentes do corpo, tu podes mesmo assim existir, sem um corpo. Em terceiro lugar, a tua mente e os teus pensamentos são aquilo que tu conheces melhor. Para Descartes é possível, pelo menos em princípio, existir uma mente sem um corpo, sendo incapaz, por mais que tente, de se aperceber de outras coisas, incluindo outras mentes. Descartes sabia, como é óbvio, que o modo como tomamos conhecimento daquilo que se passa na mente de outras pessoas é pela observação da fala e das acções de “outros corpos”. Mas para ele havia duas possibilidades sérias capazes de pôr em causa a nossa crença na existência de outras mentes. Uma é que os outros corpos podem ser apenas fingimentos da nossa imaginação. A outra é que, mesmo que os corpos e as outras coisas materiais existam, as provas que normalmente pensamos que justificam a nossa crença que os outros corpos são habitados por mentes pode ter sido produzida por autómatos, por máquinas sem mentes. Em quarto lugar, a essência da mente é ter pensamentos, e por “pensamentos” Descartes significa algo de que te apercebes na tua mente quando estás consciente. (A essência de um tipo de coisa, K, é a propriedade – ou o conjunto de propriedades – cuja posse é uma condição necessária e suficiente para ser um membro de K. Ou seja, se algo tem a propriedade essencial E, então pertence a K – portanto E é uma condição suficiente para pertencer a K; tudo o que não tem E, não pertence a K – portanto E é necessário para a relação de pertença.) Noutras passagens Descartes diz que a essência de uma coisa material – a propriedade, por outras palavras, que toda a coisa material tem que ter – é ocupar espaço. Isto significa que para Descartes as duas diferenças essenciais entre coisas materiais e mentes são (1) que as mentes pensam, enquanto a matéria não pensa, e (2) que as coisas materiais ocupam espaço, enquanto as mentes não. A tese de Descartes é, assim, que aquilo que distingue a mente do corpo é o facto negativo que a mente não existe no espaço e o facto positivo que as mentes pensam. Não é surpreendente que Descartes tenha pensado que a matéria não pensa. Poucas pessoas supuseram que as mesas ou os átomos têm pensamentos. Mas porque é que ele pensou que as mentes não existem no espaço?

Kwame Anthony Appiah,Thinking it Through: An introduction to contemporary philosophy, Oxford University Press


quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Matriz para o 1º teste de 11ºAno.NOVEMBRO 2023



Conteúdos e Competências

1. O conhecimento e a racionalidade científica e tecnológica.

a. A epistemologia. (Definir e problematizar)
b. Os vários tipos de conhecimento: Proposicional, por contacto e de aptidão. (Distinguir, caracterizar e exemplificar)
c. Descrição fenomenológica do conhecimento. Explicitar, concetualizar.
d. A definição tripartida de conhecimento: O conhecimento é uma Crença Verdadeira e Justificada. Argumentar, Problematizar, Aplicar. Identificar.
e. Objeções a esta teoria. Os contraexemplos de Gettier. (Argumentar, Problematizar, Exemplificar)
 f. Teorias da justificação: Fundacionalismo, coerentismo e fiabilismo. (Problematizar, Explicar, Distinguir)
g. Conhecimento a priori e a posteriori. ( Identificar, Relacionar. Explicar)
h. A questão da origem do conhecimento: Racionalismo e empirismo. (Discutir, Argumentar)
i. A questão da possibilidade do conhecimento: Ceticismo e dogmatismo.(Discutir, Argumentar)
j. Os argumentos céticos. (Explicitar, Criticar)
 
2. Uma teoria explicativa sobre o conhecimento: O racionalismo de René Descartes

a. O problema do conhecimento verdadeiro/fundamentado. (Contextualizar/Problematizar)
c. O método da dúvida. (Fundamentar, Examinar)
d. Etapas da dúvida. (Argumentar, Explicitar, Inferir)
e. Características da dúvida cartesiana.(Caracterizar, Apresentar)
f. O cogito como critério de verdade. Clareza e distinção. (Argumentar, Fundamentar, Relacionar)
g. O racionalismo cartesiano. A importância das ideias inatas.(Equacionar, Fundamentar)
l. A superação do ceticismo. As crenças básicas que se autojustificam. (Explicitar, Justificar))

Estrutura e cotações 

O teste está dividido em dois grupos, cada grupo avalia uma competência e é cotado para 200 Pontos. 
Grupo 1 - CONCEPTUALIZAÇÃO - 10x10 perguntas de escolha múltipla=100 Pontos +Análise de conceitos (100 pontos) = 200 Pontos

Grupo 2 - ARGUMENTAÇÃO/PROBLEMATIZAÇÃO -   Perguntas que exigem fundamentação (5x40) = 200 Pontos

Competência transversal: COMUNICAÇÃO -Correção escrita
 

Competências Gerais 

Grupo 1 - CONCETUALIZAÇÃO
Identifica os conceitos e teorias.
Relaciona conceitos
Reconhece exemplos
Sabe definir conceitos e teorias.
Aplica corretamente a informação a novos problemas.

Grupo 2 ARGUMENTAÇÃO PROBLEMATIZAÇÃO
Explica com clareza os argumentos das teorias estudadas.
Formula corretamente os seus próprios argumentos
Justifica as afirmações  que utiliza.
Relaciona ideias de forma coerente.
Interpreta corretamente os textos.
Infere corretamente consequências a partir de uma frase ou de um texto.
Recorre a bons exemplos para demonstrar o que afirma.
Enuncia corretamente os problemas de um texto ou de  uma teoria,
Compreende o problema apresentado.





 

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Texto para resumo/análise Xavier 11A e Amin 11I


O 'método da dúvida' de Descartes implica pôr de lado qualquer crença ou conhecimento que admitam a mais pequena dúvida, por mais improvável ou absurda que essa dúvida possa ser, no intuito de ver se resta alguma coisa. Se restar alguma coisa é precisamente porque é invulnerável à dúvida: é certo. Uma vez que o objectivo de Descartes nas Meditações é o de descobrir o que pode ser conhecido com certeza, o método da dúvida é crucial, pois constitui o caminho para o seu objectivo. A tentativa de considerar cada uma das suas crenças ou pretensões de conhecimento e submetê-las a escrutínio seria uma tarefa impossivelmente longa, de modo que Descartes teve necessidade de uma estratégia geral para pôr de lado todo o corpo de crenças dubitáveis. Procurou alcançá-la utilizando argumentos cépticos.
É preciso notar que o uso de argumentos cépticos por parte de Descartes não faz dele um céptico. Longe disso. Ele usa-os meramente como um instrumento heurístico para mostrar que nós possuímos efectivamente conhecimento. Ele é, portanto, um 'céptico metódico' e não um 'céptico problemático', entendo-se por esta última expressão alguém que pensa que os problemas colocados pelos cépticos são sérios e colocam uma genuína ameaça à nossa ambição de adquirir conhecimento. Acontece que, desde o tempo de Descartes, muitos filósofos pensaram que ele não produziu uma resposta adequada às dúvidas cépticas que ele próprio levantou e que, por conseguinte, o cepticismo é deveras um problema. O próprio Descartes não pensava de todo assim.
As considerações cépticas que Descartes usou (…) merecem aqui referência. A primeira delas é a de recordar que os sentidos por vezes nos conduzem no caminho do erro. Equívocos perceptivos, ilusões e alucinações podem levar, e ocasionalmente levam, a crenças falsas. Isto pode fazer com que não depositemos confiança no que pensamos conhecer através da experiência dos sentidos, ou, no mínimo, que sejamos cautelosos antes de confiarmos nela como fonte de verdade. Não obstante, diz Descartes, haverá muita coisa em que eu acredito com base na minha experiência - tal como, por exemplo, que tenho mãos e que estou a segurar um pedaço de papel com elas, que estou sentado numa poltrona defronte de uma lareira, etc. e que duvidar disto seria uma loucura, mesmo dada a falta de fiabilidade dos sentidos. Mas, apesar disso, diz Descartes, continuaria a haver muita coisa em que eu acreditaria com base na minha experiência actual - como, por exemplo, que tenho mãos e que estou a segurar com elas uma folha de papel, que estou sentado numa poltrona em frente da lareira, e assim por diante, coisas das quais seria uma loucura duvidar, não obstante a frequente falta de fiabilidade dos sentidos.
Mas será mesmo loucura duvidar destas coisas? Não, diz Descartes - e aqui ele vem com o seu segundo argumento - porque muitas vezes sonho quando durmo e se estou agora a sonhar que estou sentado em frente à lareira segurando um pedaço de papel, o pensamento de que assim estou é falso. Para estar certo de assim estar teria de poder excluir a possibilidade de estar meramente a sonhar com isso. Como pode isso ser feito? Parece difícil, senão impossível."

  A. C. Grayling. Descartes (London: Pocket Books, 2005), pp. 281-4. Trad. Carlos Marques.

 

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Síntese dos argumentos céticos.

 


Slide Share: diapositivos sobre o ceticismo (clique na palavra) 

O ceticismo

terça-feira, 17 de outubro de 2023

Texto para resumo Ricardo 11I e Raquel 11A


Descartes, Discurso do Método, 1ª Parte

Eu estudara um pouco, sendo mais jovem, entre as partes da Filosofia, a Lógica, e, entre as Matemáticas, a Análise dos Geómetras e a Álgebra, três artes ou ciências que pareciam dever contribuir com algo para o meu desígnio. Mas, examinando-as, notei que, quanto à Lógica, os seus silogismos e a maior parte de seus outros preceitos servem mais para explicar a outrem as coisas que já se sabem, ou mesmo, como a arte de Lúlio, para falar, sem julgamento, daquelas que se ignoram, do que para aprendê-las. E embora ela contenha, com efeito, uma porção de preceitos muito verdadeiros e muito bons, há todavia tantos outros misturados no meio que são ou nocivos, ou supérfluos, e é quase tão difícil separá-los quanto tirar uma Diana ou uma Minerva de um bloco de mármore que nem sequer está esboçado.
Depois, com respeito à Análise dos Antigos e à Álgebra dos modernos, além de se estenderem apenas a matérias muito abstractas, e de não parecerem de nenhum uso, a primeira permanece sempre tão ligada à consideração das figuras que não pode exercitar o entendimento sem fatigar muito a imaginação; na segunda, certas regras e certas cifras, fazem dela uma arte confusa e obscura que embaraça o espírito, em vez de uma ciência que o cultiva.
Por esta razão, pensei ser minha missão procurar algum outro método que, compreendendo as vantagens desses três, não tivesse os seus defeitos. E, como a multidão de leis fornece muitas vezes, desculpas aos vícios, de modo que um Estado é bem melhor dirigido quando, tendo embora muito poucas, são estritamente cumpridas; assim, em vez desse grande número de preceitos de que se compõe a Lógica, julguei que me bastariam os quatro seguintes, desde que tomasse a firme e constante resolução de não deixar uma só vez de observá-los.
 O primeiro era o de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e de nada incluir nos meus juízos que não se apresentasse tão clara e tão distintamente ao meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida.
O segundo, o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las.
O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros.
E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais, que tivesse a certeza de nada omitir .

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Texto para análise/resumo Miriam 11A e Melody 11I

 


O que é o ceticismo?

0 argumento que acabamos de examinar - o de que não conhecemos nada sobre o mundo que nos cerca - chama-se argumento cético. Os céticos sustentam que, na verdade, não sabemos o que pensamos que sabemos. E a afirmação de que não sabemos nada sobre o mundo que nos cerca chama-se ceticismo sobre o mundo exterior.

Ceticismo "versus" senso comum

A visão do senso comum, é claro, sustenta que de facto conhecemos o mundo exterior. Na verdade, se resolvesse dizer, "não sei se as árvores existem", especialmente se estivesse a olhar para uma árvore em plena luz do dia, os outros achariam que tinha enlouquecido.

Mas os céticos achariam que estava certo. Não sabemos se árvores existem. 0 senso comum está enganado.

Outros exemplos de enganos do senso comum

Os argumentos dos céticos podem deixar algumas pessoas muito irritadas. Sabermos que as árvores existem é uma das nossas crenças mais básicas - como costumo dizer, sentimos que é isso é apenas senso comum. Existem muitas crenças que abandonaríamos com muita satisfação, caso alguém conseguisse demonstrar que estamos errados. Mas, quando se trata das crenças mais arraigadas do nosso senso comum - como a crença de que sabemos que as árvores existem -, não ficamos nada satisfeitos por abandoná-las.

Na verdade, ter as nossas crenças mais elementares ameaçadas pode ser uma experiência bem desconfortável, especialmente quando não vemos como defendê-las. Nessas ocasiões muitos ficam enraivecidos. Dizem que é um disparate o que o filósofo está a dizer. "Isso é uma completa estupidez", gritam. "Claro que eu sei que as árvores existem." E retiram-se, ofendidos.

Mas o filósofo pode apontar que em muitos outros casos se comprovou que o senso comum estava errado. Por exemplo, noutros tempos, o senso comum afirmava que a Terra era plana. As pessoas simplesmente achavam que era óbvio que a Terra fosse plana. Afinal, parece plana, não parece? Os marinheiros até tinham medo de chegar ao fim da Terra e cair. Também nessa época algumas pessoas ficavam muito irritadas quando a  sua crença comum era desafiada. "Não seja ridículo", gritavam. "É claro que a Terra é plana." E saíam a bater os pés. Hoje, porém, sabemos que a Terra não é plana. 0 senso comum estava enganado.

O que os céticos NÃO afirmam

Vale a pena deixar claro o que os céticos não afirmam, para não ficarmos confusos. Em primeiro lugar, os céticos não afirmam saber que nós ou eles somos cérebros numa cuba. Só afirmam que ninguém pode saber de maneira alguma se alguém é um cérebro numa cuba.

Em segundo lugar, eles não afirmam apenas que não podemos ter a certeza absoluta de que o mundo que vemos é real ou virtual. Afirmam muito mais do que isso. Afirmam que não temos razão alguma para acreditar que o mundo que vemos é real e não virtual.

Em terceiro lugar, eles não vão tão longe a ponto de afirmar que ninguém pode saber nada. Afinal, eles próprios reivindicam saber uma coisa: que ninguém pode conhecer o mundo exterior.

 Um enigma antigo

Estamos então diante de um enigma difícil. Por um lado, a visão do senso comum é que sabemos que as árvores existem. Nós não queremos de facto abrir mão dessa visão do senso comum (na verdade, nem estou certo de que poderíamos abrir mão dela mesmo que quiséssemos). Por outro, o cético tem um argumento que parece mostrar que a nossa visão do senso comum está errada: nós não sabemos que as árvores existem. Qual das visões está certa?

Apesar da roupagem moderna que eu lhe dei, este enigma é na verdade bem antigo. É de facto um dos enigmas filosóficos melhor conhecidos. Ainda hoje, nas universidades do mundo inteiro, os filósofos se debruçam sobre ele. E ainda não conseguiram decidir se os céticos têm razão. Eu devo admitir: não sei se os céticos têm ou não razão. Ao longo dos séculos, muitos filósofos tentaram lidar com o ceticismo. Procuraram demonstrar que o senso comum está certo: nós conhecemos efetivamente afinal o mundo que nos cerca. Algumas das suas tentativas para derrotar os céticos são muito perspicazes. Mas será que alguma delas funciona mesmo? Examinemos agora uma dessas tentativas.

 Stephen Law, Os Arquivos Filosóficos (São Paulo, 2003, págs. 60-69). 

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Texto para resumo Maria Eduarda 11I e Matilde Sarmento 11A

 


Justificação

Podemos distinguir dois tipos de crenças: a mediata e a não mediata. Crenças mediatas são aquelas que adquirimos por intermédio de alguma estratégia que começa nas crenças que já possuímos. A inferência é uma estratégia (se bem que não a única); nós inferimos que vai chover a partir das crenças de que estamos a meio da manhã e que o céu está a escurecer. As crenças mediatas levantam a questão de saber se temos direito à estratégia que adotámos — se é uma estratégia que fazemos bem em usar. As crenças não mediatas são as que adotamos sem que, para as termos, seja necessário partirmos de outras crenças que já temos; e suscitam problemas diferentes, que dizem respeito à fonte do nosso direito em acreditar. Eu abro os olhos e, em razão do que vejo, acredito imediatamente que há um livro à minha frente. Se estou a agir bem ao adotar esta crença, ela justifica-se (ou tenho uma justificação para a adotar). Esta atenção dada à justificação é um modo de expressar a ideia de que a epistemologia é normativa. Então o que faz, neste caso, uma crença ser justificada?

Há várias respostas. Uma é a resposta fiabilista: a crença justifica-se porque é o resultado de um processo fiável. Outra é a resposta coerentista: a crença justifica-se porque o meu mundo é mais coerente com ela do que seria sem ela. Uma terceira é a alegação fundacionalista clássica, que entende que a crença não é de fato não-mediata, mas inferida de uma crença sobre como as coisas me aparecem neste preciso momento. Se esta última for verdadeira, somos lançados de novo em duas questões. A primeira consiste em saber se e como a crença sobre como as coisas me parecem neste preciso momento se justifica. A segunda questão reside em saber se a inferência extraída da primeira crença se justifica. Nós poderíamos perguntar, então, que princípio de inferência está a ser usado. Suponha-se que é este: se as coisas me aparecem de determinada maneira, são provavelmente dessa maneira. O que torna isto suficiente para nos levar a supor que agimos bem ao usar este princípio?


Jonathan Dancy,  Problemas da epistemologia

segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Texto para resumo Luca 11A e Gustavo 11I

Henry está a ver televisão numa tarde de Junho. Assiste à final masculina de Wimbledon e, na televisão, McEnroe vence Connors; o resultado é de dois a zero e «match point» para McEnroe no terceiro «set». McEnroe ganha o ponto. Henry crê justificadamente que
1 acabei de ver McEnroe ganhar a final de Wimbledon deste ano, e infere sensatamente que
2 McEnroe é o campeão de Wimbledon deste ano.
No entanto, as câmaras que estavam em Wimbledon deixaram na realidade de funcionar, e a televisão está a passar uma gravação da competição do ano passado. Mas enquanto isto acontece, McEnroe está prestes de repetir a retumbante vitória do ano passado. Portanto a crença 2 de Henry é verdadeira, ele tem decerto justificação para nela crer. Contudo, dificilmente aceitaríamos que Henry conhece 2.
Este tipo de exemplo contrário à descrição tripartida do conhecimento é conhecido como exemplo contrário de Gettier, segundo E. L. Gettier (1963). (Devo este exemplo específico a Brian Garrett.) Gettier argumentava que eles mostram que a descrição tripartida é insuficiente; é possível que alguém não conheça, mesmo que as três condições sejam realizadas.
Gettier não põe aqui em causa nenhuma das três condições. Aceita que elas são individualmente necessárias, e apenas argumenta que precisam de ser complementadas. (...)
O exemplo contrário de Gettier é por conseguinte um exemplo em que "a" tem uma crença justificada mas falsa por inferência a partir da qual ele justificavelmente crê que algo que acontece é verdadeiro, e chega deste modo a uma crença verdadeira justificada que não é conhecimento.
Que resposta poderá ser dada a estes infames mas ligeiramente irritantes exemplos contrários? Parece haver três vias possíveis:
1 encontrar algum meio de demonstrar que os exemplos contrários não funcionam;
2 aceitar os exemplos contrários e tentar encontrar um complemento à análise tripartida que os exclui;
3 aceitar os exemplos contrários e alterar a análise tripartida para os incluir em vez de lhe acrescentar o que quer que seja.
O restante prende-se com a primeira via.
Em que princípios de inferência se baseiam estes exemplos contrários? O próprio Gettier apresenta dois. Para que os exemplos funcionem, deve ser possível que uma crença falsa continue a ser justificada; e uma crença justificada deve justificar qualquer crença que ela implique (ou que se creia justificadamente que implique). Este último é precisamente o princípio da oclusão POj acima mencionado na discussão do cepticismo (1.2). Portanto, se pudéssemos mostrar que POj é falso, isto teria o duplo efeito de destruir os exemplos contrários de Gettier bem como (pelo menos em parte) o primeiro argumento céptico. Poderia ser, contudo, possível construir novas variantes do tema Gettier que não se baseiam na inferência ou numa inferência deste tipo, como veremos a seguir, e sendo assim não há queixas acerca do PO% ou de outros princípios que venham a ser muito eficientes.
Uma coisa que não podemos fazer é rejeitar os exemplos contrários de Gettier como forjados e artificiais. São perfeitamente eficientes nos seus próprios termos. Mas poderíamos sensatamente perguntar de que serve cansar o cérebro a descobrir uma definição aceitável de «a sabe que p». Será isto mais do que um mero exercício técnico? O que nos desconcertaria no facto de não conseguirmos elaborar uma definição à prova de problemas? Muitas das inúmeras dissertações escritas em resposta a Gettier dão a impressão de que responder a Gettier é uma espécie de jogo filosófico privado, que não tem qualquer interesse a não ser para os jogadores. E não nos demonstrou afinal Wittgenstein que um conceito pode ser perfeitamente legítimo sem ser definível, argumentando que não é indispensável que exista qualquer elemento comum a todos os casos de uma propriedade (p. ex. casos de conhecimento) para além do facto de serem casos (p. ex. de que são conhecimento)? (Cf. Wittgenstein, 1969b, pp. 17-18, e 1953, §§ 66-7.) Então o que é que poderia afinal depender do nosso êxito ou malogro para descobrir condições necessárias e suficientes para o conhecimento?

Ver mais aqui

Jonathan Dancy (1990), Epistemologia Contemporânea, Ed.70, Lx

 


domingo, 1 de outubro de 2023