quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Texto para resumo

 Comparação entre as teorias de Popper e Kuhn


Embora Popper e Kuhn usem nas suas teorias uma linguagem diferente, ambos afirmam que elas têm muitos pontos em comum. Por exemplo, ambos dão grande importância às revoluções científicas e à substituição das teorias por outras. 

Onde existe maiores divergências entre as filosofias da ciência de Popper e Kuhn é nas questões relativas à ciência normal, que Popper vê como dogmática e acrítica, e ao progresso e à objetividade da ciência.

Para Popper, a prática científica, que corresponde à aplicação do método falsificacionista que garante ao mesmo tempo o progresso e a objetividade da ciência. A substituição de uma teoria refutada por outra constitui um progresso porque esta é objetivamente — devido ao uso de padrões lógicos — uma melhor aproximação à verdade do que a outra. 

Mas, para Kuhn, não há padrões independentes e objetivos que permitam comparar os paradigmas rivais e determinar qual é, de acordo com esses padrões, o melhor. Por esse motivo, as teorias científicas não são objetivas e, em rigor, não podemos falar de progresso da ciência.


QUADRO COMPARATIVO DAS TEORIAS DE POPPER E KUHN


Há progresso em ciência?

É a ciência é objetiva?

Popper

Sim. As teorias que substituem as teorias refutadas estão mais próximas da verdade e constituem um progresso relativamente a essas teorias.

Sim. Existem padrões racionais, estabelecidos no método científico, que permitem comparar as teorias e determinar qual é mais verosímil.

Kuhn

Não. Há mudanças de paradigmas, mas nada nos permite afirmar que o novo paradigma constitui um progresso relativamente ao antigo paradigma.

Não. Não há padrões objetivos que permitam determinar qual dos paradigmas em competição é verdadeiro ou se aproxima mais da verdade.


Álvaro Nunes, Crítica na Rede


 ma diferente noção de progresso


“As revoluções terminam com a vitória total de um dos campos antagonistas. Alguma vez esse grupo dirá que o resultado da sua vitória não constitui um progresso? Isso seria a mesma coisa que admitir que se tinham enganado e que os seus opositores tinham razão. Pelo menos para os vencedores, aquilo que resulta de uma revolução não pode deixar de constituir um progresso, estando até estes em excelente posição para assegurar que os futuros membros da sua comunidade irão olhar para a história com a mesma convicção (…)

Para sermos mais precisos, podemos ter de renunciar à noção, explícita ou implícita, de que as mudanças de paradigma aproximam os cientistas, e os que com eles aprendem, cada vez mais da verdade. (….)

O processo de desenvolvimento aqui descrito é um processo evolutivo a partir de uma origem primitiva – um processo cujos sucessivos estádios se caraterizam por uma compreensão da natureza cada vez mais detalhada e sofisticada. Mas nada do que foi ou será dito faz dele um processo em vista de algo. Essa lacuna terá perturbado muitos leitores.

Todos nós estamos muito acostumados a ver a ciência como uma tarefa que se aproxima cada vez mais de um fim estabelecido antecipadamente pela natureza.

Mas esse fim é necessário? Não podemos nós explicar a existência da ciência, e também o seu sucesso, em termos de uma evolução a partir do estado de conhecimento da comunidade num dado momento? (…)

O processo descrito como resolução de revoluções é o processo de seleção natural, no âmbito da comunidade científica, do modo mais apto para se poder exercer a ciência do futuro. (…) Todo o processo podia ter ocorrido, como nós hoje supomos que aconteceu no caso da evolução biológica, sem ser orientado para um fim determinado, para uma verdade científica perene, da qual cada estádio do desenvolvimento do conhecimento científico seria o exemplar mais acabado.” 


Thomas Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas, Trad de Carlos Marques, Lisboa: Guerra&Paz, 2009, p.147.


texto para resumo

 Uma das maiores contribuições de Thomas Kuhn foi a noção de que a ciência é historicamente orientada. Essa noção foi apresentada em sua obra “A estrutura das Revoluções Científicas”, de 1962, que causou um grande impacto na filosofia da ciência.

Na época em que era aluno de pós-graduação em física teórica em Harvard, Kuhn, a pedido de seu orientador, ministrou um curso que apresentava a ciência física para não cientistas.

Assim, ele teve a oportunidade de examinar com calma alguns textos antigos, como os de Aristóteles, e desfazer suas conceções a respeito de teorias e práticas científicas que considerava antiquadas.

Os novos estudos empreendidos causaram um movimento na trajetória de Kuhn, que passou da física teórica à história e filosofia da ciência. No entanto, um movimento mais significativo estaria por vir: a relação entre a história e a ciência, até então compreendida a partir de uma noção acumulativa de ciência, estava restrita à descrição de fatos ocorridos e, por isso, era quase irrelevante ao trabalho científico.

Kuhn percebeu uma relação mais profunda entre a história e a ciência, muito além da compilação de fatos realizados por cientistas e de suas teorias. Uma história puramente descritiva abriga o risco de apresentar um excesso de informações que não têm relevância para a compreensão do objeto de estudo.

Outro risco dessa abordagem historiográfica é tratar a ciência a partir da biografia de cientistas, mas sem considerar o percurso intelectual que culminou em suas teorias, como se a causa da descoberta científica fosse a genialidade de certos indivíduos ou obra do acaso – tal como a anedota da maçã que caiu sobre a cabeça de Isaac Newton e o fez perceber a existência da gravidade.

“Talvez a ciência não se desenvolva pela acumulação de descobertas individuais”, suspeita Kuhn (2011, p. 20). É preciso entender que, embora a dinâmica aristotélica e a química flogística, por exemplo, não sejam teorias consideradas pelos cientistas contemporâneos, elas não são “um erro” ou “uma superstição”, não são menos científicas que as teorias que surgiram depois. Por isso, Kuhn afirma a seguir que: “teorias obsoletas não são em princípio acientíficas simplesmente porque foram descartadas” (2011, p. 21)

Essa abordagem historiográfica ainda pode, ao centrar-se na biografia de um cientista, como Einstein, apresentar seus opositores ou antecessores de forma depreciativa, sem considerar seus argumentos e o contexto histórico e até mesmo político em que estavam inseridos.

A história da ciência deve incluir, então, teorias que já foram descartadas. Por isso, não seria possível mais tratar o desenvolvimento científico a partir da noção de “acréscimo”. A partir da história da física, a área em que tinha maior conhecimento, Kuhn desenvolveu uma noção de história da ciência que analisa o trabalho científico e contempla o contexto histórico, social e político dos cientistas que pertenciam à comunidade científica da época.

A ciência, entendida como historicamente orientada, desenvolve-se de acordo com as seguintes etapas:

1) Adoção de um paradigma e o amadurecimento de uma ciência.

2) O período de ciência normal.

3) O período de crise – ciência extraordinária.

4) Período revolucionário – criação de um novo paradigma.

 

 

 

Fontes: KUHN, T. S. A Estrutura das Revoluções Científicas. Tradução de Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perspetiva, 2011.


texto para resumo




Não há indução probabilística. A experiência humana, tanto na vida comum como em ciência, adquire-se fundamentalmente através do mesmo procedimento: a invenção livre, injustificada e injustificável de hipóteses, antecipações ou expectativas, e a sua subsequente testagem. Esses testes não podem tornar a hipótese "provável". Podem apenas corroborá-la - e isto porque o "grau de corroboração" não é mais que uma designação ligada a uma informação ou a uma apreciação da severidade dos testes passados pela hipótese.

Mas quase todos os meses se publicam mais teorias da indução. é que há uma considerável força intuitiva na asserção de que a propriedade de uma lei aumenta com o número de casos observados que a verificam. Tentei explicar essa força intuitiva assinalando que não se distinguiu adequadamente grau de corroboração e probabilidade. Quer a minha explicação seja satisfatória quer não, a actual superabundância de teorias da indução insustentáveis deve ser altamente satisfatória até para um indutivista. (...)

Para ser mais específico, desafio qualquer pessoa que julgue que é possível aumentar a probabilidade uma teoria por meio de algum protocolo indutivo a explicar quatro coisas.

1) Por que é que os cientistas invariavelmente preferem uma teoria altamente testável cujo conteúdo vai muito além de todas as provas observadas, a uma hipótese ad hoc, concebida para explicar precisamente essas provas, e pouca coisa para além delas, ainda que esta última tenha de ser sempre mais provável do que a primeira relativamente a provas dadas. Como se há-de combinar a exigência de elevado conteúdo informativo de uma teoria – a exigência de conhecimento – com a exigência de probabilidade elevada, que significa falta de conteúdo e de conhecimento.

2) Como se há-de evitar obter probabilidades iguais a 1 para todas a leis ainda não refutadas, considerando que todas ela são instanciadas quase em toda a parte, pois tanto a lei “Todos os cisnes são brancos” , isto é “ Não há nenhum cisne não-branco” como a lei “Todos os cisnes são não-brancos” , isto é “Não há nenhum cisne branco” são instanciadas em todas as regiões onde não haja cisnes, isto é, segundo o nosso conhecimento atual , em quase todo o universo.

3) Como evitar obter, num universo infinito (ou num universo praticamente infinito) a probabilidade zero para todas as leis universais, considerando que uma lei universal acerca de um universo infinito pode sempre ser expressa como um produto infinito de proposições singulares. ( Por exemplo, “ Todos os cisnes são brancos” pode-se exprimir através de “Tudo tem a propriedade P” (em que ter a propriedade P é definido pela frase “ou ser branco ou não ser um cisne”



Karl Popper, O realismo e o objetivo da ciência, in Pós-escrito à lógica da descoberta científica – Vol.I, Dom Quixote, Lisboa, 1992, p.264,265,26