quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Texto para resumo Giovana- O conhecimento não pode surgir da sorte ou do acaso

Diz-se frequentemente que o conhecimento aspira à verdade, no sentido em que quando acreditamos numa proposição, acreditamos que ela é o caso (i. e. que é verdadeira). Quando aquilo em que acreditamos é verdadeiro, dá-se uma coincidência entre o que pensamos ser o caso e o que é o caso. Acertamos na verdade. No entanto, se a mera crença verdadeira é suficiente para 'acertar' na verdade, podemos interrogar-nos porque é que os epistemólogos, na sua busca por uma boa definição de conhecimento, não se dão imediatamente por satisfeitos, aceitando que conhecimento não é mais do que crença verdadeira - i. e. acertar na verdade.
Há realmente uma boa razão que explica porque é que os epistemólogos não se contentam com a ideia de conhecimento como crença verdadeira. É que uma pessoa pode possuir uma crença verdadeira por acaso, situação em que não poderíamos atribuir-lhe mérito por acertar na verdade. Suponhamos que Henrique fica convencido de que o cavalo Moça Sortuda irá ganhar a próxima corrida só porque achou o nome do cavalo engraçado. Esta não é claramente uma boa base sobre a qual devêssemos construir uma crença acerca do vencedor da próxima corrida de cavalos, visto que o facto de acharmos o nome do cavalo apelativo não tem influência sobre a prestação deste durante a corrida.
Suponhamos, no entanto, que a crença de Henrique acaba por se tornar verdadeira, que Moça Sortuda ganha de facto a corrida. É isto conhecimento? Intuitivamente não, pois a crença é verdadeira apenas por uma questão de sorte. Não esqueçamos que o conhecimento é algo que se alcança, algo que resulta do mérito de alguém, não podendo ser aquilo que alcançamos puramente por uma questão de sorte.
Para enfatizar este ponto, pensemos por um momento no que significa alcançar um feito noutra área, como no tiro com arco. Se alguém é um bom arqueiro, ao tentar atingir o centro do alvo em condições favoráveis (por exemplo, sem um vento demasiado forte), atingi-lo-á habitualmente. É isso que significa ser um bom arqueiro. A palavra 'habitualmente' é aqui importante, porque àqueles que não são bons arqueiros acontece-lhes às vezes acertar no centro do alvo, mas não habitualmente. É possível que apontem a seta e que, por sorte, atinjam o centro do alvo. Mas significa isto que quem acerta numa ocasião é um bom arqueiro? Não, pela simples razão de que essas pessoas não seriam capazes de repetir a façanha. Se tentassem outra vez o mais certo era que a seta desaparecesse no céu.
Possuir conhecimento é algo semelhante. Imaginemos que uma crença é uma seta que apontamos ao alvo, neste caso a verdade. Atingir o alvo e formar uma crença verdadeira é acertar, visto que temos sucesso numa dada ocasião. No entanto, formar uma crença verdadeira não é suficiente para possuir conhecimento, tal como não basta acertar no centro do alvo por mera sorte para se ser um bom arqueiro. O conhecimento tem de ser um resultado dos nossos esforços, em vez de um resultado que se alcança por puro acaso. Isto quer dizer que o modo como formamos uma crença deve, em circunstâncias normais, conduzir habitualmente à verdade.
Henrique, que forma a crença verdadeira de que Moça Sortuda ganhará a corrida só porque gostava do nome do cavalo, é como a pessoa a quem aconteceu acertar no alvo e que não é um bom arqueiro. Formar uma crença sobre a possível vitória de um cavalo, considerando apenas se o seu nome tem ou não tem graça, conduzirá habitualmente à formação de uma crença falsa.
Comparemos Henrique com alguém que genuinamente sabe que a corrida será ganha por Moça Sortuda. Essa pessoa pode ser, por exemplo, um poderoso gangster que viciou a corrida, drogando os outros cavalos para que Moça Sortuda ganhasse. Ele sabe que a corrida será ganha por Moça Sortuda, pois o modo como ele formou a sua crença, baseando-se na informação privilegiada de que dispunha para pensar que Moça Sortuda não poderia perder, conduzi-lo-á normalmente a uma crença verdadeira. Não é por uma questão de sorte que o gangster atinge o alvo da verdade.
Deste modo, o desafio para os epistemólogos é explicar o que é necessário juntar à mera crença verdadeira de modo a que se obtenha conhecimento. Em particular, os epistemólogos precisam de explicar o que tem de ser acrescentado à crença verdadeira para capturar esta ideia de que o conhecimento, em contraste com a mera crença verdadeira, é um autêntico feito do agente, algo de que ele é responsável, no sentido de uma crença obtida não apenas por uma questão de sorte.
 

Duncan Pritchard, What is This Thing Called Knowledge? (Abington & New York: 2006, p. 6). Trad. Carlos Marques.

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Texto para resumo Cátia 11E - O que é o conhecimento?


Salvador Dali

"O conhecimento é um estado muitíssimo valorizado no qual uma pessoa está em contacto cognitivo com a realidade. Trata-se, portanto, de uma relação. De um lado da relação encontra-se um sujeito consciente, e do outro lado encontra-se uma porção da realidade  com a qual o conhecedor está direta ou indiretamente relacionado. Enquanto a relação direta é uma questão de grau, é conveniente pensar no conhecimento de coisas como uma forma direta de conhecimento relativamente ao qual o conhecimento acerca de coisas é indireto. Ao primeiro chama-se habitualmente conhecimento por contacto uma vez que o sujeito está em contacto, através da experiência, com a porção de realidade conhecida, ao passo que ao segundo tipo de conhecimento se chama conhecimento proposicional uma vez que aquilo que o sujeito conhece é uma proposição verdadeira acerca do mundo. Conhecer o Rodrigo é um exemplo de conhecimento por contacto, ao passo que saber que o Rodrigo é um filósofo é um exemplo de conhecimento proposicional. O conhecimento por contacto inclui não apenas conhecimento de pessoas e coisas, mas também conhecimento dos nossos estados mentais. De facto, os estados mentais daquele que conhece são muitas vezes tidos como porção de realidade mais diretamente conhecível.

O conhecimento proposicional tem sido muito mais exaustivamente discutido do que o conhecimento por contacto pelo menos por dois motivos. Por um lado, o conhecimento proposicional é a forma pela qual se comunica o conhecimento, o que significa que o conhecimento proposicional pode ser transferido de uma pessoa para outra, ao passo que o conhecimento por contacto não pode ser transferido de pessoa para pessoa, pelo menos de forma direta. Outra razão relacionada com esta é a que a realidade  tem uma estrutura proposicional ou, pelo menos, a proposição é a principal forma pela qual a realidade é compreensível para a mente humana. Assim, mesmo que a minha experiência do Rodrigo me leve a conhecer o Rodrigo, e a experiência das minhas emoções me leve a saber o que é possuir tais emoções, como teórica tenho dificuldades em responder à questão «o que é o conhecimento?» relativamente a ambos os casos. É mais fácil explicar o objeto do conhecimento quando se trata de uma proposição. Neste artigo seguirei o procedimento habitual concentrando-me no conhecimento proposicional, mas ao fazê-lo reconheço que a conveniência não implica necessariamente a sua grande importância.

As proposições são verdadeiras ou falsas, mas somente as proposições verdadeiras ligam o sujeito cognitivo com a realidade da forma desejada. Assim, o objeto do conhecimento no sentido que mais interessa aos filósofos é habitualmente visto como uma proposição verdadeira. Saber qual a natureza da verdade, das proposições e da realidade é uma questão metafísica. Por esta razão os epistemólogos não dirigem os seus esforços para estas questões quando escrevem sobre epistemologia, e assim as questões acerca da natureza do conhecimento não se centram no objeto do conhecimento, mas antes nas propriedades do próprio estado mental que fazem dele um estado de conhecimento. Deste modo, as investigações acerca do conhecimento dirigem a sua atenção para a relação de conhecimento centrando-se mais do lado do sujeito da relação do que do lado do objeto."

Linda Zagzebski, «O que é o Conhecimento?», 1999, pp. 92-93.