domingo, 25 de fevereiro de 2018

Descartes


sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Correção do teste do 11º Ano - 8 de Fevereiro de 2018



Jeff Mermelstein, 1995

Grupo II

1. Um bom orador é capaz de persuadir qualquer pessoa sobre qualquer assunto, mesmo que nada saiba sobre ele, (não tem necessidade de conhecer o que é justo) apenas tem que parecer que conhece face à multidão (que aparente sê-lo à multidão que deve julgar). Deste modo, a Retórica é uma falsa Arte porque manipula e ilude parecendo aquilo que não é. Concentra-se a Retórica na forma de tornar o discurso agradável e não com o seu conteúdo de verdade. Este caso ocorre no texto quando Górgias afirma que poderá eleger-se como médico não sendo médico mas convencendo uma assembleia que o é, em detrimento do verdadeiro médico. Assim, a arte da retórica, pode ser enganadora por se prestar à adulação em detrimento da ciência e da verdade, do estudo e da investigação que um médico terá de possuir para poder apresentar-se como tal.

Para Platão a questão principal do discurso e do conhecimento não é, portanto, a persuasão, um orador não deve ter o propósito de persuadir, isto é, de conseguir a concordância de todos, o seu único propósito deve ser a verdade. Ora, para os sofistas, a verdade não existe ou se existe nada se pode saber sobre ela, logo, o homem é a medida de todas as coisas, só ele pode decidir em cada situação o que é verdadeiro, mas essa verdade varia de homem para homem de acordo com os seus interesses e perspetivas. Para os sofistas só podemos ter opiniões e todas as opiniões valem o mesmo, a sua aceitação por parte do auditório depende apenas do modo como a defendemos. A partir deste relativismo, arte de argumentar e a eloquência tornam-se importantes e decisivas. A educação dos jovens deve ter como principal disciplina a Retórica porque com ela se alcança o sucesso.
Para Platão, a verdade não pode ser uma mera opinião aprendida com os outros, implica um conhecimento, uma investigação racional que afasta todas as opiniões. A opinião é uma aparência de verdade, mesmo quando verdadeira a opinião ainda não é conhecimento. Para ser conhecimento tem de estar justificada com razões, não razões que a tornem mais agradável e verosímil, mas razões que a demonstrem, isto é, que mostrem que é assim e não pode ser de outro modo.


2. A tese de Protágoras “ A verdade é relativa” autodestrói-se pois pode ter duas interpretações e ambas negam o que a frase afirma. Assim, poderemos considerar que o conteúdo desta frase se aplica à própria frase e, deste modo, esta afirmação seria verdadeira apenas para Protágoras podendo ser falsa para os restantes indivíduos. Teria esta frase o valor correspondente à opinião de Protágoras e, portanto,  um valor limitado à esfera singular do seu autor. Admite-se deste modo o seu contrário como sendo igualmente verdadeiro, isto é "A verdade não é relativa". Por outro lado, se a frase pretende enunciar uma verdade, ela é contraditória por si, visto que pretende afirmar o contrário daquilo que se propõe, isto é, pretende enunciar uma verdade universal com uma proposição que afirma que a verdade não é universal.


3. A oposição entre Verdade e política pode ser encontrada em Platão na medida em que sustenta que acerca de assuntos mundanos nunca há conhecimento mas apenas opiniões que se opõem. Um outro aspeto é o da utilidade do discurso. Para que serve discursar se não for para nos tornar melhores e mais sábios, o discurso deve ter a forma de um diálogo, isto é, de uma contraposição de opiniões com vista a sair delas e a procurar os conceitos que já não são opiniões mas conhecimento racional. Para os sofistas e para a nova democracia ateniense, não há conhecimento verdadeiro sobre a forma como deve ser governada a cidade (relativistas) ou, se existe tal conhecimento, o homem não o poderá alcançar. Daqui se segue que, sobre os assuntos políticos, o “Homem é a medida de todas as coisas” e portanto quem decide qual a opinião mais credível são os homens. Esta opinião credível, por ser supostamente suportada por bons e sedutores argumentos, bem como por uma postura ousada do orador. Neste aspeto, Platão critica esta aparência de verdade e dá-a como consequência de um mau uso do discurso. O discurso quando é usado para unicamente persuadir um auditório, tem estratégias que ultrapassam os factos e a verdade destes, valendo qualquer argumento que avive as emoções e permita a satisfação dos interesses e gostos do auditório. Um bom orador é capaz de persuadir qualquer pessoa sobre qualquer assunto, mesmo que nada saiba sobre ele, (não tem necessidade de conhecer o que é justo) apenas tem que parecer que conhece face à multidão (que aparente sê-lo à multidão que deve julgar). Deste modo a Retórica é uma falsa Arte porque manipula e ilude parecendo aquilo que não é. Concentra-se na forma de tornar o discurso agradável e não com o seu conteúdo de verdade. A questão tem a sua formulação prática no conflito que opõe filósofos e sofistas acerca da melhor forma de educar os jovens. Para os filósofos,  a finalidade da educação deve ser a ética e a Filosofia ou arte de pensar que consiste em ir à essência dos conceitos que todos os dias utilizamos, ou, por outro lado, a finalidade da educação deve ser preparar chefes políticos capazes de fazer prevalecer os seus pontos de vista e de governar com o apoio dos cidadãos. Para formar chefes políticos a retórica parece mais apropriada que outra arte pois está indicada para o sucesso na vida pública.


4. A definição tradicional de conhecimento propõe três condições necessárias para se poder dar o caso de alguém afirmar: “Eu sei que”, isto é, para podermos afirmar que há conhecimento de algo. É necessário acreditar que algo é verdadeiro, porque seria contraditório saber algo sem acreditar nisso, tem portanto de haver uma crença. A crença não é, no entanto, suficiente para ter conhecimento, é necessário que esta seja verdadeira, pois o conhecimento é factivo o que implica que não possamos conhecer falsidades, falsidades não são factos. Por último tem que haver fortes razões que fundamentem e justifiquem essa crença, porque podemos saber a verdade acerca de algo por puro acaso e não podemos chamar conhecimento a uma crença verdadeira obtida ao acaso. Cada uma destas condições não pode sozinha ser suficiente mas as três em conjunto sim, por isso se apelida esta definição de definição tripartida do conhecimento.


Grupo III

1. Não, a afirmação é falsa, a crença verdadeira não é conhecimento porque podemos ter uma crença verdadeira por mera sorte, ou por acaso. Visto o Pai Natal não existir, o João não tem nenhuma justificação para a sua crença, e se teve prendas foi porque os pais lhe deram, logo a sua crença é verdadeira por puro acaso.


2. A afirmação “Os sólidos ocupam espaço” é verdadeira em qualquer situação pois é necessário  para ser um sólido ocupar espaço. Não preciso de ter visto ou experienciado corpos sólidos para justificar a verdade da afirmação, basta-me saber o conceito de sólido para saber que a afirmação é correta, por isso se diz que este conhecimento é “a priori”, isto é, não é justificado pela experiência mas apenas pela análise dos conceitos, sendo assim, esta proposição ou afirmação,  não acrescenta um novo conhecimento, por isso se diz também que é uma proposição ou juízo analítico. Quanto à afirmação “A língua oficial de Itália é o italiano” necessita da experiência que decorre de ter lido, ouvido ou visto algo que me dê essa informação, esse conhecimento não é necessariamente verdadeiro, nem se justifica pela análise dos conceitos. Pois a língua oficial de Itália poderia ser outra que não o Italiano, ou ainda poderá mudar de modo a que a proposição poderia ser falsa. O conhecimento obtido empiricamente ou “a posteriori” é, por isso, contingente, isto é, não é verdadeiro em todas as situações e sempre. Este tipo de proposições apelidam-se também de sintéticas visto que o seu conteúdo acrescenta algo ao conceito e alarga também o nosso conhecimento do mundo.


3. A Teoria tripartida do conhecimento é a teoria que defende a necessidade de satisfazer três condições para o haver conhecimento: haver uma crença, ser verdadeira e estar justificada por fortes razões. Esta teoria foi, no entanto, refutada através de contraexemplos, isto é, de suposições de situações possíveis de ocorrer em que estas três condições, embora satisfeitas, não são suficientes para existir conhecimento. E. Gettier através destes contraexemplos prova então que a teoria tripartida não é completamente satisfatória pois admite objeções que não podem ser explicadas recorrendo apenas às condições exidas pela teoria.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Texto para relatório-resposta às questões. Inês Trindade e Joana Filipa


" O ponto de vista dominante da filosofia ocidental nos últimos trezentos anos tem sido o que derivou do filósofo francês René Descartes, um dos filósofos mais influentes de todos os tempos. O seu método consiste em olhar para um problema questionando o modo como um indivíduo adquire conhecimento. […]
O trabalho mais conhecido de Descartes, o Discurso do Método – o seu título completo é Discurso do Método Para Conduzir Adequadamente a Razão e Procurar a Verdade nas Ciências – está escrito num estilo atraente e claro. Pode parecer que aquilo que ele escreveu é mais simples e mais óbvio do que é na realidade, por isso temos de considerar aquilo que ele escreveu de modo cuidadoso. Eis uma passagem da quarta parte do Discurso do Método, publicado em 1637, na qual ele define de modo muito claro a sua perspectiva acerca da natureza do seu próprio eu (self):

“Então, examinando atentamente aquilo que eu era e vendo que poderia presumir que não possuía corpo e que não havia mundo nem nenhum local onde eu estivesse, mas não poderia fingir que eu não existia; e que, pelo contrário, pelo facto de estar a duvidar da verdade de outras coisas, seguia-se com bastante evidência e certeza que eu existia; ao passo que se eu tivesse parado de pensar, embora tudo o que eu sempre pensei ser verdadeiro o fosse, eu não tinha razão para acreditar que eu existia; eu soube a partir disto que eu era uma substância cuja essência ou natureza era apenas o pensamento….”

Esta passagem contém praticamente todos os componentes centrais da filosofia da mente de Descartes.Em primeiro lugar, Descartes é um dualista. Isto significa acreditar que a mente e o corpo são duas espécies de coisas bastante distintas, dois tipos do que ele chama “substância”.Em segundo lugar, aquilo que ele pensa que tu és, o teu eu, é a mente. Dado que tu és uma mente, e as mentes são totalmente independentes do corpo, tu podes mesmo assim existir, sem um corpo.Em terceiro lugar, a tua mente e os teus pensamentos são aquilo que tu conheces melhor. Para Descartes é possível, pelo menos em princípio, existir uma mente sem um corpo, sendo incapaz, por mais que tente, de se aperceber de outras coisas, incluindo outras mentes. Descartes sabia, como é óbvio, que o modo como tomamos conhecimento daquilo que se passa na mente de outras pessoas é pela observação da fala e das acções de “outros corpos”. Mas para ele havia duas possibilidades sérias capazes de pôr em causa a nossa crença na existência de outras mentes. Uma é que os outros corpos podem ser apenas fingimentos da nossa imaginação. A outra é que, mesmo que os corpos e as outras coisas materiais existam, as provas que normalmente pensamos que justificam a nossa crença que os outros corpos são habitados por mentes pode ter sido produzida por autómatos, por máquinas sem mentes.Em quarto lugar, a essência da mente é ter pensamentos, e por “pensamentos” Descartes significa algo de que te apercebes na tua mente quando estás consciente. (A essência de um tipo de coisa, K, é a propriedade – ou o conjunto de propriedades – cuja posse é uma condição necessária e suficiente para ser um membro de K. Ou seja, se algo tem a propriedade essencial E, então pertence a K – portanto E é uma condição suficiente para pertencer a K; tudo o que não tem E, não pertence a K – portanto E é necessário para a relação de pertença.) Noutras passagens Descartes diz que a essência de uma coisa material – a propriedade, por outras palavras, que toda a coisa material tem que ter – é ocupar espaço. Isto significa que para Descartes as duas diferenças essenciais entre coisas materiais e mentes são (1) que as mentes pensam, enquanto a matéria não pensa, e (2) que as coisas materiais ocupam espaço, enquanto as mentes não. A tese de Descartes é, assim, que aquilo que distingue a mente do corpo é o facto negativo que a mente não existe no espaço e o facto positivo que as mentes pensam. Não é surpreendente que Descartes tenha pensado que a matéria não pensa. Poucas pessoas supuseram que as mesas ou os átomos têm pensamentos. Mas porque é que ele pensou que as mentes não existem no espaço? Afinal, podes pensar que a minha mente está onde está o meu corpo. Mas se eu não tivesse corpo, tal como Descartes pensava que era possível, ainda assim eu teria uma mente. Por isso ele não podia dizer que uma mente tem que estar onde o seu corpo está, simplesmente porque se pode não ter um corpo. Além disso, se eu tenho um corpo, porque é que eu não deveria dizer que é aí que a minha mente está? Se eu não tivesse um corpo, essa seria a resposta errada, mas na verdade eu tenho um corpo.Eu penso que a principal razão para pensar que as mentes não existem no espaço é o facto de parecer estranho perguntar “Onde é que estão os teus pensamentos?”. Mesmo que respondesses dizendo “Eles estão na minha cabeça”, não seria óbvio que isto era literalmente verdadeiro. Porque se eles estivessem na tua cabeça, poderias saber exactamente em que lugar da cabeça estariam e a quantidade de volume que ocupariam. Mas não se pode dizer quantos centímetros de comprimento ou largura ocupa um pensamento, nem se estão situados a norte ou a sul do córtex cerebral. […]É precisamente este dualismo que faz surgir um conjunto de dificuldades à posição de Descartes. Isto porque quem pensa que mente e corpo são totalmente distintos tem que responder a duas questões principais. A primeira, como é que eventos mentais causam eventos físicos? Como é que, por exemplo, as nossas intenções, que são mentais, levam à ação, que envolve movimentos físicos do nosso corpo? Como é que, por exemplo, é possível que a interação física entre os nossos olhos e a luz leve às experiências sensoriais da visão, que são mentais? […]A resposta de Descartes a estas questões parece clara e suficientemente simples. O cérebro humano, pensava ele, possui um ponto de interação entre a mente e a matéria. De facto, Descartes sugeriu a glândula pineal, situada no centro da cabeça, como sendo o canal entre os dois domínios distintos da mente e da matéria. Era esta a resposta dele para o problema mente-corpo. No entanto esta teoria entra em conflito com a afirmação de Descartes de que o que distingue o mental do material é o facto do mental não ser espacial. Pois se acontecimentos mentais causam acontecimentos cerebrais, então isso não significa que eventos mentais ocorrem no cérebro? Como é que algo pode causar um acontecimento no cérebro sem ser um acontecimento (ou algo do mesmo género) no cérebro? Normalmente, quando um evento – digamos “A” – causa outro evento – digamos “B” – A e B têm de estar próximos um do outro, ou tem que existir uma sequência de eventos próximos uns dos outros entre A e B. Uma drama num estúdio de televisão causa uma imagem no meu televisor a muitos quilómetros de distância. Mas há um campo electromagnético transporta a imagem do estúdio até mim, um campo que existe entre o meu televisor e o estúdio. A perspectiva de Descartes terá de ser a de que os meus pensamentos causam mudanças no meu cérebro e que estas mudanças depois levam à minha acção. Mas se os pensamentos não existem ou não estão próximos do meu cérebro, e se não existe uma cadeia de eventos entre os meus pensamentos e o meu cérebro, então isto é um tipo de causalidade muito invulgar.Descartes quer dizer que os pensamentos não estão em nenhum lugar. Mas, de acordo com o que ele defende, pelo menos alguns dos efeitos dos meus pensamentos estão no meu cérebro e nenhum dos efeitos diretos dos meus pensamentos estão no cérebro de outras pessoas. Normalmente os meus pensamentos levam às minhas ações e nunca levam diretamente às ações de outras pessoas. Chegamos, assim, a um problema central da posição de Descartes, já que é normal pensar que as coisas estão onde os seus efeitos se originam. (Podemos designar esta ideia como a tese causal da localização). Deste ponto de vista, os meus pensamentos estão no meu cérebro, que é a origem do meu comportamento. Mas se os eventos mentais ocorrem no cérebro, então, dado que o cérebro está no espaço, pelo menos alguns eventos mentais também existem no espaço. Assim, o modo como Descartes distingue o mental do físico não funciona. Designemos esta aparente conflito entre o facto de que a mente e a matéria parecem interagir causalmente e a afirmação de Descartes que a mente não existe no espaço o problema de Descartes.”

 Kwame Anthony Appiah,Thinking it Through: An introduction to contemporary philosophy, Oxford University Press

1. O que significa o dualismo corpo/mente?

2. Quais as teses principais do texto acerca da Filosofia cartesiana?


sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Para relatório Maria Proença e Luís Cardozo.

"CONHECER" 1,2,3




Três sentidos de “conhece”
Na linguagem vulgar, quando dizemos que alguém conhece algo podemos querer dizer coisas diferentes com “conhece”. Há diferentes sentidos de “conhecimento” ou, digamos, diferentes tipos de conhecimento. De entre estes, os mais significativos são (1) o conhecimento proposicional, (2) o conhecimento por contacto e (3) o "saber-fazer”. Comecemos pelo conhecimento proposicional.
O conhecimento proposicional é o conhecimento de factos ou de proposições verdadeiras. Consideremos os exemplos seguintes de conhecimento proposicional:
(1) O João sabe que César foi assassinado.
(2) O João sabe que o céu é azul.
Nestes exemplos, os objectos do conhecimento, ou aquilo que é conhecido, são, respectivamente, as proposições verdadeiras César foi assassinado e o céu é azul.
É importante distinguir entre frases e proposições. Considerem-se duas pessoas, o Paulo e o Pedro. Suponhamos que cada um deles está convencido de que o céu é azul. Só que o Paulo apenas sabe falar Português e o Pedro apenas Francês. Ao expressar a sua crença, o Paulo diria “O céu é azul.” e o Pedro “Le ciel est bleu.” Embora cada um deles expresse a sua crença através de uma frase diferente, acreditam ambos na mesma proposição. Do mesmo modo, uma vez que ambos sabem que o céu é azul, conhecem a mesma proposição.
Podemos pensar a crença como uma relação entre um sujeito e uma proposição. Se a proposição de que estamos convencidos é verdadeira, então a nossa crença é verdadeira e se a proposição de que estamos convencidos é falsa, então a nossa crença é falsa. Podemos também pensar o conhecimento proposicional como uma relação entre um sujeito e uma proposição. Mais precisamente, o conhecimento proposicional é uma relação entre um sujeito e uma proposição verdadeira.
O conhecimento proposicional não é a única espécie de conhecimento. Suponhamos, por exemplo, que alguém faz as afirmações seguintes:
(3) O João conhece o presidente dos Estados Unidos.
(4) O João conhece o Papa.
Podemos naturalmente pensar que estas afirmações implicam que o João conhece pessoalmente, quer o presidente dos Estados Unidos, quer o Papa. Podemos naturalmente pensar que (3) e (4) implicam que o João esteve na presença deles. Se realmente entendemos (3) e (4) deste modo, então estamos a atribuir ao João um conhecimento por contacto. Dizer que o João conhece alguém por contacto implica que o conhece pessoalmente ou que esteve na sua presença.
É necessário distinguir o conhecimento por contacto do conhecimento proposicional. É óbvio que podemos ter bastante conhecimento proposicional sobre alguém sem ter conhecimento por contacto dessa pessoa. Posso, por exemplo, ter bastante conhecimento proposicional sobre o presidente. Posso saber que ele nasceu nesta ou naquela data e que ele frequentou tal ou tal universidade. Posso saber muitas mais proposições verdadeiras semelhantes acerca dele. Porém, do facto de ter bastante conhecimento proposicional sobre o presidente não se segue que tenho dele conhecimento por contacto, visto que não o conheço pessoalmente nem estive alguma vez na sua presença.
Na linguagem vulgar, quando dizemos “A conhece B”, estamos por vezes a usar “conhece” no sentido proposicional, outras vezes no sentido do conhecimento por contacto. Suponha-se, por exemplo, que um detective diz estas palavras sinistras “Conheço este assassino. Ele vai matar outra vez - e brevemente.” O nosso detective não tem de ser entendido como querendo dizer que esteve realmente na presença do assassino ou que o conhece pessoalmente. Pode querer dizer simplesmente que sabe que o assassino é do tipo que brevemente atacará outra vez. Detém uma certa espécie de conhecimento proposicional acerca do assassino. Da mesma forma, se eu estou impressionado com o vasto conhecimento que o João tem sobre César, posso dizer “O João conhece realmente César.” É claro que estou a dar a entender que o João tem muito conhecimento proposicional sobre César e não que o João esteve na sua presença.
Além de pessoas, podemos conhecer coisas por contacto. Podemos, por exemplo, conhecer Paris ou o sabor da manga por contacto. Se temos esse tipo de conhecimento de Paris é porque lá estivemos; e se temos esse tipo de conhecimento do sabor da manga é porque provámos manga. Mais uma vez, é necessário distinguir o conhecimento deste tipo do conhecimento proposicional. Podemos ter muito conhecimento proposicional acerca de Paris, sabendo quais são os principais boulevards, quando foi fundada a cidade, sabendo onde se localizam vários pontos marcantes da cidade, sem ter o tipo de conhecimento que decorre de ter lá estado.
Consideremos ainda o "saber-fazer.” Por vezes, quando dizemos “A sabe fazer X” queremos dizer ou dar a entender que A tem aptidão para X. Noutros casos, porém, quando dizemos que “A sabe fazer X” não queremos dizer que A tem aptidão para X. Assim, há um sentido em que “saber fazer X” sugere termos aptidão para X e outro que não o sugere. De acordo com o primeiro sentido de "saber-fazer”
(5) O João sabe tocar uma sonata para piano.
implica
(6) O João tem aptidão para tocar uma sonata para piano.
Lembremos, porém, que há outro sentido de saber fazer X que não implica que se tenha aptidão para X. Para ter uma ideia deste segundo sentido, suponhamos que o João é um violinista talentoso que lê bem música, mas não é capaz de tocar piano. Imaginemos que ele tem um profundo conhecimento sobre como tocar uma certa sonata para piano; pode saber, por exemplo, que o indicador direito deve tocar tal nota e que o polegar direito uma outra, e assim por diante. Na verdade, o João seria capaz de descrever precisamente como tocar a peça, mesmo não sendo capaz, ele mesmo, de a tocar. Neste caso, podemos dizer que o João sabe tocar a sonata, embora não tenha aptidão para tocá-la. Neste sentido de “saber-fazer”, (5) não implica (6). Há, pois, um sentido de “saber fazer" algo que se resume simplesmente a ter conhecimento proposicional sobre como fazê-lo. O violinista João, por exemplo, tem bastante conhecimento proposicional sobre como tocar uma sonata para piano, mas noutro sentido de “saber-fazer” não sabe tocar uma sonata para piano, pois falta-lhe a aptidão para tal.
Como se ilustra pelos casos anteriores, podemos ter muito conhecimento proposicional sobre como fazer algo sem ter a aptidão para o fazer. Inversamente, podemos ter a aptidão para fazer algo sem ter muito conhecimento proposicional sobre o assunto. Para perceber esta situação, imaginemos um fisiólogo que tem muito conhecimento proposicional sobre como andar. Estudou o modo como precisamos de transferir peso de um pé para outro, como os joelhos se devem dobrar, que músculos trabalham, etc. O nosso perito pode ter um grande conhecimento proposicional sobre como andar. Consideremos agora a jovem Maria. A Maria tem dez meses e acabou de aprender a andar. Ela sabe andar, mas podemos facilmente imaginar que lhe falta o conhecimento proposicional do perito sobre o assunto. O conhecimento proposicional da Maria sobre como andar é provavelmente bastante fraco, se é que é algum.
Distinguimos o conhecimento proposicional, quer do conhecimento por contacto, quer do saber fazer algo. Tradicionalmente, os filósofos preocuparam-se mais com o conhecimento proposicional. Uma das razões disto é que os filósofos se preocupam tipicamente com o que é verdadeiro. Querem saber o que é verdadeiro e avaliar e apreciar as suas próprias pretensões de conhecimento da verdade, bem como as dos outros. Quando, por exemplo, os filósofos se interrogam sobre a extensão do nosso conhecimento, preocupam-se tipicamente com a extensão do nosso conhecimento proposicional, com o número de verdades que conhecemos. Quando um filósofo diz que sabe que há objetos externos e outro o nega, há um desacordo sobre a existência de um certo tipo de conhecimento proposicional; há desacordo sobre o conhecimento de um certo tipo de verdades . O conhecimento por contacto e o "saber-fazer” não estão “focados na verdade” como o conhecimento proposicional.
Noah Lemos, An Introduction to the Theory of Knowledge (Cambridge, 2007, pp. 2-5). Tradução de Carlos Marques.

1. Explique o título do texto.
2. Apresente as principais teses e argumentos.
3. Diga qual o problema ou problemas tratados.

Para o relatório de Ginger Vieira

NesNeste capítulo ocupar-nos-emos exclusivamente do conhecimento de coisas, do qual por seu turno teremos de distinguir dois tipos. 0 conhecimento de coisas, quando é do tipo a que chamamos conhecimento por contacto, é essencialmente mais simples do que qualquer conhecimento de verdades, e é logicamente independente do conhecimento de verdades, mas seria precipitado pressupor que os seres humanos alguma vez estão, de facto, em contacto com coisas sem ao mesmo tempo saber alguma verdade sobre elas. 0 conhecimento de coisas por descrição, pelo contrário, envolve sempre, como veremos (…) algum conhecimento de verdades como sua fonte e fundamento. Mas primeiro que tudo temos de clarificar o queremos dizer por “contacto” e o que queremos dizer por “descrição”.

Diremos que temos contacto com seja o que for do qual estamos directamente cientes, sem ser por intermédio de quaisquer processos de inferência on qualquer conhecimento de verdades. Assim, na presença da minha mesa tenho contacto com os dados dos sentidos que constituem a aparência da minha mesa - a sua cor, forma, lisura, etc.; tudo isto são coisas das quais tenho consciência imediata quando estou a ver e a tocar a minha mesa. Do tom particular de cor que estou a ver muitas coisas se podem dizer - posso dizer que é castanho, bastante escuro, e assim por diante. Mas tais afirmações, apesar de me fazerem saber verdades sobre a cor, não me fazem conhecer a cor em si melhor do que conhecia antes: no que respeita ao conhecimento da cor em si, ao contrário do conhecimento de verdades sobre ela, conheço a cor perfeita e completamente quando a vejo, e mais nenhum conhecimento de si própria é sequer teoricamente possível. Assim, os dados dos sentidos que constituem a aparência da minha mesa são coisas com as quais tenho contacto, coisas imediatamente conhecidas por mim exactamente como são.

0 meu conhecimento da mesa enquanto objecto físico, ao contrário, não é conhecimento directo. Embora limitado, é obtido por contacto com os dados dos sentidos que constituem a aparência da mesa. Vimos que é possível, sem absurdo, duvidar de que há de todo em todo uma mesa, ao passo que não é possível duvidar dos dados dos sentidos. 0 meu conhecimento é do tipo a que iremos chamar “conhecimento por descrição”. A mesa é o “objecto fisico que causa tais e tais dados dos sentidos”. Isto descreve a mesa por meio dos dados dos sentidos. Para saber seja o que for da mesa, temos de conhecer verdades que a liguem a coisas com as quais temos contacto: temos de saber que “tais e tais dados dos sentidos são causados por um objecto físico”. Não há qualquer estado mental no qual estejamos directamente cientes da mesa; todo o nosso conhecimento da mesa é na realidade conhecimento de verdades e, estritamente falando, a própria coisa que a mesa é não é de modo nenhum conhecida por nós. Conhecemos uma descrição, e sabemos que há apenas um objecto ao qual a descrição se aplica, apesar de o próprio objecto não ser directamente conhecido por nós. Em tal caso, dizemos que o nosso conhecimento do objecto é conhecimento por descrição.

Bertrand Russell, Os problemas da filosofia (Edições 70, 2008, págs. 107-109).
1. Isole as teses principais e os seus argumentos. 
2. Descreva o ato do conhecimento apresentado no texto.
3. Diga qual o problema ou problemas que aqui são tratados.