segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Texto para resumo e análise Leonor Amorim 11E




Picasso

— Aí, tens toda a razão. Mas talvez Hume seja justamente um filósofo que pensa de forma um pouco diferente. Mais do que qualquer outro, ele tem como ponto de partida o mundo quotidiano. Acho que Hume tinha um sentido muito apurado para o modo como as crianças — ou seja, os novos cidadãos do mundo — vivem a realidade.— Eu vou conter-me.— Enquanto empirista, Hume via como sua tarefa a supressão de todos os conceitos e construções especulativas pouco claros que os teus homens tinham concebido até então. Nessa altura, estava em circulação na escrita e em conversas todo o tipo de conceitos da Idade Média e dos filósofos racionalistas do século XVII. Hume queria regressar à sensibilidade humana original do mundo. Segundo ele, nenhuma filosofia pode alguma vez ignorar as experiências quotidianas ou dar-nos regras de comportamento diferentes daquelas que obtemos por meio da nossa reflexão sobre a vida quotidiana.— Até agora isso parece aliciante. Podias dar exemplos?— Na época de Hume, estava muito difundida a ideia de que existem anjos. Por anjo, entendemos uma figura humana com asas. Alguma vez viste um ser desses, Sofia? — Não.— Mas já viste uma figura humana?
— Que pergunta tão boba.— E também já viste asas?— Claro, mas nunca num homem.— Segundo Hume, os “anjos” são uma ideia complexa. Esta ideia é constituída por duas experiências diferentes que não estão juntas na realidade, mas foram ligadas na fantasia humana. Por outras palavras, a ideia é falsa e deve ser rejeitada. Do mesmo modo, temos de fazer uma arrumação em todos os nossos pensamentos e ideias. Tal como Hume afirmou: “Pegando ao acaso em qualquer volume acerca de teologia ou filosofia da escola, devemos perguntar: Contém algum raciocínio abstrato acerca da grandeza ou dos números? Não. Contém algum raciocínio sobre fatos e sobre a realidade baseado na experiência? Não. Então, lançai-o à fogueira porque só contém ilusão e aparência.”— Bastante drástico. — Mas há o mundo, Sofia. Mais fresco e nítido nos seus contornos do que anteriormente. Hume queria regressar ao modo como uma criança vê o mundo — antes de ideias e reflexões ocuparem espaço na mente. Não disseste que muitos filósofos, dos quais ouviste falar, vivem no seu próprio mundo e que o mundo real te interessa mais?— Sim, mais ou menos isso. — Hume poderia ter dito exatamente o mesmo. Mas observemos mais exatamente o seu raciocínio.
— Estou a ouvir.— Hume verifica em primeiro lugar que o homem possui por um lado “impressões”, e por outro “ideias”. Por impressão, ele entende a sensação imediata da realidade exterior. Por ideia ele entende a recordação dessa sensação.— Exemplos, por favor.— Se te queimas num fogão quente, tens uma impressão imediata. Mais tarde, podes recordar que te queimaste. É a isso que Hume chama ideia. A diferença é que a impressão é mais forte e viva do que a recordação posterior da impressão. Podes dizer que a impressão sensível é o original e a ideia ou recordação a cópia pálida. Porque, afinal, a impressão é a causa direta da ideia que é conservada na mente.
— Até agora estou a acompanhar bem.— Mais adiante, Hume sublinha que tanto uma impressão como uma ideia podem ser ou “simples ou complexas”. Ainda te lembras que em Locke falamos de uma maçã. A experiência imediata de uma maçã é também uma impressão complexa. Assim, a ideia de uma maçã é também uma ideia complexa.— Desculpa a interrupção, mas isso é muito importante?
— Se é! Apesar de os filósofos se terem preocupado com uma série de problemas aparentes, não podes agora desistir quando se trata de construir um raciocínio. Hume teria certamente dado razão a Descartes quanto à importância de se construir um raciocínio a partir da base.— Para Hume, a questão é que, por vezes, podemos juntar coisas sem que exista um objeto composto correspondente na realidade. Assim, surgem ideias falsas de coisas que não existem na natureza. Já mencionamos os anjos. E, antes disso, já se tinha falado de crocofantes. Um outro exemplo é o Pégaso, um cavalo com asas. Em todos estes exemplos, temos de reconhecer que a nossa mente fez uma construção no vazio. Retirou as asas de uma impressão e os cavalos de outra. Todos os elementos foram percebidos uma vez e por isso entraram no palco da mente como impressões verdadeiras. No fundo, a mente não inventou nada. A mente agarrou na tesoura e na cola e construiu ideias falsas.— Entendo. E agora também compreendo que isso pode ser importante.— Ainda bem. Hume quer examinar cada ideia e descobrir se ela é composta de um modo que não encontramos na realidade. Ele pergunta: em que impressões tem origem esta ideia? Em primeiro lugar, ele tem que determinar de que ideias simples é composto um conceito. Deste modo, obtém um método crítico para analisar as ideias humanas. E é assim que quer organizar os nossos pensamentos e ideias.— Tens um ou dois exemplos?— Na época de Hume, muitas pessoas tinham uma ideia clara do paraíso. Talvez ainda te lembres que Descartes explicara que ideias claras e evidentes em si podiam ser uma garantia deque existe uma correspondência na realidade.
— Como já disse, não sou esquecida.— É-nos imediatamente claro que “paraíso” é uma ideia extremamente complexa. Vou referir apenas alguns elementos: no “paraíso” há um “portão de pérolas”, há “estradas de ouro” e “exércitos de anjos” — e assim por diante. Mas ainda não examinamos tudo nos seus elementos particulares. Porque também “portão de pérolas”, “estradas de ouro” e “exércitos de anjos” são ideias compostas. Só quando verificamos que a nossa ideia complexa de paraíso é constituída por ideias simples como “pérola”, “portão”, “estrada”, “ouro”, “figura vestida de branco” e “asa”, é que podemos perguntar se já tivemos de fato alguma vez “impressões simples ”correspondentes.— E temos. Mas depois montamos todas as impressões simples numa ilusão.— Sim, Exato, porque quando sonhamos, usamos, por assim dizer, tesoura e cola. Mas Hume sublinha que toda a matéria, a partir da qual formamos as nossas ilusões, chega à nossa mente na forma de impressões simples. Uma pessoa que nunca tenha visto ouro também não poderá imaginar nenhuma estrada de ouro. — Ele é muito esperto. E quanto a Descartes e a sua ideia clara de Deus?

Jostein Gaarder, O mundo de Sofia

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Matriz para o ensaio filosófico

 


1.       Realização no dia 15 de dezembro (quinta feira)

2.       Duração 60m

3.       Mínimo 30 linhas/máximo 60 linhas

F     Folha A4 Pautada Nome do aluno/turma/nº e o problema a ser tratado


4.       Avaliação: Competência: Argumentação/Problematização/Comunicação

5.       Estrutura:

1º - Apresentação do problema e da razão porque escolheu esse problema.

2º - Apresentação da sua posição pessoal

3º - Apresentação das razões pelas quais considera a sua posição preferível em relação a outras posições possíveis.

4º - Apresentação de alguns problemas que podem ser colocados à posição que tomou.

5º - Conclusão

6.       Critérios de avaliação:

a)       Discurso bem estruturado/coerência e consistência entre as várias partes – 30%

b)      Argumentação forte – 30%

c)       Boa apresentação e desenvolvimento do problema – 25%

d)      Correção escrita – 15%

Problemas filosóficos a serem discutidos:

1.       Será que existe um Deus absoluto e criador?

2.       Seremos livres ou temos um destino já predeterminado?

3.       O que faz a nossa identidade? O nosso corpo? A nossa mente? Ambos?

4.       Será benéfico legalizar a Eutanásia?

5.       O que é a Arte?

6.       Como posso ter a certeza dos meus conhecimentos?

C     Será a Internet um incentivo ao narcisismo? Será o narcisismo perigoso?


 

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Texto para resumo João 11E


Já David Hume foi bastante crítico em relação a Descartes nesta questão (de haver um conhecimento absoluto) e avançou com a sua própria tese sobre o assunto. Diz Bertrand Russel sobre o escocês:

"O que preocupa Hume é o conhecimento incerto, tal como o que é obtido de dados empíricos por inferências que não são demonstrativas. Isso inclui todo o nosso conhecimento a respeito do futuro, e a respeito de partes não observadas do passado e do presente. De facto, inclui tudo excepto, por um lado, observação directa, e, por outro, a lógica e a matemática."

Em primeiro lugar, David Hume separa conhecimento de relação de ideias e conhecimento de factos ou probabilidade. Se no conhecimento as “relações de ideias são dependentes das próprias ideias”, na probabilidade existem três relações: a identidade, as situações no tempo e lugar e a causalidade.

Assim, enquanto a negação do conhecimento de relação de ideias implica contradição, na probabilidade (conhecimento dos factos), a negação é igualmente uma probabilidade. Desse modo, as descobertas filosóficas devem ser caracterizadas pelo probabilismo, pois o Homem tem várias limitações temporais e perceptivas. Ou seja, todas as explicações devem ser vistas como tentativas destinadas a serem substituídas por outras, o que dá espaço à opinião e à controvérsia.

David Hume rejeita “todo o tipo de ilusões metafísicas”, toda a crença em milagres. Segundo ele, os milagres violam as leis da Natureza, que se baseiam na experiência.

No entanto, Hume, não é um céptico radical que negue totalmente a capacidade do sujeito para conhecer algo, o que acaba por ser uma contradição, pois ao afirmar a impossibilidade de alcançar o conhecimento, já está a concluir algo – conhecer que o conhecimento não é possível.

Hume nega a existência de princípios evidentes inatos em nós. Para ele, todo o conhecimento é como que uma cópia de algo, cujo objecto já tivemos acesso de alguma maneira.

Hume põe ainda o problema da causalidade em cima da mesa. Ele refuta o princípio da causalidade segundo o qual todas as acções têm uma relação causa efeito, submetendo-o a uma análise critica bastante rigorosa, baseando-se na sua teoria de conhecimento segundo a qual sem impressão sensível não há conhecimento, visto todas as ideias derivarem das sensações, à qual deve corresponder uma impressão.

A partir daí, ele negou que possamos fazer qualquer ideia de causalidade pois ela é apenas resultado do nosso hábito mental, visto que na Natureza nada nos mostra que sempre que acontece alguma coisa, tem que acontecer outra.

Só temos essa ideia porque nos habituamos a ver a sucessão de fenómenos um por um, o que nos induziu em erro.

Por exemplo, quando está vento e uma árvore abana dizemos que esta é uma relação causa efeito, quando nada nos prova que assim é. Apenas o dizemos porque nos habituamos a ver os dois fenómenos ocorrer muitas vezes simultaneamente. A experiência até nos pode dizer que o vento pôs os galhos da árvore em movimento, mas ela nunca nos diz nada sobre acontecimentos futuros, com os quais ainda não tivemos qualquer contacto: única fonte de conhecimento valida. Isto porque a inferência causais estão sempre sujeitas ao erro perante novos objectos, novos sujeitos e novas situações, que podem mudar as ideias que temos em nós. Desse modo, vemos que para Hume, o conhecimento só pode corresponder a acções passadas, ou quando muito actuais e nunca futuras. Para ele, “cada caso, é um caso” e nada nos diz o que vai acontecer amanhã.

Esta questão é de grande importância para David Hume, porque o racionalismo de Descartes apoia-se sobretudo nas relações causa efeito.

Provando que não existem relações na Natureza e apenas fenómenos desligados uns dos outros, Hume rejeita, o inatismo cartesiano, introduzindo um dado novo nas teses empiristas afirmando que a identidade entre a ordem das coisas e das ideias é fruto dos nossos hábitos mentais ou na crença que existe uma ligação necessária entre os fenómenos.

A partir daí, Hume nega as três verdades de René Descartes (o ser, Deus e o mundo).

Em relação ao “eu”, que Descartes provara através da intuição, Hume não acredita que o pensamento intuitivo seja um caminho seguro para a verdade, devido à impossibilidade do Homem poder enumerar causas.

Todos nós mudados em muitos aspectos à medida que os anos passam, sem que nós próprios mudemos em si mesmo. No entanto, Hume nega a distinção entre os vários aspectos de uma pessoa e o sujeito que transporta essas mesmas características. Ou seja, para o escocês, quando fazemos uma introspecção, notamos um conjunto de percepções, sentimentos, memorias e pensamento, mas nunca nos apercebemos de algo a que possamos chamar de “eu”. Ou seja, o ser humano não passa de um conjunto de “percepções transitórias” que a nada pertencem e de um composto de elementos relacionados em permanente mudança.

Depois, relativamente à questão da existência de Deus, que Descartes provara baseando-se em que tudo tem uma causa, e a primeira dessas causas era Deus,

Hume diz ser impossível conhecer Deus pois a provas cartesianas estão fundadas na existência de ideias inatas, originárias da razão, nas quais não acredita. Ou seja, para ele o Homem não pode conhecer algo do qual não tem uma única percepção.

Por fim, Hume nega igualmente a existência do mundo exterior que para ele não passa de uma crença. E é uma crença que não podemos eliminar, mas que também não podemos provar por qualquer tipo de argumento, seja ele dedutivo ou indutivo.

David Hume também refuta a ideia de um conhecimento universal, claro e distinto. Visto que dentro das limitações o nosso conhecimento é sempre incompleto, a realidade reduz-se aos fenómenos aos quais os nossos sentidos têm acesso, sendo que cada um pode ter sensações diferentes nessa experiência, abrindo-se espaço à subjectividade.