domingo, 1 de janeiro de 2023

Texto para análise/resumo Pedro Reboredo

 


O que acontece, afirma Hume, é que observamos que indivíduos pertencentes a uma espécie são constantemente acompanhados por indivíduos pertencentes a outra. «A contiguidade e a sucessão não são suficientes para nos levarem a declarar que quaisquer dois objetos são causa e efeito, a não ser que observemos que estas duas relações são preservadas em diversos exemplos». Mas de que forma nos faz isto progredir? Se a relação causal não pode ser detetada num só exemplo, como pode ela ser detetada em diversos exemplos, se todos os exemplos semelhantes são independentes uns dos outros e não se influenciam uns aos outros? A resposta de Hume é que a observação da semelhança produz uma nova impressão na mente. Tendo nós observado que um número suficiente de casos de B se seguem a A, sentimos uma determinação da mente em passar de A para B. É aqui que descobrimos a origem da ideia de conexão necessária. A necessidade «mais não é do que uma impressão interna da mente, ou uma determinação para levarmos os nossos pensamentos de um objeto para outro». A impressão da qual deriva a ideia de conexão necessária é a expectativa do efeito quando a causa se apresenta, expectativa essa que constitui uma impressão produzida pela conjunção habitual de ambos. Por muito paradoxal que possa parecer, não é a nossa inferência que depende da conexão necessária entre causa e efeito, mas é a conexão necessária que depende da inferência que retiramos de uma para a outra. Hume oferece-nos, não uma, mas duas definições de causalidade. A primeira é a seguinte: uma causa é «um objeto precedente e contíguo a outro, sendo todos os objetos semelhantes ao primeiro colocados numa relação de semelhança e contiguidade com os objetos que se assemelham ao segundo». Nesta definição, nada se diz acerca da conexão necessária, e não é feita qualquer referência à atividade da mente. Assim sendo, é-nos apresentada uma segunda definição, mais filosófica que a primeira. Uma causa é «um objeto precedente e contíguo a outro, e de tal maneira unido a ele na imaginação que a ideia de um determina a mente a formar a ideia do outro, e a impressão de um determina a mente a formar uma ideia mais vívida do outro.» Note-se que nesta segunda definição de «causa» se diz que a mente é «determinada» a formar uma ideia pela presença de outra ideia. Isto parece impor uma circularidade na definição: pois não é a «determinação» sinónima de «causalidade», ou não está intimamente ligada a 336 ela? A circularidade não pode ser evitada dizendo que a determinação de que aqui se fala está na mente, e não no mundo. Porque a teoria da causalidade destina-se a ser aplicada, tanto à necessidade moral, como à necessidade natural, tanto às ciências sociais como às naturais. A originalidade e a força da análise da causalidade apresentada por Hume é ocultada pela linguagem em que é apresentada, que sofre de toda a obscuridade do mecanismo das impressões e das ideias. Mas há três princípios novos e muito importantes que podemos separar do aparato psicológico: a) A causa e o efeito têm de ser existências distintas, sendo cada uma delas concebível sem a outra. b) A relação causal deve ser analisada em termos de contiguidade, precedência e conjunção constante. c) Não é uma verdade necessária que todos os começos de existência têm uma causa.

Anthony Kenny, Breve história concisa da Filosofia Ocidental, p.336