segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Texto para resumo António Ferro


David Hume e o problema da causalidade

Todos os raciocínios que se referem aos factos parecem fundar-se na relação de causa e efeito. Apenas por meio desta relação ultrapassamos os dados da nossa memória e dos nossos sentidos. Se tivésseis que perguntar a alguém por que acredita na realidade de um facto que não constata efectivamente, por exemplo, que o seu amigo está no campo ou em França, ele vos daria uma razão, e esta razão seria um outro facto: uma carta que recebeu ou o conhecimento das suas resoluções e promessas anteriores. Um homem, ao encontrar um relógio ou qualquer outra máquina numa ilha deserta, concluiria que outrora havia homens na ilha. Todos os nossos raciocínios sobre os factos são da mesma natureza. E constantemente supõe-se que há uma conexão entre o facto presente e aquele que é inferido dele. Se não houvesse nada que os ligasse, a inferência seria inteiramente precária. A audição de uma voz articulada e de uma conversa racional na obscuridade dá-nos segurança sobre a presença de alguma pessoa. Porquê? Porque estes sons são os efeitos da constituição e da estrutura do homem e estão estreitamente ligados a ela. Se analisamos todos os outros raciocínios desta natureza, verificaremos que se fundam na relação de causa e efeito e que esta relação se acha próxima ou distante, directa ou colateral. O calor e a luz são os efeitos colaterais do fogo, e um dos efeitos pode ser inferido legitimamente do outro.



Portanto, se quisermos satisfazer-nos a respeito da natureza desta evidência que nos dá segurança acerca dos factos, deveremos investigar como chegamos ao conhecimento da causa e do efeito.


Ousarei afirmar, como proposição geral, que não admite excepção, que o conhecimento desta relação não se obtém, em nenhum caso, por raciocínios a priori, porém nasce inteiramente da experiência quando vemos que quaisquer objetos particulares estão constantemente conjugados entre si. Apresente-se um objecto a um homem dotado, por natureza, de razão e habilidades tão fortes quanto possível; se o objecto lhe é completamente novo, não será capaz, pelo exame mais minucioso de suas qualidades sensíveis, de descobrir nenhuma de suas causas ou dos seus efeitos. Mesmo supondo que as faculdades racionais de Adão fossem inteiramente perfeitas desde o primeiro momento, ele não poderia ter inferido da fluidez e da transparência da água que ela o afogaria, ou da luz e do calor do fogo, que este o consumiria. Nenhum objecto jamais revela, pelas qualidades que aparecem aos sentidos, tanto as causas que o produziram como os efeitos que surgirão dele; nem pode a nossa razão, sem o auxílio da experiência, jamais tirar uma inferência acerca da existência real de um facto.


(...) Apresentai dois pedaços de mármore polido a um homem sem nenhum conhecimento de filosofia natural; ele jamais descobrirá que eles aderirão de tal maneira que se requer grande força para separá-los em linha recta, embora ofereçam menor resistência à pressão lateral. Considera-se também indiscutível que o conhecimento dos eventos que têm pouca analogia com o curso corrente da natureza se obtém por meio da experiência; assim, ninguém imagina que se teria descoberto a explosão da pólvora ou a atração da pedra-ímã por argumentos a priori. Da mesma maneira, quando se supõe que um efeito depende de um mecanismo complicado ou de elementos de estrutura desconhecida, não temos dificuldade em atribuir todo o nosso conhecimento à experiência. Quem será capaz de afirmar que pode dar a razão última por que o leite e o pão são alimentos apropriados ao homem e não a um leão ou a um tigre?

David Hume, Investigação sobre o Entendimento Humano, Sessão IV

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Correção do teste Novembro 2019 -11B e 11I (1 e 2)

Pissarro, França, 1876

Correção 11B

Grupo II


1. No texto são referidos dois tipos de ideias sobre o Sol. A primeira que resulta da perceção sensível, apresenta-nos um Sol muito pequeno; a outra “retirada dos raciocínios da astronomia” mostra-nos um Sol maior que a Terra. Estas duas ideias não podem ser ambas verdadeiras pois se assim fosse o Sol seria pequeno e grande o que seria impossível visto que ele é um corpo e, como tal, tem uma configuração só, não dependendo do modo como o vemos, mas do modo como a razão nos pode demonstrar como tem que ser para ter os efeitos que tem, tal como vem demonstrado nos cálculos sobre o Sol da investigação astronómica. Descartes conclui assim, contra os empiristas, que a visão, e os sentidos em geral, não nos dão um verdadeiro conhecimento do que existe e levam-nos a enganos. Se considerarmos que a fonte do conhecimento para os empiristas são as impressões sensíveis, o argumento de Descartes contraria a fiabilidade deste tipo de conhecimento opondo-o ao rigor dos cálculos matemáticos.

2. A dúvida metódica foi a forma encontrada por Descartes para superar as dúvidas e as incertezas dos céticos que punham em causa a possibilidade de um conhecimento verdadeiro. Com a dúvida metódica, Descartes conseguiu demonstrar que há verdades indubitáveis e que se autojustificam,  isto é, não necessitam  de outras crenças para se justificarem . Contraria assim o argumento da regressão infinita utilizado pelos céticos para criticar o conhecimento, alegando que nenhuma crença está justificada porque necessita sempre de outra que a justifique.
A dúvida metódica  consiste em examinar sistematicamente os fundamentos de todas as crenças e considerar falso tudo o que fosse apenas duvidoso. Assim, as etapas da dúvida metódica são: 1ª Duvidar dos sentidos; 2ª Duvidar da existência do mundo; 3º Duvidar das verdades da razão.
Argumento 1: Uma vez que os sentidos nos enganam algumas vezes, podemos duvidar do que vemos ou sentimos, logo, não podem ser os fundamentos inabaláveis do conhecimento.

Argumento 2 : A realidade que vemos depende do estado de vigília que julgamos ter, mas não poderemos pensar que se trata de um sonho? No sonho estamos perante factos e, no entanto eles não são reais, o mesmo pode acontecer com toda a realidade exterior, que poderemos estar a sonhar e, por isso não ser real.

Argumento 3: As verdades matemáticas são inabaláveis mas poderíamos supor a existência de um génio maligno que nos enganasse sempre que pensamos numa verdade matemática levando-nos a dar o consentimento a algo que é falso. Assim a certeza das verdades matemáticas também é colocada em questão.



3. Através do método da dúvida sobre as fontes do conhecimento, Descartes encontra a sua primeira verdade indubitável: “Penso, logo existo”. O Cogito é uma ideia evidente, clara, distinta e inata, a primeira crença básica a priori da filosofia cartesiana. Permite-nos inferir que é possível um conhecimento a priori que não necessita da justificação da experiência e que se fundamenta apenas na razão. Permite-nos também concluir que é verdadeiro tudo o que se apresente com clareza e distinção à razão, isto é todas as ideias evidentes que a razão vê claramente que não poderiam ser de outro modo e não se confundem ou derivam de outras ideias. A partir desta crença básica é possível construir os alicerces seguros do conhecimento de modo a escapar ao ceticismo. As primeiras crenças básicas inferidas do Cogito são: A existência de Deus. Porque se duvido sou imperfeito, Qual a causa da ideia de perfeição? Não posso ser eu nem o mundo só pode ser Deus, logo Deus existe. A terceira crença básica é a distinção entre a alma e o corpo. Vejo claramente que a existência da alma é mais certa que a do corpo, pois poderia existir mesmo sem corpo algum, mas não poderia existir se não pensasse.


4. No texto Descartes refere-se ao o argumento ontológico. é uma tentativa de mostrar que a existência de Deus se segue necessariamente da definição de Deus como o ser supremo. Porque esta conclusão pode ser retirada sem recorrer à experiência, diz-se que é um argumento a priori.
De acordo com o argumento ontológico, Deus define-se como o ser mais perfeito que é possível imaginar; ou, na mais famosa formulação do argumento, Deus define-se como “aquele ser maior do que o qual nada pode ser concebido”. A existência seria um dos aspetos desta perfeição ou grandiosidade. Um ser perfeito não seria perfeito se não existisse. Consequentemente, da definição de Deus seguir-se-ia que Deus existe necessariamente, tal como se segue da definição de um triângulo que a soma dos seus ângulos internos será de 180 graus, mas se podemos conceber a existência do triângulo como mental, não se passa o mesmo com a definição de Deus, visto que o conceito de perfeição implica que nada lhe pode faltar. Logo, não lhe pode faltar uma existência autónoma do meu pensamento.
Quanto ao outro argumento utilizado na filosofia cartesiana, apelida-se de argumento da causa e articula-se do seguinte modo: Vejo claramente que sou imperfeito porque erro muito e há mais perfeição em quem não erra do que em quem erra. Qual então a causa da minha ideia de perfeição? Não posso ser eu, que sou imperfeito, não pode ser a natureza que não sei se existe, a causa deve ser mais perfeita que a ideia, a causa só pode existir, visto que nenhuma ideia existe sem uma causa. Logo, a causa da minha ideia de perfeito só pode ser um ser com todas as perfeições, esse ser só pode ser Deus.



(Explicação opcional: A ideia de Deus não é uma ideia imaginada tal como "uma cabeça de leão unida ao corpo de uma cabra". Não pode ser fruto da imaginação pois nenhuma ideia imaginada tem o grau de clareza que tem a ideia de Deus, ora as ideias imaginadas não são claras e distintas, pelo contrário são confusas, a razão não garante que sejam verdadeiras porque são igualmente duvidosas tais como as ideias das coisas que nos são dadas através dos sentidos.
A ideia de Deus apresenta-se como ideia de um ser perfeito a partir do qual o eu tem a ideia clara e distinta da sua imperfeição, as ideias da imaginação não têm a mesma universalidade, nem a mesma clareza e distinção porque se apresentam compostas de várias ideias e não têm a distinção e a simplicidade das ideias inatas como a de que existe algo perfeito medida da ideia de imperfeito. Todas as ideias que derivam da experiência apresentam-se duvidosas e sem garantia de verdade, por exemplo, nada garante que o Sol tenha a grandeza que vemos. Mas provando que Deus existe é superada a dúvida. Deus é a garantia que as ideias claras e distintas são e correspondem a algo igualmente existente. A ideia de Deus permite a Descartes sair do solipsismo a que tinha chegado ao duvidar de todas as coisas, sem Deus a Filosofia cartesiana não poderia ter qualquer outra certeza senão o cogito. Se Deus existe, então todas as ideias claras e distintas e os conhecimentos matemáticos são verdadeiros. Se Deus existe então o "génio maligno" é afastado e,assim, a confiança nos raciocínios humanos pode ser retomada. )

Grupo III

1.

2. A fenomenologia do conhecimento reduz o fenómeno do conhecimento a uma relação entre o sujeito (o que conhece) e um objeto (o que é conhecido). Descreve esta relação como uma correlação visto que não pode haver sujeito sem objeto nem objeto sem sujeito, existem apenas na relação embora sejam opostos um ao outro pois têm funções diferentes que não se podem permutar. A função do sujeito é ativa, produz uma imagem ou representação do objeto e a função do objeto é passiva, porque se deixa apreender. Todavia nesse ato de apreensão o objeto permanece como transcendente ao sujeito nunca podendo reduzir-se à esfera da sua representação mental. Os três momentos do acto cognitivo de apreensão do objecto consistem em o sujeito sair de si, permanecer fora de si, na esfera do objecto e voltar a si integrando a imagem do objecto noutras imagens existentes na sua mente.


2. Não, a calculadora não sabe quanto dá 356 euros a dividir por 4 pessoas.
Justificação da resposta:
‒ de acordo com a análise tradicional do conhecimento (proposicional), crença, verdade e justificação são condições necessárias do conhecimento (proposicional);o resultado apresentado pela calculadora (embora seja correto e esteja adequadamente justificado, pois a
calculadora aplica um programa concebido por matemáticos competentes) não é conhecimento, porque a calculadora não tem crenças (nomeadamente, não tem a crença de que 356 euros a dividir por 4 pessoas dá 89 euros a cada uma, pois a calculadora não tem estados mentais)





Correção 11I1 e I2
Grupo II
 
1 O texto refere-se à existência necessária do eu que pensa, a única certeza que a própria dúvida metódica demonstra. Assim, como o texto refere, "(...) mas persuadi-me que não havia nada no mundo, nenhum céu, nenhuma terrra(...) e se me persuadi de alguma coisa, eu existia concerteza(...)"A ideia do cogito “ Penso, logo existo” surge com clareza e distinção de modo a ser de tal modo evidente que o pensamento só a poderia considerar verdadeira, pois não poderia ser de outro modo. A ideia do cogito não surge de uma dedução mas de uma intuição, como uma certeza que nada poderia mudar nem nenhuma dúvida afetar. A certeza de ser um ser pensante é mais evidente do que a certeza de ter um corpo, pois essa certeza de ter um corpo não resiste à dúvida. Descartes compreende com o Cogito que a verdade é um acordo da razão consigo própria, e só a razão é juiz do conhecimento e pode distinguir o verdadeiro do falso. Compreende ainda através do cogito que o conhecimento humano é possível pois a verdade encontra-se claramente demonstrada a partir dessas verdades primárias (metafísicas), ou crenças básicas. A partir dessas crenças básicas, certezas que não precisam de outras crenças para se justificarem porque pelo pensamento concebe-se claramente que se auto-justificam. Assim, a partir de fundamentos seguros é possível deduzir com segurança outras certezas metafísicas, como a existência de Deus e a distinção corpo/alma. Poder-se-ia conhecer outras verdades sobre as ciências por simples raciocínio dedutivo e, deste modo reconstruir todo o edifício do conhecimento que se encontrava destruído pelas dúvidas céticas.

2. A dúvida metódica foi a forma encontrada por Descartes para superar as dúvidas e as incertezas dos céticos que punham em causa a possibilidade de um conhecimento verdadeiro. Com a dúvida metódica, Descartes conseguiu demonstrar que há verdades indubitáveis e que se auto justificam, isto é, não necessitam de outras crenças para se justificarem, assim contraria o argumento da regressão infinita utilizado pelos céticos para criticar o conhecimento, estes defendiam que nenhuma crença estava justificada porque necessitava sempre de outra que a justificasse e, assim ou haveria uma crença fundante que não precisava de nenhuma outra para se justificar (como pensa Descartes) ou então não seria possível o conhecimento visto que, as crenças que constituem o conhecimento não se podiam justificar.

A dúvida metódica consiste em examinar sistematicamente os fundamentos de todas as crenças e considerar falso tudo o que fosse apenas duvidoso. Assim, as etapas da dúvida metódica são:
1ª Duvidar dos sentidos;
2ª Duvidar da existência do mundo;
3º Duvidar das verdades da razão. Quais os argumentos que Descartes utiliza para poder então duvidar de todas as "fontes" de conhecimento?

Argumento 1: Uma vez que os sentidos nos enganam algumas vezes, podemos duvidar do que vemos ou sentimos, logo, não podem ser o fundamento indubitável do conhecimento, se são duvidosos alguns dados dos sentidos, então poderemos considerar como falso tudo o que deles deriva.

Argumento 2 : A realidade que vemos depende do estado de vigília que julgamos ter, mas não poderemos pensar que se trata de um sonho? No sonho estamos perante factos e, no entanto, eles não são reais, o mesmo pode acontecer com toda a realidade exterior, que poderemos estar a sonhar e, por isso, não ser real.

Argumento 3: As verdades matemáticas são inabaláveis mas poderíamos supor a existência de um génio maligno que nos enganasse sempre que pensamos numa verdade matemática levando-nos a dar o consentimento a algo que é falso. Assim a certeza das verdades matemáticas também é colocada em questão.



3. Descartes  utiliza duas formas de raciocinar sobre a existência de Deus, concluindo que Deus não é um ser resultante da crença religiosa mas sim um ser que existe necessariamente e que fundamenta e torna possível o conhecimento humano. No 1º Argumento o raciocínio é o seguinte:
Depois de concluir que de todas as verdades que julgara possuir só uma, a de que existia, parecia ser certa e inabalável, Descartes, fica sozinho com esta única certeza, não podendo provar que as coisas em redor dele existiam e sem poder confiar em qualquer conhecimento obtido pela experiência (sentidos). Visto considerar-se imperfeito, pois via claramente que duvidar e errar eram imperfeições e que há mais perfeição em quem não erra do que em quem erra (conhecer é perfeição maior que duvidar), interroga-se então qual a origem desta sua ideia de perfeição? Não podia ser ele próprio, nem podia surgir do nada, visto que (não há menos repugnância em que o mais perfeito seja uma consequência e uma dependência do menos perfeito do que em admitir que do nada procede alguma coisa).

Também não podia surgir da natureza porque nada na natureza lhe parecia superior. Mas esta ideia não poderia ser retirada de algo que possuísse algumas imperfeições, só podia ter como causa um ser sumamente perfeito. Restava apenas que tivesse sido posta em mim por uma natureza que fosse verdadeiramente mais perfeita que a minha. A causa da minha ideia de perfeito só pode ser um ser com todas as perfeições, esse ser só pode ser Deus. Logo, Deus existe.



2º Argumento – Argumento ontológico.
Se a ideia de Deus é a de um ser perfeito, desta ideia ou conceito fazem parte todas as perfeições que possam ser pensadas como; omnipotência, omnisciência e omnipresença. Nenhuma imperfeição pode caber na ideia de um ser perfeito, ora, a não existência, é uma imperfeição que não pode ser atribuída ao ser perfeito. Logo, a não existência é incompatível com a perfeição, sendo assim a perfeição é existente, e Deus sendo a ideia de perfeição, existe.


(Explicação opcional: A ideia de Deus não é uma ideia imaginada tal como "uma cabeça de leão unida ao corpo de uma cabra". Não pode ser fruto da imaginação pois nenhuma ideia imaginada tem o grau de clareza que tem a ideia de Deus, ora as ideias imaginadas não são claras e distintas, pelo contrário são confusas, a razão não garante que sejam verdadeiras porque são igualmente duvidosas tais como as ideias das coisas que nos são dadas através dos sentidos.
A ideia de Deus apresenta-se como ideia de um ser perfeito a partir do qual o eu tem a ideia clara e distinta da sua imperfeição, as ideias da imaginação não têm a mesma universalidade, nem a mesma clareza e distinção porque se apresentam compostas de várias ideias e não têm a distinção e a simplicidade das ideias inatas como a de que existe algo perfeito medida da ideia de imperfeito. Todas as ideias que derivam da experiência apresentam-se duvidosas e sem garantia de verdade, por exemplo, nada garante que o Sol tenha a grandeza que vemos. Mas provando que Deus existe é superada a dúvida. Deus é a garantia que as ideias claras e distintas são e correspondem a algo igualmente existente. A ideia de Deus permite a Descartes sair do solipsismo a que tinha chegado ao duvidar de todas as coisas, sem Deus a Filosofia cartesiana não poderia ter qualquer outra certeza senão o cogito. Se Deus existe, então todas as ideias claras e distintas e os conhecimentos matemáticos são verdadeiros. Se Deus existe então o "génio maligno" é afastado e,assim, a confiança nos raciocínios humanos pode ser retomada. )

4. Porque seria contraditório afirmar que S sabe que P, e ao mesmo tempo não acredita no que sabe. Exemplo: Sei que o mar tem ondas, mas não acredito nisso. Portanto saber P, implica uma crença, S acredita em P. Também é necessário que essa crença seja verdadeira, porque o conhecimento não depende da convicção com que o sujeito acredita em P (sendo P uma qualquer proposição) P tem que ser do mesmo modo como S acredita, o conhecimento é factivo, não se pode conhecer falsidades. Por outro lado, se esta crença em P não tem qualquer justificação, ou seja, se não há boas razões para acreditar que p é verdadeira, então também não há conhecimento, há apenas um palpite, uma suposição ao acaso. Estas condições juntas são necessárias mas não são suficientes pois, nem todas as crenças são conhecimento, logo, não basta ter uma crença qualquer como por exemplo “Acredito que existem Extraterrestres”, mas não posso saber se essa crença é verdadeira. Também não é suficiente ter uma crença verdadeira para ter conhecimento porque é por mero acaso, e o conhecimento não pode ser por acaso, e por outro lado não é suficiente ter uma boa


Grupo III


1. No passado, as pessoas não sabiam que o Sol girava em torno da Terra, embora tivessem uma crença justificada de que o Sol girava em torno da Terra;
–– as pessoas não sabiam que o Sol girava em torno da Terra, porque não é verdade que o Sol girasse em torno da Terra;ainda que as crenças falsas tenham justificações consideradas boas, isso não faz delas crenças
verdadeiras;para saber, é preciso ter crenças verdadeiras justificadas, não bastando ter crenças justificadas.

2.Resposta em aberto. Explicitar os conceitos de empirismo e racionalismo como duas teorias epistemológicas sobre a origem e fontes primordias do conhecimento, a primeira defende serem os sentidos a fonte do conhecimento, enquanto a segunda defende ser a razão e as ideias "a priori".

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Texto para resumo Tomás 11B

 Courbet



 Hume quer atacar todas as conceções e ideias que não provêm de impressões sensíveis correspondentes. Ele afirmava que queria afugentar a bagunça sem sentido que dominara durante tanto tempo o pensamento metafísico e o desacreditara.  Usamos conceitos complexos no quotidiano sem nos questionarmos se possuem de fato legitimidade. É ocaso da ideia de um eu ou de um núcleo da personalidade. Esta ideia constituía o fundamento da filosofia de Descartes. Era a ideia clara e evidente sobre a qual edificou toda a sua filosofia.— Espero que Hume não tenha negado que eu sou eu. Senão falava por falar.— Sofia, se há uma coisa que eu quero que tu aprendas neste curso de filosofia, é que não podes tirar conclusões precipitadas.— Continua.— Não, tu podes usar o método de Hume para analisares o que entendes pelo teu “eu”.— Então tenho de perguntar primeiro se a ideia do eu é simples ou complexa. — E a que conclusão chegas?— Tenho de admitir que me sinto bastante complexa. Por exemplo, sou bastante bem humorada. É difícil decidir-me em relação a certas coisas. Além disso, posso gostar e não gostar da mesma pessoa.— Nesse caso, a tua ideia do eu é complexa.— Está bem. Agora tenho de perguntar se tenho uma impressão complexa correspondente a mim. E tenho-a mesmo? Tenho-a sempre?— Não tens a certeza?— Estou sempre a mudar. Hoje já não sou a mesma que há quatro anos. A minha disposição e a minha ideia de mim própria mudam de minuto para minuto. Por vezes, sinto-me de repente uma pessoa totalmente nova.— Então a sensação de se ter um núcleo de personalidade inalterável é uma ideia falsa. A nossa ideia do eu consiste numa longa série de impressões particulares que tu nunca experimentaste “simultaneamente”. Hume fala de um “conjunto de diversos conteúdos da consciência que se seguem uns aos outros com uma rapidez inacreditável e estão constantemente em fluxo e movimento”. A nossa consciência seria “uma espécie de teatro”, em que esses diversos conteúdos “entram em cena uns a seguir aos outros, vão e vêm e se misturam entre si numa variedade infinita de situações e disposições”. Para Hume não temos qualquer personalidade de base formada em que essas opiniões e disposições vêm e vão. É como as imagens numa tela de cinema: pelo fato de mudarem tão depressa, não vemos que o filme é composto por imagens individuais. Na realidade, estas imagens não estão ligadas, ou seja, na realidade, o filme é um conjunto de instantes.— Acho que desisto.— Isso quer dizer que desistes da ideia de teres um núcleo de personalidade imutável?— Sim, significa isso.— E ainda há pouco tinhas uma opinião completamente diferente! Tenho de acrescentar ainda que a análise de Hume da consciência humana e a sua negação de um núcleo imutável da personalidade já tinham sido expostas dois mil e quinhentos anos antes no outro extremo do  planeta.— Por quem?— Por “Buda”. É quase inquietante a semelhança do modo como ambos se exprimem. Buda via a vida humana como uma série ininterrupta de processos mentais e físicos que alteram o homem a cada instante. O bebê não é o mesmo que o adulto, e eu não sou o mesmo que ontem. Buda afirmava: “Nada há de que eu possa dizer “isto é meu”, nada de que possa dizer “isto sou eu”. Não há, portanto, nenhum eu nem nenhum núcleo constante da personalidade.”— Sim, isso tem uma semelhança surpreendente com Hume.— Como continuação da ideia de um eu imutável, muitos racionalistas tinham por evidente que o homem tem uma alma imortal. — Mas essa também é uma ideia falsa?— Pelo menos é o que dizem Hume e Buda. Sabes o que se conta que Buda disse aos seus discípulos imediatamente antes da sua morte?— Não, como é que posso saber?— “Todas as coisas compostas estão sujeitas à corrupção.” Hume poderia ter dito o mesmo. Ou Demócrito. Sabemos que Hume recusou qualquer tentativa de provar a imortalidade da alma ou a existência de Deus. Isso não significa que achasse ambas as coisas impossíveis, mas achava um absurdo racionalista acreditar que é possível provar a fé religiosa com a razão humana. Hume não era cristão; mas também não era um ateu convicto. Ele era um homem a quem chamamos “agnóstico”.— E o que significa isso?— Um agnóstico é uma pessoa que não sabe se Deus existe. Ao receber a visita de um amigo no leito de morte, o amigo perguntou-lhe se acreditava na vida após a morte. Diz-se que Hume respondeu que também era possível que um bocado de carvão atirado ao fogo não ardesse.— Ah...— A resposta foi típica da sua incondicional ausência de preconceitos. Ele apenas aceitava como verdade aquilo de que tinha experiências sensíveis seguras. Deixava todas as outras possibilidades abertas. Ele não rejeitou nem a crença em Cristo nem a crença em milagres. Mas em ambos os casos se trata justamente de “fé” e não de “razão”. Podes dizer que a última  ligação entre fé e saber foi desfeita com a filosofia de Hume.— Disseste que ele não negou categoricamente os milagres.— Mas isso também não significa que tenha acreditado em milagres. Ele sublinha que os homens têm uma forte necessidade de acreditar naquilo a que hoje chamaríamos “acontecimentos sobrenaturais”. Mas todos os milagres que se narram aconteceram muito longe de nós ou há muito tempo. Hume recusava os milagres simplesmente porque não tinha visto nenhum. Mas ele também não viu que não pode haver milagres.— Tens que ser mais preciso.— Hume caracteriza um milagre como uma rutura das leis da natureza. Mas também não podemos afirmar que “percebemos” as leis da natureza. Vemos que uma pedra cai no chão quando a largamos, e se não caísse também o veríamos.— Eu chamaria a isso um milagre — ou algo sobrenatural.— Acreditas então em duas naturezas, uma natureza e uma “natureza” sobrenatural. Não estarás a voltar ao absurdo nebuloso dos racionalistas?— Talvez, mas acho que a pedra cai sempre ao chão quando a largamos.— E por quê?— Estás a ser insistente.— Eu não sou insistente, Sofia. Para um filósofo, nunca é errado fazer perguntas. Talvez estejamos a falar do ponto mais importante da filosofia de Hume. Responde agora: como é que podes ter tanta certeza de que a pedra cai sempre ao chão?— Eu vi-o tantas vezes que tenho a certeza.— Hume diria que viste muitas vezes uma pedra cair ao chão, mas nunca viste que “cairá sempre”. Normalmente diz-se que a pedra cai ao chão devido à lei da gravitação. Mas nós nunca vimos essa lei. Só vimos que as coisas caem.— Não é a mesma coisa?— Não é bem a mesma coisa. Disseste que achas que a pedra vai cair ao chão porque viste isso muitas vezes. É precisamente esse o problema de Hume. Estás tão habituada a que uma coisa se siga à outra que esperas que, cada vez que deixas cair uma pedra, suceda o mesmo. Deste modo, surgem ideias daquilo a que chamamos “leis constantes da natureza”.— Ele quer dizer que se pode pensar que a pedra não caia ao chão?— Ele estava tão convencido como tu de que a pedra vai cair ao chão sempre, mas diz que não percebeu “porque é que” é assim.— Não nos afastamos das crianças e das flores?— Não, muito pelo contrário. Podes consultar as crianças como testemunhas para as asserções de Hume. Quem te parece que ficaria mais surpreendido se uma pedra ficasse no ar uma ou duas horas — tu ou uma criança de um ano?— Eu ficaria mais surpreendida.— E por que, Sofia?— Provavelmente porque eu compreendo melhor do que uma criança pequena que isso não seria natural.— E porque é que a criança não entenderia?— Porque ainda não aprendeu o que é a natureza.— Ou porque a natureza não se tornou para ela uma coisa habitual.— Eu percebo o que queres dizer. Hume queria levar as pessoas a tomarem mais atenção.— Agora, dou-te a seguinte tarefa: se tu e uma criança pequena veem juntas um grande ilusionista — que, por exemplo, põe alguma coisa suspensa no ar —, qual das duas se divertiria mais durante o espetáculo?— Eu diria que era eu.— E por quê? — Porque eu compreenderia o que estava errado.


Jostein Gaarder, O mundo de Sofia

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Resumo para a aluna Raquel 11B

                              Harry Gruyaert, n.1941, Antuérpia




O EMPIRISMO DE DAVID HUME


 Hume começa, tal como Locke, por considerar os conteúdos da mente, os objetos do entendimento humano ou – nas suas palavras – as perceções da mente ou materiais do pensamento. Hume divide estes conteúdos em impressões e ideias. Há uma clara distinção, já notada por Locke, entre sentir realmente dor, calor, raiva, ver uma paisagem, ouvir uma sirene ou desejar uma bebida fresca e recordar mais tarde ou imaginar estas experiências. Hume usa o termo «impressões» para indicar «as nossas perceções mais vividas, quando ouvimos, ou vemos, ou sentimos, ou amamos, ou odiamos».
As ideias têm menos força, são cópias fracas das impressões, trazidas à mente pela memória ou pela imaginação.
 Qual é, para Hume, é a relação entre ideias e impressões? Hume afirma que «todas as nossas ideias ou perceções mais débeis são cópias das nossas impressões ou perceções mais “vividas”». Por outras palavras, as ideias derivam apenas da experiência. É claro que Hume sabe que algumas ideias – por exemplo, a minha ideia de unicórnio – não correspondem exatamente a uma impressão particular. Mas as partes que compõem a minha ideia de um unicórnio – ideias de cavalos e de chifres – são cópias de coisas que já vi no mundo. Limitei-me a combinar ideias derivadas da experiência de uma maneira nova. A ideia de Hume é que apesar de a mente parecer porventura quase ilimitada na sua capacidade de imaginar e pensar abstratamente, a matéria bruta sobre a qual ela opera é sempre extraída de impressões.
É este o cerne do empirismo, e Hume oferece alguns argumentos em sua defesa. Sugere que pensemos nas nossas próprias ideias e que tentemos apontar uma que não dependa de uma impressão original. Ataca também diretamente a ideia favorita dos racionalistas – a ideia de Deus –, e mostra que podemos adquiri-la pensando nas qualidades das nossas mentes exagerando depois tanto quanto quisermos o que há nelas de bom e de sábio. Finalmente, considera os indivíduos que têm falta de uma aptidão sensorial – os cegos, por exemplo – e nota que estes não têm nenhuma ideia de cor. A explicação, argumenta, é que as ideias são cópias das impressões, e que quem nunca teve impressões relevantes não pode ter as ideias correspondentes.

Há certos factos sobre impressões e ideias que nas mãos de Hume têm consequências filosóficas de longo alcance. Comparadas com as impressões, as ideias são naturalmente fracas e obscuras e é fácil cometer dois tipos de erros quando pensamos sobre elas.
Em primeiro lugar, podemos confundir uma ideia com outra, podemos pensar que se justifica tirar uma certa conclusão acerca de uma ideia quando o que realmente acontece é que estamos a pensar numa ideia semelhante, mas diferente.
Em segundo lugar, e pior, usamos palavras para representar ideias, e o nosso discurso pode desenrolar-se alegremente mesmo que as partes relevantes da nossa linguagem não tenham correspondência com alguma ideia fixa ou determinada. Numa disputa filosófica, quando não estamos a falar em cavalos e de chifres, mas em ideias muito complexas e abstratas, é fácil termos uma conversa em que são usadas as mesmas palavras para mencionar coisas diferentes. Podemos até discutir sobre nada. A nossa disputa poderá ser sobre ideias ilusórias, meros fantasmas sem base na experiência – o equivalente filosófico dos unicórnios.

 Estas reflexões fornecem um procedimento que nos permite remover as ideias fictícias e encontrar saídas para as disputas filosóficas, e mesmo para acabar com elas. Hume escreve:
Quando por conseguinte temos alguma suspeita de que um termo filosófico é empregue sem nenhum significado ou ideia (como é muito frequente), basta-nos perguntar sobre a impressão de que a ideia supostamente deriva. E se for impossível encontrar alguma, isto servirá para confirmar a nossa suspeita. Ao clarificar assim as ideias, podemos razoavelmente esperar que possam ser removidos todos os conflitos que possam surgir sobre a sua natureza e realidade.
As consequências destas linhas são estonteantes.
Consideremos a ideia de um eu durável, algo de substancial que persiste por detrás das muitas mudanças que experimentamos ao vivermos a vida. Suponho, por exemplo, que esta manhã sou essencialmente o mesmo eu que era quando me fui deitar a noite passada. Não só isso, acho também que sou o mesmo eu que era na juventude que desaproveitei. Acho que serei o mesmo eu enquanto viver. Sem dúvida, algumas coisas mudaram: cresci, ganhei algumas cicatrizes, o meu cabelo está a tornar-se um pouco grisalho. Contudo, parece haver algo de essencial, o meu verdadeiro eu, que persiste em todas estas alterações acidentais.

O EU
Se concordarmos com o princípio de Hume sobre a relação entre ideias e impressões, e se estivermos convencidos de que o seu método de remover ideias fictícias é o caminho certo, temos apenas que perguntar: «De que impressão é a minha ideia derivada?» Ao olhar para dentro de mim, afirma Hume, não encontro nada, exceto uma série de impressões fugazes – ódio, amor, calor, dor, imagens, sons, cheiros e coisas do género –, mas nada permanente, nada que persista em todas as alterações. Em suma, nenhuma impressão corresponde à nossa ideia de eu. A ideia presente na palavra «eu» pode juntar-se a «unicórnio»: «eu» é uma palavra que expressa uma ideia ilusória, uma ficção da imaginação.
Mas as coisas tornam-se muito piores. A abordagem que Hume faz da natureza do entendimento humano começa com uma distinção entre dois tipos de «objetos da razão humana»: relações de ideias e matérias de facto. As relações de ideias podem ser descobertas apenas pela razão. Podemos saber que os solteiros são homens não casados ou que duas vezes cinco é metade de vinte pensando apenas sobre as relações entre as ideias em causa. As matérias de facto, porém, podem apenas ser descobertas pela experiência. Podemos meditar o tempo que quisermos sobre a proposição de que o sol está a brilhar, mas só saberemos se ela é verdadeira olhando pela janela. Há outra diferença entre estes dois tipos de proposição. O contrário de uma matéria de facto é possível, mas se negarmos uma relação entre ideias verdadeira, incorremos numa contradição. O sol pode não ser brilhante, mas não se pode estar mais longe da verdade do que quando alegamos que os solteiros são casados.

James Garvey, The Twenty Greatest Philosophy Books (London, 2006, págs. 66-68). Trad. Maria Miguel Pires (rev. científica Logosferas).