segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Texto para resumo/análise Xavier 11A e Amin 11I


O 'método da dúvida' de Descartes implica pôr de lado qualquer crença ou conhecimento que admitam a mais pequena dúvida, por mais improvável ou absurda que essa dúvida possa ser, no intuito de ver se resta alguma coisa. Se restar alguma coisa é precisamente porque é invulnerável à dúvida: é certo. Uma vez que o objectivo de Descartes nas Meditações é o de descobrir o que pode ser conhecido com certeza, o método da dúvida é crucial, pois constitui o caminho para o seu objectivo. A tentativa de considerar cada uma das suas crenças ou pretensões de conhecimento e submetê-las a escrutínio seria uma tarefa impossivelmente longa, de modo que Descartes teve necessidade de uma estratégia geral para pôr de lado todo o corpo de crenças dubitáveis. Procurou alcançá-la utilizando argumentos cépticos.
É preciso notar que o uso de argumentos cépticos por parte de Descartes não faz dele um céptico. Longe disso. Ele usa-os meramente como um instrumento heurístico para mostrar que nós possuímos efectivamente conhecimento. Ele é, portanto, um 'céptico metódico' e não um 'céptico problemático', entendo-se por esta última expressão alguém que pensa que os problemas colocados pelos cépticos são sérios e colocam uma genuína ameaça à nossa ambição de adquirir conhecimento. Acontece que, desde o tempo de Descartes, muitos filósofos pensaram que ele não produziu uma resposta adequada às dúvidas cépticas que ele próprio levantou e que, por conseguinte, o cepticismo é deveras um problema. O próprio Descartes não pensava de todo assim.
As considerações cépticas que Descartes usou (…) merecem aqui referência. A primeira delas é a de recordar que os sentidos por vezes nos conduzem no caminho do erro. Equívocos perceptivos, ilusões e alucinações podem levar, e ocasionalmente levam, a crenças falsas. Isto pode fazer com que não depositemos confiança no que pensamos conhecer através da experiência dos sentidos, ou, no mínimo, que sejamos cautelosos antes de confiarmos nela como fonte de verdade. Não obstante, diz Descartes, haverá muita coisa em que eu acredito com base na minha experiência - tal como, por exemplo, que tenho mãos e que estou a segurar um pedaço de papel com elas, que estou sentado numa poltrona defronte de uma lareira, etc. e que duvidar disto seria uma loucura, mesmo dada a falta de fiabilidade dos sentidos. Mas, apesar disso, diz Descartes, continuaria a haver muita coisa em que eu acreditaria com base na minha experiência actual - como, por exemplo, que tenho mãos e que estou a segurar com elas uma folha de papel, que estou sentado numa poltrona em frente da lareira, e assim por diante, coisas das quais seria uma loucura duvidar, não obstante a frequente falta de fiabilidade dos sentidos.
Mas será mesmo loucura duvidar destas coisas? Não, diz Descartes - e aqui ele vem com o seu segundo argumento - porque muitas vezes sonho quando durmo e se estou agora a sonhar que estou sentado em frente à lareira segurando um pedaço de papel, o pensamento de que assim estou é falso. Para estar certo de assim estar teria de poder excluir a possibilidade de estar meramente a sonhar com isso. Como pode isso ser feito? Parece difícil, senão impossível."

  A. C. Grayling. Descartes (London: Pocket Books, 2005), pp. 281-4. Trad. Carlos Marques.

 

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