quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Texto para análise/resumo Tiago 11A e Carolina 11B


Você começou agora a ler este livro. Ou assim pensa. Mas está certo que está realmente a ler o livro? Como sabe se não está meramente a sonhar ou a ter uma alucinação vívida? Como sabe se não está de facto preso numa realidade virtual extremamente sofisticada de um programa de computador, como os personagens do filme The Matrix?
Perante isto, talvez esteja já tentado a parar a leitura, convencido de que estas questões são frívolas, próprias provavelmente para uma conversa fora de horas, à mistura com umas cervejas, mas não para um livro de filosofia sério (…). No entanto, não há filósofo mais sério do que René Descartes (1596-1650) – o próprio pai da filosofia moderna, como é em geral conhecido – e ele tomou estas questões (exceto, obviamente, a referência ao Matrix) como sendo de profunda importância, pois elas formam, na sua perspetiva, o ponto de partida de uma linha de investigação que não apenas lança os fundamentos do conhecimento científico, mas revela também a verdadeira natureza da mente humana e a sua relação com o mundo material (…)

Assim, com a sua curiosidade agora aguçada, regressemos à questão que Descartes pensava ter estas implicações profundas: como sabe se está realmente a ler este livro?

Sem dúvida que a sua primeira reação é dizer simplesmente que é óbvio que está a ler o livro, pois, na verdade, pode vê-lo nas suas mãos, sentir as suas páginas, cheirar a tinta e ouvir os seus dedos a deslizar pelo papel. Se para aí estivesse inclinado, poderia até saborear os químicos presentes no papel e na tinta. Em qualquer caso, a razão para acreditar que está a ler o livro é que está a ter o tipo de experiências que esperaria ter ao ler um livro. Os seus sentidos dizem-lhe que está a ler o livro; portanto, tem de estar a ler o livro.

Há um problema com esta resposta que podemos descortinar se fizermos uma comparação com o seguinte exemplo. Suponha que Frederico lhe diz que irá haver uma festa este Sábado em casa da Etelvina e que você sabe que Frederico costuma mentir, embora seja convincente a mentir. Ocasionalmente ele diz a verdade, mas mente muitas vezes, mesmo quando se trata de um assunto trivial. Quer num caso, quer noutro, a sua postura não se altera, parecendo sempre sincero. Dado que Frederico é a sua única fonte de informação, tem você fortes razões para acreditar que haverá uma festa este Sábado em casa da Etelvina? Certamente que não. Não o sabe com certeza, porque a sua única fonte de informação, a palavra de Frederico - com toda a sua aparência de sinceridade - seria exatamente a mesma caso haja realmente festa ou não.

Ora, nós estamos, parece, exatamente nesta situação no que toca aos nossos sentidos. Eles “dizem-nos” coisas a todo o momento e o modo como nos falam é muito convincente – “ver para crer”, como diz o ditado, pois é mais difícil duvidar de algo precisamente quando diante dos nossos olhos. Apesar disso, há casos bem conhecidos em que aquilo que a nossa experiência nos diz não é de todo real. Você pode ter a experiência de ser perseguido por um assassino empunhando uma faca, do seu coração a bater com força e de um grito a vir do fundo da sua garganta. Aterrado, reflete sobre a possibilidade de se tratar de um pesadelo , mas sendo tão vívido, não pode ser; e no instante em que a faca se enfia no seu corpo… você acorda. Pensava que que os seus sentidos lhe estavam a dizer que a sua vida corria perigo iminente, mas estava enganado. De facto, não poderia estar mais a salvo, enroscado na sua cama, a dormir e a sonhar.

Edward Feser, Philosophy of mind. A beginner’s guide. (Oxford, 2006). Trad. Carlos Marques.

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