segunda-feira, 25 de maio de 2020






Em Defesa do Insensato Gaunilo de Marmoutiers


Por exemplo: diz-se que algures no oceano há uma ilha a que, por causa da dificuldade (ou antes, da impossibilidade) de encontrar o que não existe, foi dado o nome «Perdida». E segundo reza a história esta ilha é abençoada com todo o género de riquezas e deleites sem preço e em abundância, muito mais do que as Ilhas Felizes e, não tendo dono nem habitantes, é em tudo superior, na abundância de riquezas, a todas aquelas terras que os homens habitam. Ora, se alguém me disser que é assim, facilmente compreendo o que se diz, dado que não há qualquer dificuldade nisto. Mas se depois me disserem, como se fosse uma consequência lógica disto: Não podes duvidar que esta ilha, que é mais excelente do que todas as outras terras, verdadeiramente existe algures na realidade, tal como não podes duvidar que existe no teu espírito; e dado que é maior a excelência de existir não apenas no espírito mas também na realidade, tem necessariamente de existir. Pois se não existisse, qualquer outra terra existente na realidade seria mais excelente do que ela, e assim esta ilha, que já concebes como mais excelente do que as outras, não seria a mais excelente. Se alguém quiser persuadir-me de que esta ilha existe realmente para lá de qualquer dúvida, irei pensar que está a brincar ou terei dificuldade em decidir qual de nós é mais insensato – eu, se concordasse com ele, ou ele, se pensar que demonstrou a existência desta ilha com alguma certeza, a não ser que me tivesse convencido primeiro de que a sua própria excelência existe no meu espírito precisamente como uma coisa que existe verdadeiramente e indubitavelmente e não apenas como uma coisa irreal ou duvidosamente real.

Gaunilo de Marmoutiers, Em Defesa do Insensato, 1

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