quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Críticas a Descartes


O Círculo Cartesiano
Esta objeção foi formulada pela primeira vez por Antoine Arnauld (1612–1694), um teólogo e filósofo francês, contemporâneo de Descartes, nas objeções que escreveu às Meditações sobre a Filosofia Primeira:
Resta-me apenas uma dificuldade, que é a de saber como o autor se pode defender de cometer um círculo, quando diz que estamos certos de que as coisas que concebemos claramente e distintamente são verdadeiras apenas porque Deus é ou existe.
Porque não podemos estar certos de que Deus existe a não ser porque nós concebemos isso muito claramente e muito distintamente; portanto, antes de estarmos certos da existência de Deus, devemos estar certos de que as coisas que concebemos claramente e distintamente são todas verdadeiras. (Antoine Arnauld, “Quatrièmes objections” in René Descartes, Descartes: Oeuvres et lettres, Paris: Gallimard, 1992, p. 435

A objeção de Arnauld pode ser expressa em poucas palavras: Descartes afirma que Deus é a garantia da verdade do que conhecemos com clareza e distinção, mas ao mesmo tempo usa a clareza e distinção para provar a existência de Deus (uma vez que as premissas da sua prova da existência de Deus são por ele consideradas claras e distintas). Descartes, deste modo, raciocina em círculo e, portanto, comete uma falácia da petição de princípio.
Se esta objeção for correta, como muitos pensam, o seu efeito para a filosofia de Descartes é devastador. Ao contrário do que afirma, Descartes não provou a existência de Deus nem a verdade do que percebemos clara e distintamente e, portanto, não tem nenhum fundamento absolutamente certo para o conhecimento. O seu projeto cai pela base.

Não temos provas da existência do eu
A crença na existência do cogito ou «eu penso» é fundamental ao projeto de Descartes. É pela análise do eu, enquanto puro pensamento, que Descartes prova a existência de Deus e recupera como verdades das quais está absolutamente certo — e não como meras crenças — tudo o que a dúvida metódica pôs em questão. Ele pensa ter provado sem margem para dúvidas, como condição de possibilidade da própria dúvida, que o eu existe. Hume está também aqui em completo desacordo com Descartes. Hume pensa que não temos, nem podemos ter, nenhuma ideia de eu. Segundo ele, todas as nossas ideias têm origem em impressões. Contudo, não temos nenhuma impressão que possa estar no origem da ideia de eu. Tudo o que encontramos quando olhamos para nós próprios é uma sucessão de perceções particulares, de calor de frio, de prazer e dor e nunca uma perceção do eu. Para Hume, portanto, o eu, tal como o entendemos, não existe. De facto, ele pensa que, de acordo com a experiência, tudo o que podemos dizer é que a mente, ou eu, é uma espécie de feixe ou coleção de perceções. Se Hume tiver razão, o cogito é apenas uma ficção e, portanto, não pode ter o papel absolutamente essencial que Descartes lhe atribui na sua filosofia.


Crítica de Hume à prova da existência de Deus de Descartes
De acordo com Hume, todas as ideias que possuímos tiveram origem na experiência, mais precisamente em impressões. Ideias como a de dor, alegria, frio, calor, extraterrestre, anjo, triângulo… resultam da recordação de certas impressões (sensações externas ou internas experienciadas pelo sujeito), consideradas isoladamente ou, então, combinadas entre si com a ajuda da imaginação (por exemplo: a ideia de anjo resulta da junção das impressões de homem e pássaro).
Tal como o filósofo empirista Locke, Hume defende a origem a posteriori das ideias. Tudo o que podemos pensar e imaginar, em última análise, provém do contacto com as coisas do mundo.
E a ideia de Deus? Como se explica a sua formação?
Diz Hume: “ (…) ao analisarmos os nossos pensamentos ou ideias, por mais compostos e sublimes que sejam, sempre descobrimos que elas se resolvem em ideias tão simples como se fossem copiadas de uma sensação ou sentimento precedente. Mesmo as ideias que, à primeira vista, parecem afastadas desta origem, descobre-se, após um escrutínio mais minucioso, serem delas derivadas. A ideia de Deus, enquanto significa um Ser infinitamente inteligente, sábio e bom, promana [procede] da reflexão sobre as operações da nossa própria mente, e eleva sem limite essas qualidades da bondade e da sabedoria. Podemos prosseguir esta inquirição até ao ponto que nos agradar, onde sempre descobriremos que toda a ideia que examinamos é copiada de uma impressão similar.”
David Hume, Investigação sobre o entendimento humano, Edições 70, tradução de Artur Morão, Lisboa, 1985, pág. 25.

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