quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Proposta de correção do 1º teste.

 


1ª PROVA DE AVALIAÇÃO DE FILOSOFIA -11º Ano

Professora Helena Serrão - Duração da prova: 90m –

Paço de Arcos, 30 outubro de 2025

Este elemento de avaliação é composto de dois testes, cada um é avaliado de 0 a 20 valores.

Cada teste avalia competências diferentes: O primeiro teste avalia a competência do domínio dos conceitos: Conceptualização que vale 40% na avaliação final. O segundo teste destina-se a avaliar as competências de Problematização e Argumentação que valem 30% na avaliação final.

Primeiro Teste – Conceptualização

• Grupo I - 10 questões de escolha múltipla (10x13 pontos=130 pontos)

• Grupo II - 2 questões de definição de conceitos (2x35 pontos=70 pontos) Total - 200 Pontos

 Segundo Teste – Problematização e Argumentação

Cinco questões de desenvolvimento. Todas as respostas exigem fundamentação. (5x40 Pontos) = 200 Pontos

Competência transversal: comunicação / correção escrita

 

Teste 1 - CONCEPTUALIZAÇÃO

Versão A

Grupo I

 Escolha apenas a opção correta.

1. Considere as afirmações seguintes:

1. Há conhecimento inato, adquirido apenas pelo pensamento.

2. É possível o conhecimento verdadeiro e indubitável.

3. Todo o conhecimento é adquirido por meio da experiência.

De acordo com Descartes, as afirmações

(A) 1 e 3 são falsas e 2 é verdadeira.

(B) 1 e 2 são verdadeiras, 3 é falsa.

(C) 1 e 3 são verdadeiras e 2 é falsa.

(D) 1, é falsa, 2 e 3 são verdadeiras.

 

2. Ao aplicar o método da dúvida, Descartes pretende

(A) concluir que as ideias claras e distintas são infalíveis.

(B) descobrir alguma crença que seja indubitável.

(C) mostrar que não há realmente um génio maligno.

(D) provar que existe um ser perfeito e não enganador.

 

3. Os céticos radicais, ou pirrónicos, defendem que

(A) as tentativas de justificar as nossas crenças, mesmo as crenças mais firmes, acabam por fracassar.

(B) as nossas crenças, mesmo quando temos justificação para elas, acabam por se revelar falsas.

(C) algumas crenças estão adequadamente justificadas, mas não está ao nosso alcance saber quais são.

(D) muitas das nossas crenças são falsas, contudo somos capazes de as justificar adequadamente.

 

4. Em qual das opções seguintes se apresenta um exemplo de conhecimento “a posteriori”?

(A) O todo é maior que as partes.

(B) 2+2=4

(C) Todo o casado não é solteiro.

(D) O meu nome é Joana.

 

5. Considere as frases seguintes.

1. O italiano é a língua oficial da Itália. 2. Todos os sólidos ocupam espaço.

É correto afirmar que:

(A) 1 exprime conhecimento a posteriori; 2 exprime conhecimento a priori.

(B) ambas exprimem conhecimento a priori.

(C) ambas exprimem conhecimento a posteriori.

(D) 1 exprime conhecimento a priori; 2 exprime conhecimento a posteriori.

 

6. Acerca da possibilidade do conhecimento podemos ser:

A. Céticos, empiristas e críticos.

B. Vagabundos de tudo.

C. Dogmáticos ou Céticos.

D. Racionalistas ou Empiristas.

 

7. Qual dos seguintes argumentos não é um argumento cartesiano?

(A) O argumento do sonho

(B) Regressão infinita

(C) Génio maligno.

(D) Ilusões de ótica.

 

8. Para os empiristas...

(A) Todo o conhecimento é “a priori”.

(B) Nenhum conhecimento é adquirido pela experiência

(C) O conhecimento verdadeiro tem como fonte o pensamento/raciocínio.

(D) O conhecimento começa com a experiência.

 

9. Acerca da relação entre crença e conhecimento, é correto afirmar que

(A) podemos conhecer aquilo em que não acreditamos.

(B) as crenças são falsas, mas o conhecimento é verdadeiro.

(C) não podemos acreditar naquilo que não conhecemos.

(D) há crenças falsas, mas nenhuma crença falsa é conhecimento.

 

10. “Sei que Lisboa é capital de Portugal” é uma proposição que expressa um conhecimento

(A) proposicional

(B) por contacto

(C) saber fazer

(D) não expressa qualquer conhecimento

 

 

Grupo II

VERSÃO A

1.       O que se entende por “Princípio da exclusão”?

O Princípio da exclusão é um princípio que é utilizado pelos céticos para estabelecer os limites do nosso conhecimento. Estabelece um critério para o conhecimento que exclui todas as crenças sobre as quais haja a possibilidade de erro ou de dúvida. Se em qualquer afirmação houver a possibilidade de erro, então essa afirmação não pode considerar-se verdadeiro conhecimento.

 

2.       Distinga Empirismo e Racionalismo”.

Estes conceitos referem-se a teorias filosóficas que explicam qual a fonte ou origem principal do nosso conhecimento e de que modo podemos justificar as nossas crenças. O Empirismo consiste num conjunto de teses defendendo que a fonte ou origem do conhecimento e também a fonte principal de justificação das nossas crenças se encontra na experiência e nos sentidos (visão, olfacto, audição, tacto e paladar). Dando primazia à experiência, Empirismo afirma que não se pode ter conhecimento “a priori” sobre o mundo e que todo o conhecimento é “a posteriori”.

Quanto ao Racionalismo consiste num conjunto de teses defendendo que a fonte ou origem do conhecimento e também a fonte principal de justificação das nossas crenças se encontra na razão e não na experiência. Assim dando primazia à razão sobre a experiência, o racionalismo afirma a existência de conhecimento “a priori” substancial sobre o mundo.

 

VERSÃO B

 

1. O que se entende por Coerentismo?

Teoria epistemológica sobre a forma como se pode construir uma boa justificação para uma crença. O Coerentismo defende que não são precisas crenças básicas para a justificação. A justificação de uma crença depende da relação que tem com outras crenças e se está em coerência com outras crenças consideradas verdadeiras sem entrar em contradição. Assim, a crença de que a terra é redonda é coerente com a crença na gravidade que é coerente com a crença de que existe um sistema planetário. Portanto, a crença de que a terra encontra-se justificada.

 

2. Quais as características da  “Dúvida metódica”?

A dúvida metódica é Universal, pois abarca todas as crenças e os processos de as obter; é Provisória, pois é uma forma de encontrar crenças indubitáveis sendo abandonada quando esse objetivo é atingido, não é, portanto, um processo definitivo e constante; é Metódica, pois é realizada racionalmente cumprindo um caminho previamente traçado e é hiperbólica porque exagerada pois considera falso tudo o que se apresente com a menor dúvida, colocando como possibilidade a existência de uma entidade poderosa e metafísica que nos engana sistematicamente ( o génio maligno) quando raciocinamos sobre qualquer coisa.

  

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Teste 2 – Argumentação e problematização

 

Leia o texto com atenção e responda com objetividade e clareza às questões formuladas. Justifique as suas afirmações.

 

“Mas persuadi-me de que não havia nada no mundo, nenhum céu, nenhuma terra, nenhuns espíritos, nenhuns corpos. E não me persuadi também de que eu próprio não existia? Pelo contrário, se me persuadi de alguma coisa, eu existia com certeza. [...] De maneira que, depois de ter-se pesado e repesado muito bem tudo isto, deve por último concluir-se que esta proposição “Eu sou, eu existo” é necessariamente verdadeira sempre que proferida por mim ou concebida pelo espírito. “

 

René Descartes, O Discurso do Método

 

  1. Partindo do texto, demonstre a importância da expressão “Penso, logo existo” para o sistema de pensamento cartesiano.

- Esclareça o conceito de cogito.

- Relacione o conceito com o racionalismo cartesiano.

- Fundamente a sua importância para o sistema de pensamento cartesiano.

 

Critérios de correção:

Referência ao texto 10

Crença básica que se autojustifica 10

Fundamento “a priori” do conhecimento 15

Critério de verdade (ideia clara e distinta) 15

 

 

Cenário de resposta:

No texto, Descartes refere que a proposição “Eu sou, eu existo” é necessariamente verdadeira sempre que proferida por mim ou concebida pelo espírito. “Quer isto dizer que o Cogito é uma ideia inata e “a priori”, visto que pode nada existir no mundo físico, nem tão pouco haver corpo, mas a evidência de que tudo isso é fruto do meu pensamento torna esta proposição uma certeza e uma crença básica visto que se autojustifica. Por mais que pense que não existo, continuo a existir, pois continuo a pensar é, portanto, irrefutável e por isso pode constituir-se como fundamento de todo o conhecimento.

Descartes compreende, com o Cogito, que a verdade é um acordo da razão consigo própria, uma ideia “a priori” que não necessita da experiência para ser aceite enquanto verdade. Deste modo, o cogito é critério de todas as ideias verdadeiras. Só a razão é o juiz do conhecimento e pode distinguir o verdadeiro do falso. Assim, a partir de fundamentos seguros é possível deduzir com segurança outras certezas e reconstruir o edifício das ciências unificando-as segundo o mesmo critério. A ideia do cogito “Penso, logo existo” surge com clareza e distinção de modo a ser de tal modo evidente que o pensamento só a poderia considerar verdadeira, pois não poderia ser de outro modo.

 

  1. “Mas persuadi-me de que não havia nada no mundo, nenhum céu, nenhuma terra, nenhuns espíritos, nenhuns corpos.” Explique de que forma é possível persuadir-se de tal “absurdo”.

 

Critério de correção:

Princípio: considerar falso tudo o que seja duvidoso (não evidente). (20) 

Explicar os argumentos: Argumento da ilusão dos sentidos, do sonho e do génio maligno. (30)

 

 

Cenário de resposta:

Esta hipótese tem como ponto de partida a dúvida metódica. Como método para encontrar a verdade certa e inabalável, será necessário examinar os fundamentos de todas as suas crenças de modo a julgar se são fracas ou fortes. Assim, todos os fundamentos que fossem duvidosos eram excluídos do conhecimento e eram considerados falsos.

A dúvida metódica demonstra que nenhuma crença é suficientemente forte para ser considerada verdadeira, pois todos os fundamentos para obter conhecimento podem ser postos em causa.

Analisa os sentidos e considera-os enganadores, e se enganam algumas vezes vamos supor que tudo o que conhecemos através deles é falso (O céu, a terra e o corpo).

Depois examina a certeza de haver um mundo objetivo fora da mente e conclui que também não se pode ter essa certeza pois no sonho também temos perceções (argumento do sonho).

Por último duvida dos seus raciocínios, supondo a existência de um génio maligno que o engana sempre que pensa (dúvida hiperbólica).

 

  1. O ceticismo filosófico argumenta que não é possível um conhecimento verdadeiro, o sujeito nunca o poderá saber. Em que argumentos se sustenta esta posição? Considera uma posição sustentada?

 

- Elabore um texto onde explicite os argumentos céticos.

- Problematize esta teoria evocando possíveis objeções.

- Apresente a sua posição fundamentada.

 

Critérios de correção:

a)                  Definir ceticismo (10)

b)                 Explicar bem cada um dos três argumentos (30)

 



Cenário de resposta:

O ceticismo é uma posição filosófica que considera (na sua forma mais radical) que nenhum conhecimento é possível e que devemos, por isso, suspender o juízo sobre todas as coisas.

Consideram que há razões para duvidar da verdade do conhecimento objetivo sobre o mundo e apresentam três razões: a ilusão dos sentidos, a diversidade de opiniões e o argumento “a priori” da regressão infinita da justificação.

O argumento da ilusão dos sentidos advoga a pouca fiabilidade dos sentidos como fonte do conhecimento visto que, pode criar ilusões: o argumento da diversidade de opiniões conclui que sobre o mesmo assunto não há consenso, não tendo nós ferramentas para considerar entre as opiniões qual é verdadeira e qual é falsa. O argumento da regressão infinita, põe em causa a justificação do conhecimento pois afirma que nenhum conhecimento está justificado, logo, não pode haver conhecimento, visto que a justificação é uma condição necessária para que este aconteça. O argumento parte do princípio de que para justificar qualquer crença é preciso fazê-lo apelando a outra crença, ora haverá sempre uma crença que é um ponto de partida e que não está justificada, sendo assim não podemos confiar em nenhum conhecimento pois não existe qualquer justificação última que suporte a cadeia de justificações.

 

 

  1. Segundo a definição tradicional, só há conhecimento se existir uma crença, verdadeira e justificada. Porquê?

Critérios de correção:

a)                  Explicar as razões para a necessidade de haver três condições necessárias para a definição de conhecimento (uma razão para a necessidade de cada uma) (40)

b)                  Explicar apenas 1 (13)

 

Cenário de resposta:

A definição tradicional de conhecimento coloca três condições necessárias para a definição; a necessidade de haver uma crença, que essa crença seja verdadeira e que esteja bem justificada com razões. Essas três condições são necessárias e nenhuma delas por si é suficiente. Porque é necessário ter uma crença? Porque o conhecimento corresponde a um estado mental em que se S sabe que P, então acredita nisso que sabe. Seria contraditório afirmar que S sabe que P, e ao mesmo tempo não acredita no que sabe. Exemplo: Sei que o mar tem ondas, mas não acredito nisso. Portanto, saber P implica uma crença, S acredita em P.

Também é necessário que essa crença seja verdadeira, porque o conhecimento não depende da convicção com que o sujeito acredita em P conhecimento, há apenas um palpite, uma suposição ao acaso. O conhecimento não é fruto do acaso, tem de estar apoiado por boas razões.

Por outro lado, não é suficiente ter apenas uma crença para ter conhecimento porque nem todas as crenças são conhecimento, como por exemplo “Acredito em Extraterrestres”, acreditar não é o mesmo que saber que existem. Também não é suficiente ter uma crença verdadeira para ter conhecimento porque uma crença pode ser verdadeira por acaso, e o conhecimento não pode ser por acaso, e por outro lado não é suficiente ter uma boa justificação, podemos ter boas justificações para acreditar em falsidades, depende dos nossos estados cognitivos. Aristóteles tinha razões para acreditar que a Terra era plana, e a Terra não é plana. (sendo P uma qualquer proposição) P tem que ser do mesmo modo como S acredita, o conhecimento é factivo.

Se, por outro lado, esta crença em P não tem qualquer justificação, não há boas razões para acreditar que P é verdadeira, então, também não há conhecimento, há apenas um palpite, uma suposição ao acaso. O conhecimento não é fruto do acaso, tem de estar apoiado por boas razões.

 

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Texto para resumo Carolina 11A



Um filme que se aproxima significativamente da situação do demónio mau [de Descartes] no que diz respeito à profundidade da dissimulação que apresenta é The Matrix (Andy e Larry Wachowski, 1999). A premissa deste filme é a de que a maior parte da humanidade foi escravizada por uma raça de máquinas inteligentes que usam corpos humanos como fontes de energia. Contudo, aqueles que se encontram neste estado ignoram completamente a sua situação real. Tudo parece normal porque um super-computador os alimenta com uma realidade simulada ('o Matrix'). Apenas alguns rebeldes conseguiram escapar a esta escravização e estão em condições de oferecer resistência às máquinas. Assim, no começo do filme, antes de escapar do Matrix, tudo o que o personagem principal, Neo (Keanu Reeves), experimenta e toma como real é, de facto, uma ilusão gerada por computador. (…)O líder dos rebeldes, Morfeu (Lawrence Fishburne), (…) [que] entra no Matrix para trazer Neo para a causa da resistência, (…) oferece ao nosso herói a oportunidade de 'acordar' da sua ilusão. O enigma que ele coloca é puro Descartes: 'Já tiveste algum sonho, Neo, de que estivesses convencido que era real? E se não conseguisses acordar desse sonho? Como saberias a diferença entre o mundo do sonho e o mundo real?'
(…) em The Matrix, nós, como Neo inicialmente, não temos qualquer ideia de que o mundo em que Neo habita é uma ilusão, e ficamos tão desorientados como ele quando a situação é de repente revelada.
O argumento do demónio de Descartes pode ser facilmente reformulado em termos retirados de The Matrix - pode ou não acontecer que tudo aquilo de que temos experiência, tudo de que até agora tivémos experiência, mesmo aquilo que tomamos como verdades lógicas básicas, ser uma fabricação gerada por um supercomputador? E o efeito desta questão é igualmente o de colocar em dúvida, de um modo extremamente radical, o que a nossa experiência nos diz acerca do mundo.

Christopher Falzon,
Philosophy Goes To The Movies
. An Introduction To Philosophy. London and New York, 2002. Trad. Carlos Marques.

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Texto para resumo Beatriz 11A

No Discurso do Método, [Descartes] conta-nos como na sua juventude se sentia perturbado com o espectro da incerteza:

[…] encontrava-me embaraçado com tantas dúvidas e erros que me parecia não ter tido outro proveito, ao tentar instruir-me, senão o de ter descoberto cada vez mais a minha ignorância. E, no entanto, estive numa das escolas mais célebres da Europa…
E, enfim, o nosso século parecia-me tão florescente e fértil de bons espíritos quanto qualquer um dos precedentes. Por isso, tomei a liberdade de tomar o meu juízo como universal, concluindo que não há nenhuma doutrina no mundo que fosse como até então me fizeram crer.


A resposta de Descartes a esta situação foi procurar os fundamentos sobre os quais a verdade podia ser assegurada. Por isso, nas suas Meditações Sobre Filosofia Primeira, ele faz uso de um método de dúvida radical, cujo fim é o de estabelecer pelo menos alguma crença que possa então servir como alicerce para o conhecimento. A dúvida radical significa apenas isso. Como diz Descartes, 'A mais pequena dúvida será suficiente para me fazer rejeitar qualquer das minhas crenças.'
O argumento de Descartes é um dos mais famosos na história da filosofia. Ele mostra que nos podemos enganar acerca de certos dados dos sentidos; que é possível colocar toda a nossa experiência dos sentidos sob dúvida - podemos, por exemplo, estar a sonhar sem o saber; e, de modo mais radical, que é possível que nada exista para além das nossas experiências sensíveis - podemos ter sido iludidos por um demónio maligno.
Contudo, este processo também mostra que há uma crença renitente. Por mais que apliquemos o método da dúvida, não é possível duvidar de que existimos. O próprio facto de se duvidar significa que tem de haver um 'Eu' que está a duvidar. É isto o famoso
cogito de Descartes:

Mas persuadi-me de que não havia nada no mundo, nenhum céu, nenhuma terra, nenhuns espíritos, nenhuns corpos. E não me persuadi também de que eu próprio não existia? Pelo contrário, se me persuadi de alguma coisa, eu existia com certeza. […] De maneira que, depois de ter-se pesado e repesado muito bem tudo isto, deve por último concluir-se que esta proposição Eu sou, eu existo é necessariamente verdadeira sempre que proferida por mim ou concebida pelo espírito.

Descartes, porém, tem agora um problema. Tendo estabelecido a existência de uma entidade pensante (se realmente foi estabelecida), como recupera o resto do mundo? A resposta, de modo breve, é que não é capaz de o fazer; pelo menos, de modo a satisfazer um filósofo dos nossos tempos. A sua tentativa envolve o emprego de uma versão do argumento ontológico com o objectivo de provar a existência de Deus, argumentando depois que, como Deus não é enganador, não somos sistematicamente enganados sobre as coisas que percebemos claramente. É razoável assim retomar algumas das nossas crenças acerca do mundo exterior.

Ophelia Benson & Jeremy Stangroom, Why Truth Matters (London, 2006, pps. 26-27). Tradução Carlos Marques.

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Texto para resumo Tomás 11A



O Cogito

Alguns vêem no Cogito não a conclusão de um argumento, mas uma espécie de descoberta epistémica: uma verdade indubitável na qual ele tropeça. Outros preocupam-se em saber se Descartes pode ter direito ao ‘Eu’ presente no Cogito. Não terá ele de direito apenas a qualquer coisa de menos, a dizer somente que o pensamento ocorre e não que quem o pensa é o próprio Descartes?

O círculo cartesiano

No entanto, Descartes tenta ir para a frente, olhando para novas verdades dentro da sua mente. Pensa um pouco acerca da natureza da dúvida e conclui que a dúvida é uma forma de imperfeição, em comparação com o conhecimento. A reflexão sobre a própria ideia de perfeição condu-lo a uma das várias provas da existência de Deus. Dada a natureza das suas várias dúvidas, Descartes sabe que não é um ser perfeito. Não obstante, tem a ideia de perfeição e essa ideia não lhe pode ter vindo de si mesmo ou de qualquer ser imperfeito. Pode apenas vir de um ser perfeito, nomeadamente, de Deus. Esta linha de pensamento conduz a uma versão do argumento ontológico de Anselmo. A ideia que Descartes tem de Deus é a de um ser com todas as perfeições. A existência é uma forma de perfeição; portanto, Deus tem de existir. Pensar em Deus como não existindo é como pensar num triângulo sem três lados. Assim como possuir três lados está no conceito de triangularidade, existência está no conceito de Deus. Se compreendemos bem a ideia de Deus, temos de aceitar que Deus existe.
O engano, nota Descartes, é uma forma de imperfeição e, por isso, conclui que Deus não pode ser enganador. Logo, podemos confiar nas nossas percepções claras e distintas; não somos sistematicamente enganados e a verdade tem de estar ao alcance das nossas capacidades. Reconstruir um sistema de crenças enraízado na percepção clara e distinta é a tarefa [seguinte].
Muitos notaram nesta linha de argumento um círculo demasiado fechado. Chegamos ao conhecimento de que Deus existe e não é enganador apenas porque aceitámos uma série de percepções claras e distintas. Sabemos que as nossas percepções claras e distintas são fiáveis porque Deus existe e não é enganador. Mas não depende a nossa fé nas percepções claras e distintas da prova de que Deus existe e não pressupõe essa prova a veracidade das nossas percepções claras e distintas?
O problema (…) é o de que o conhecimento parece ser uma coisa frágil. Descartes tem certamente sucesso na parte negativa do seu projecto, arrasando os fundamentos do conhecimento com os argumentos cépticos (…). No entanto, o seu esforço para erguer tudo a partir do nada constitui uma espécie de falhanço. Mas o seu objectivo principal, o de mostrar que uma compreensão científica do mundo é possível é algo que nós, modernos, tomamos como adquirido demasiado facilmente.

James Garvey, The Twenty Greatest Philosophy Books. London & New York: Continuum, 2006.

Trad. Carlos Marques.

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Rene Descartes - “I think, therefore I am”

O ENIGMA DO SONHO / RENÉ DESCARTES

Matriz para o 1º Teste de Filosofia 11ºAno

 


Conteúdos e Competências

 1. O conhecimento e a racionalidade científica e tecnológica.


a. A epistemologia. (Definir e problematizar)

b. Os vários tipos de conhecimento: Proposicional, por contacto e de aptidão. (Distinguir, caracterizar e exemplificar)

d. A definição tripartida de conhecimento: O conhecimento é uma Crença Verdadeira e Justificada. Argumentar, Problematizar, Aplicar. Identificar.

e. Objeções a esta teoria. Os contraexemplos de Gettier. (Argumentar, Problematizar, Exemplificar)

 f. Teorias da justificação: Fundacionalismo, coerentismo e fiabilismo. (Problematizar, Explicar, Distinguir)

g. Conhecimento a priori e a posteriori. ( Identificar, Relacionar. Explicar)

h. A questão da origem do conhecimento: Racionalismo e empirismo. (Discutir, Argumentar)

i. A questão da possibilidade do conhecimento: Ceticismo e dogmatismo.(Discutir, Argumentar)

j. Os argumentos céticos. (Explicitar, Criticar)

 2. Uma teoria explicativa sobre o conhecimento: O racionalismo de René Descartes

a. O problema do conhecimento verdadeiro/fundamentado. (Contextualizar/Problematizar)

b. O método da dúvida. (Fundamentar, Examinar)

c. Etapas da dúvida. (Argumentar, Explicitar, Inferir)

d. Características da dúvida cartesiana.(Caracterizar, Apresentar)

e. O cogito como critério de verdade. Clareza e distinção. (Argumentar, Fundamentar, Relacionar)

f. O racionalismo cartesiano. A importância das ideias inatas.(Equacionar, Fundamentar)

g. A superação do ceticismo. As crenças básicas que se autojustificam. (Explicitar, Justificar)

h. A saída do solipsismo do eu: a existência de Deus. (Explicitar argumentos, Criticar)

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 Estrutura e cotações 

Este elemento de avaliação é constituído por dois testes, o primeiro teste visa avaliar a competência de Conceptualização (40%) e o segundo teste avalia as competências de Problematização e Argumentação (30%). Cada teste tem cotação de 0 a 20 valores.

TESTE 1 - CONCEPTUALIZAÇÃO - 

10x12 perguntas de escolha múltipla =120 Pontos + 2 perguntas de análise de conceitos = 80 Pontos TOTAL - 200 Pontos

 TESTE 2- ARGUMENTAÇÃO/PROBLEMATIZAÇÃO -   

Perguntas que exigem fundamentação, desenvolvimento e argumentação (4x50) = 200 Pontos

 Competência transversal: COMUNICAÇÃO -Correção escrita

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Competências Gerais 

Grupo 1 – CONCEPTUALIZAÇÃO

Identifica os conceitos e teorias.

Relaciona conceitos

Reconhece exemplos

Sabe definir conceitos e teorias.

Aplica corretamente a informação a novos problemas.

 

Grupo 2 ARGUMENTAÇÃO PROBLEMATIZAÇÃO

Explica com clareza os argumentos das teorias estudadas.

Formula corretamente os seus próprios argumentos

Justifica as afirmações  que utiliza.

Relaciona ideias de forma coerente.

Interpreta corretamente os textos.

Infere corretamente consequências a partir de uma frase ou de um texto.

Recorre a bons exemplos para demonstrar o que afirma.

Enuncia corretamente os problemas de um texto ou de  uma teoria,

Compreende o problema apresentado.

 

terça-feira, 21 de outubro de 2025

Texto para resumo/análise Stela 11A


O 'método da dúvida' de Descartes implica pôr de lado qualquer crença ou conhecimento que admitam a mais pequena dúvida, por mais improvável ou absurda que essa dúvida possa ser, no intuito de ver se resta alguma coisa. Se restar alguma coisa é precisamente porque é invulnerável à dúvida: é certo. Uma vez que o objectivo de Descartes nas Meditações é o de descobrir o que pode ser conhecido com certeza, o método da dúvida é crucial, pois constitui o caminho para o seu objectivo. A tentativa de considerar cada uma das suas crenças ou pretensões de conhecimento e submetê-las a escrutínio seria uma tarefa impossivelmente longa, de modo que Descartes teve necessidade de uma estratégia geral para pôr de lado todo o corpo de crenças dubitáveis. Procurou alcançá-la utilizando argumentos cépticos.
É preciso notar que o uso de argumentos cépticos por parte de Descartes não faz dele um céptico. Longe disso. Ele usa-os meramente como um instrumento heurístico para mostrar que nós possuímos efectivamente conhecimento. Ele é, portanto, um 'céptico metódico' e não um 'céptico problemático', entendo-se por esta última expressão alguém que pensa que os problemas colocados pelos cépticos são sérios e colocam uma genuína ameaça à nossa ambição de adquirir conhecimento. Acontece que, desde o tempo de Descartes, muitos filósofos pensaram que ele não produziu uma resposta adequada às dúvidas cépticas que ele próprio levantou e que, por conseguinte, o cepticismo é deveras um problema. O próprio Descartes não pensava de todo assim.
As considerações cépticas que Descartes usou (…) merecem aqui referência. A primeira delas é a de recordar que os sentidos por vezes nos conduzem no caminho do erro. Equívocos perceptivos, ilusões e alucinações podem levar, e ocasionalmente levam, a crenças falsas. Isto pode fazer com que não depositemos confiança no que pensamos conhecer através da experiência dos sentidos, ou, no mínimo, que sejamos cautelosos antes de confiarmos nela como fonte de verdade. Não obstante, diz Descartes, haverá muita coisa em que eu acredito com base na minha experiência - tal como, por exemplo, que tenho mãos e que estou a segurar um pedaço de papel com elas, que estou sentado numa poltrona defronte de uma lareira, etc. e que duvidar disto seria uma loucura, mesmo dada a falta de fiabilidade dos sentidos. Mas, apesar disso, diz Descartes, continuaria a haver muita coisa em que eu acreditaria com base na minha experiência actual - como, por exemplo, que tenho mãos e que estou a segurar com elas uma folha de papel, que estou sentado numa poltrona em frente da lareira, e assim por diante, coisas das quais seria uma loucura duvidar, não obstante a frequente falta de fiabilidade dos sentidos.
Mas será mesmo loucura duvidar destas coisas? Não, diz Descartes - e aqui ele vem com o seu segundo argumento - porque muitas vezes sonho quando durmo e se estou agora a sonhar que estou sentado em frente à lareira segurando um pedaço de papel, o pensamento de que assim estou é falso. Para estar certo de assim estar teria de poder excluir a possibilidade de estar meramente a sonhar com isso. Como pode isso ser feito? Parece difícil, senão impossível."

  A. C. Grayling. Descartes (London: Pocket Books, 2005), pp. 281-4. Trad. Carlos Marques.

 

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Texto para resumo Sofia 11A


O ponto de vista dominante da filosofia ocidental nos últimos trezentos anos tem sido o que derivou do filósofo francês René Descartes, um dos filósofos mais influentes de todos os tempos. O seu método consiste em olhar para um problema questionando o modo como um indivíduo adquire conhecimento. […]
O trabalho mais conhecido de Descartes, o Discurso do Método – o seu título completo é Discurso do Método Para Conduzir Adequadamente a Razão e Procurar a Verdade nas Ciências – está escrito num estilo atraente e claro. Pode parecer que aquilo que ele escreveu é mais simples e mais óbvio do que é na realidade, por isso temos de considerar aquilo que ele escreveu de modo cuidadoso. Eis uma passagem da quarta parte do Discurso do Método, publicado em 1637, na qual ele define de modo muito claro a sua perspectiva acerca da natureza do seu próprio eu (self):
“Então, examinando atentamente aquilo que eu era e vendo que poderia presumir que não possuía corpo e que não havia mundo nem nenhum local onde eu estivesse, mas não poderia fingir que eu não existia; e que, pelo contrário, pelo facto de estar a duvidar da verdade de outras coisas, seguia-se com bastante evidência e certeza que eu existia; ao passo que se eu tivesse parado de pensar, embora tudo o que eu sempre pensei ser verdadeiro o fosse, eu não tinha razão para acreditar que eu existia; eu soube a partir disto que eu era uma substância cuja essência ou natureza era apenas o pensamento….”
Esta passagem contém praticamente todos os componentes centrais da filosofia da mente de Descartes. Em primeiro lugar, Descartes é um dualista. Isto significa acreditar que a mente e o corpo são duas espécies de coisas bastante distintas, dois tipos do que ele chama “substância”. Em segundo lugar, aquilo que ele pensa que tu és, o teu eu, é a mente. Dado que tu és uma mente, e as mentes são totalmente independentes do corpo, tu podes mesmo assim existir, sem um corpo. Em terceiro lugar, a tua mente e os teus pensamentos são aquilo que tu conheces melhor. Para Descartes é possível, pelo menos em princípio, existir uma mente sem um corpo, sendo incapaz, por mais que tente, de se aperceber de outras coisas, incluindo outras mentes. Descartes sabia, como é óbvio, que o modo como tomamos conhecimento daquilo que se passa na mente de outras pessoas é pela observação da fala e das acções de “outros corpos”. Mas para ele havia duas possibilidades sérias capazes de pôr em causa a nossa crença na existência de outras mentes. Uma é que os outros corpos podem ser apenas fingimentos da nossa imaginação. A outra é que, mesmo que os corpos e as outras coisas materiais existam, as provas que normalmente pensamos que justificam a nossa crença que os outros corpos são habitados por mentes pode ter sido produzida por autómatos, por máquinas sem mentes. Em quarto lugar, a essência da mente é ter pensamentos, e por “pensamentos” Descartes significa algo de que te apercebes na tua mente quando estás consciente. (A essência de um tipo de coisa, K, é a propriedade – ou o conjunto de propriedades – cuja posse é uma condição necessária e suficiente para ser um membro de K. Ou seja, se algo tem a propriedade essencial E, então pertence a K – portanto E é uma condição suficiente para pertencer a K; tudo o que não tem E, não pertence a K – portanto E é necessário para a relação de pertença.) Noutras passagens Descartes diz que a essência de uma coisa material – a propriedade, por outras palavras, que toda a coisa material tem que ter – é ocupar espaço. Isto significa que para Descartes as duas diferenças essenciais entre coisas materiais e mentes são (1) que as mentes pensam, enquanto a matéria não pensa, e (2) que as coisas materiais ocupam espaço, enquanto as mentes não. A tese de Descartes é, assim, que aquilo que distingue a mente do corpo é o facto negativo que a mente não existe no espaço e o facto positivo que as mentes pensam. Não é surpreendente que Descartes tenha pensado que a matéria não pensa. Poucas pessoas supuseram que as mesas ou os átomos têm pensamentos. Mas porque é que ele pensou que as mentes não existem no espaço?

Kwame Anthony Appiah,Thinking it Through: An introduction to contemporary philosophy, Oxford University Press


segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Texto para resumo Rebeca 11A

 


Os argumentos dos céticos

"O ceticismo, na sua versão mais extrema, é a ideia de que o conhecimento não é possível. Os céticos podem apresentar o seguinte argumento a favor da sua posição:

Se S sabe que P, então não é possível que S esteja enganado acerca de P.
É possível que S esteja enganado acerca de P.
Portanto, S não sabe que P.

Este argumento é um modus tollens e tem, por isso, forma válida. Se as premissas forem verdadeiras, o argumento é sólido e a conclusão verdadeira. A primeira premissa é meramente a expressão da condição que uma proposição tem de estar justificada de modo a garantir a sua verdade para que possa ser conhecimento. Admitamos, por isso, que é verdadeira. E a segunda? Como prova o cético esta premissa? É possível defendê-la apelando, por exemplo, aos erros e ilusões dos sentidos ou às limitações da memória e da razão. Mas também é possível defendê-la com um argumento mais geral que vise mostrar que nunca podemos justificar as nossas crenças e, portanto, que é sempre possível que estejamos enganados acerca delas.

Para vermos como, pensemos numa qualquer afirmação de cuja verdade julguemos estar absolutamente certos, como, por exemplo, que “A Lua é o único satélite natural da Terra”, ou que “Portugal situa-se na Europa”. A questão crucial é esta: que justificação temos para estarmos certos da sua verdade? Temos de ter uma justificação, claro. Caso contrário essas crenças não constituem conhecimento. Podemos justificar as nossas crenças dizendo, por exemplo, que as aprendemos na escola com os nossos professores de Geografia ou de Ciências da Natureza, que, dada a sua formação, são especialistas no assunto. O que fizemos, deste modo, foi justificar uma crença com outra crença. Mas isto, como é óbvio, levanta uma outra questão: que justificação temos para esta nova crença? Esta crença está, afinal de contas, numa posição similar à primeira. Se essa precisa de uma justificação, porque sem ela não constitui conhecimento, o mesmo se passa com esta. E, evidentemente, se esta não constitui conhecimento, também não pode justificar a primeira. Uma forma de justificar esta segunda crença é, claro, recorrer a uma outra da qual ela possa derivar. É fácil ver, no entanto, que o mesmo problema se colocará em relação a essa nova crença. Também ela precisará de uma justificação. Cada afirmação precisa de uma justificação e a justificação de uma nova justificação, numa regressão sem fim. Desse modo, parece, nem a primeira nem qualquer das outras crenças está justificada.

Há alguma forma de evitar esta consequência? Uma possibilidade é parar numa dada crença e não recuar mais na cadeia das justificações, deixando essa crença sem qualquer justificação. A outra é recuar nas nossas justificações até, eventualmente, voltarmos a uma crença que já usámos como justificação, raciocinando em círculo. Por que razão devemos acreditar no professor de Geografia ou de Ciências da Natureza? Porque o que ele diz está de acordo com o manual da disciplina. E por que devemos acreditar nesse manual? Porque foi escrito por especialistas. E como sabemos que são especialistas? Porque se não o fossem, não escreveriam manuais.

Estas três possibilidades em conjunto constituem o chamado trilema de Agripa, do nome do cético grego do século I a quem a tradição atribui a sua formulação. De acordo com este trilema, quando pretendemos justificar uma crença por intermédio de outras crenças estão disponíveis apenas três alternativas:

  1. Remontar infinitamente na cadeia de justificações;
  2. Raciocinar em círculo;
  3. Parar numa crença não suportada.

Nenhuma destas três possibilidades, afirmam os céticos, é melhor que a outra. Parar arbitrariamente na cadeia de justificações e raciocinar em círculo não é uma forma mais apropriada de justificar as nossas crenças do que regredir ao infinito. E como não existe outra alternativa, eles concluem que não é possível justificar nenhuma das nossas crenças e que, portanto, o conhecimento não existe."

Álvaro Nunes, texto retirado de https://criticanarede.com/anunesoproblemadoceticismo.html 

terça-feira, 7 de outubro de 2025

Texto para análise/resumo Madalena 11A

 


O que é o ceticismo?

0 argumento que acabamos de examinar - o de que não conhecemos nada sobre o mundo que nos cerca - chama-se argumento cético. Os céticos sustentam que, na verdade, não sabemos o que pensamos que sabemos. E a afirmação de que não sabemos nada sobre o mundo que nos cerca chama-se ceticismo sobre o mundo exterior.

Ceticismo "versus" senso comum

A visão do senso comum, é claro, sustenta que de facto conhecemos o mundo exterior. Na verdade, se resolvesse dizer, "não sei se as árvores existem", especialmente se estivesse a olhar para uma árvore em plena luz do dia, os outros achariam que tinha enlouquecido.

Mas os céticos achariam que estava certo. Não sabemos se árvores existem. 0 senso comum está enganado.

Outros exemplos de enganos do senso comum

Os argumentos dos céticos podem deixar algumas pessoas muito irritadas. Sabermos que as árvores existem é uma das nossas crenças mais básicas - como costumo dizer, sentimos que é isso é apenas senso comum. Existem muitas crenças que abandonaríamos com muita satisfação, caso alguém conseguisse demonstrar que estamos errados. Mas, quando se trata das crenças mais arraigadas do nosso senso comum - como a crença de que sabemos que as árvores existem -, não ficamos nada satisfeitos por abandoná-las.

Na verdade, ter as nossas crenças mais elementares ameaçadas pode ser uma experiência bem desconfortável, especialmente quando não vemos como defendê-las. Nessas ocasiões muitos ficam enraivecidos. Dizem que é um disparate o que o filósofo está a dizer. "Isso é uma completa estupidez", gritam. "Claro que eu sei que as árvores existem." E retiram-se, ofendidos.

Mas o filósofo pode apontar que em muitos outros casos se comprovou que o senso comum estava errado. Por exemplo, noutros tempos, o senso comum afirmava que a Terra era plana. As pessoas simplesmente achavam que era óbvio que a Terra fosse plana. Afinal, parece plana, não parece? Os marinheiros até tinham medo de chegar ao fim da Terra e cair. Também nessa época algumas pessoas ficavam muito irritadas quando a  sua crença comum era desafiada. "Não seja ridículo", gritavam. "É claro que a Terra é plana." E saíam a bater os pés. Hoje, porém, sabemos que a Terra não é plana. 0 senso comum estava enganado.

O que os céticos NÃO afirmam

Vale a pena deixar claro o que os céticos não afirmam, para não ficarmos confusos. Em primeiro lugar, os céticos não afirmam saber que nós ou eles somos cérebros numa cuba. Só afirmam que ninguém pode saber de maneira alguma se alguém é um cérebro numa cuba.

Em segundo lugar, eles não afirmam apenas que não podemos ter a certeza absoluta de que o mundo que vemos é real ou virtual. Afirmam muito mais do que isso. Afirmam que não temos razão alguma para acreditar que o mundo que vemos é real e não virtual.

Em terceiro lugar, eles não vão tão longe a ponto de afirmar que ninguém pode saber nada. Afinal, eles próprios reivindicam saber uma coisa: que ninguém pode conhecer o mundo exterior.

 Um enigma antigo

Estamos então diante de um enigma difícil. Por um lado, a visão do senso comum é que sabemos que as árvores existem. Nós não queremos de facto abrir mão dessa visão do senso comum (na verdade, nem estou certo de que poderíamos abrir mão dela mesmo que quiséssemos). Por outro, o cético tem um argumento que parece mostrar que a nossa visão do senso comum está errada: nós não sabemos que as árvores existem. Qual das visões está certa?

Apesar da roupagem moderna que eu lhe dei, este enigma é na verdade bem antigo. É de facto um dos enigmas filosóficos melhor conhecidos. Ainda hoje, nas universidades do mundo inteiro, os filósofos se debruçam sobre ele. E ainda não conseguiram decidir se os céticos têm razão. Eu devo admitir: não sei se os céticos têm ou não razão. Ao longo dos séculos, muitos filósofos tentaram lidar com o ceticismo. Procuraram demonstrar que o senso comum está certo: nós conhecemos efetivamente afinal o mundo que nos cerca. Algumas das suas tentativas para derrotar os céticos são muito perspicazes. Mas será que alguma delas funciona mesmo? Examinemos agora uma dessas tentativas.

 Stephen Law, Os Arquivos Filosóficos (São Paulo, 2003, págs. 60-69).