David Hume, Ensaio sobre o entendimento humano
Aulas- 11ºAno
OLÁ a Todos! Aqui estão alguns materiais para apoiar os vossos trabalhos filosóficos! Esperemos que sejam úteis!
quarta-feira, 24 de dezembro de 2025
Texto para Resumo Tiago Silva 11A e Carla Ribeiro 11E
terça-feira, 23 de dezembro de 2025
Texto para resumo Eduardo 11E
Berkeley defendera que as ideias não residem em coisa alguma fora da mente; por sua vez, Hume insiste em que também nada há na mente onde elas possam residir. Não há qualquer impressão do eu, e portanto nenhuma ideia do eu; há apenas feixes de impressões. Esta conclusão é o fim do caminho que se inicia com o pressuposto, comum a todos os empiristas, de que os pensamentos são imagens e de que a relação existente entre quem pensa e os seus pensamentos é a mesma que a relação existente entre um olhar interior e uma galeria de quadros interior. Da mesma maneira que não podemos ver os nossos próprios olhos, também não podemos percecionar o nosso eu. Mas é um erro considerar que a imaginação é um sentido interior. A conceção de imagens mentais não é um tipo peculiar de sensação, é uma sensação comum fantasiada. A noção de um sentido interior conduz à ideia de um eu que é o sujeito da sensação interior. Na tradição de Locke e de Berkeley, o eu é o olho da visão interior, o ouvido da audição interior; ou, antes, é o que possui tanto o olho como o ouvido interiores. Hume mostrou que este sujeito interior era ilusório, mas não denunciou o erro subjacente, que conduziu os empiristas a abraçar o mito do eu interior. O verdadeiro caminho de saída do impasse consiste em rejeitar a identificação entre pensamento e imagem, e aceitar que um sujeito que pensa não é um sujeito solitário de perceção interior, mas um ser humano corpóreo que vive num domínio público. Hume orgulhava-se de ter feito pela psicologia aquilo que Newton fizera pela física. Propôs uma teoria (vácua) da associação de ideias, como contraparte da teoria da gravitação. Mas seria injusto acusar Hume da esterilidade da sua psicologia filosófica; ele herdou dos seus precursores do século XVII uma filosofia da mente empobrecida, e um dos seus méritos foi ter retirado, com considerável candura, as conclusões absurdas implícitas nos pressupostos empiristas. Mas aquilo que o faz merecer o lugar fundamental que ocupa na história da filosofia é a sua explicação da causalidade.
Texto para resumo Carolina 11E
Quando por conseguinte temos alguma suspeita de que um termo filosófico é empregue sem nenhum significado ou ideia (como é muito frequente), basta-nos perguntar sobre a impressão de que a ideia supostamente deriva. E se for impossível encontrar alguma, isto servirá para confirmar a nossa suspeita. Ao clarificar assim as ideias, podemos razoavelmente esperar que possam ser removidos todos os conflitos que possam surgir sobre a sua natureza e realidade.
As consequências destas linhas são estonteantes.
Consideremos a ideia de um eu durável, algo de substancial que persiste por detrás das muitas mudanças que experimentamos ao vivermos a vida. Suponho, por exemplo, que esta manhã sou essencialmente o mesmo eu que era quando me fui deitar a noite passada. Não só isso, acho também que sou o mesmo eu que era na juventude que desaproveitei. Acho que serei o mesmo eu enquanto viver. Sem dúvida, algumas coisas mudaram: cresci, ganhei algumas cicatrizes, o meu cabelo está a tornar-se um pouco grisalho. Contudo, parece haver algo de essencial, o meu verdadeiro eu, que persiste em todas estas alterações acidentais.
Se concordarmos com o princípio de Hume sobre a relação entre ideias e impressões, e se estivermos convencidos de que o seu método de remover ideias fictícias é o caminho certo, temos apenas que perguntar: «De que impressão é a minha ideia derivada?» Ao olhar para dentro de mim, afirma Hume, não encontro nada, excepto uma série de impressões fugazes – ódio, amor, calor, dor, imagens, sons, cheiros e coisas do género –, mas nada permanente, nada que persista em todas as alterações. Em suma, nenhuma impressão corresponde à nossa ideia de eu. A ideia presente na palavra «eu» pode juntar-se a «unicórnio»: «eu» é uma palavra que expressa uma ideia ilusória, uma ficção da imaginação.
Mas as coisas tornam-se muito piores. A abordagem que Hume faz da natureza do entendimento humano começa com uma distinção entre dois tipos de «objectos da razão humana»: relações de ideias e matérias de facto. As relações de ideias podem ser descobertas apenas pela razão. Podemos saber que os solteiros são homens não casados ou que duas vezes cinco é metade de vinte pensando apenas sobre as relações entre as ideias em causa. As matérias de facto, porém, podem apenas ser descobertas pela experiência. Podemos meditar o tempo que quisermos sobre a proposição de que o sol está a brilhar, mas só saberemos se ela é verdadeira olhando pela janela. Há outra diferença entre estes dois tipos de proposição. O contrário de uma matéria de facto é possível, mas se negarmos uma relação entre ideias verdadeira, incorremos numa contradição. O sol pode não ser brilhante, mas não se pode estar mais longe da verdade do que quando alegamos que os solteiros são casados.
James Garvey, The Twenty Greatest Philosophy Books (London, 2006, págs. 66-68). Trad. Maria Miguel Pires (rev. científica Logosferas).
Texto para resumo: Camila 11E
domingo, 14 de dezembro de 2025
Trabalhos sobre o impacto da cultura tecnológica na saúde, identidade e ambiente.
1. TEMAS: TODOS OS TEXTOS ESTÃO NA REPROGRAFIA.
Textos obrigatórios: Manual do 11ºAno "Criticamente", 266/285
2. OBJECTIVOS
ENTREGA DO TRABALHO ESCRITO PARA TODOS OS TEMAS: 9 e 10 de dezembro
sexta-feira, 12 de dezembro de 2025
Indução e dedução na física
Indução e dedução na física (1919)
Induction and
deduction in physics (1919)
Albert Einstein
“O enorme progresso da ciência natural surgiu de uma maneira que
é quase diametralmente oposta à indução. A compreensão intuitiva dos aspetos
essenciais do enorme complexo de fatos leva o pesquisador a construir uma ou
várias leis fundamentais hipotéticas. A partir da lei fundamental (sistema de
axiomas), o pesquisador extrai as suas consequências, de maneira tão completa
quanto possível, por um método puramente lógico-dedutivo. Essas consequências,
que frequentemente só podem ser derivadas da lei fundamental por extensos
cálculos e elaborações, podem, então, ser comparadas com a experiência,
fornecendo um critério para a validade da suposta lei fundamental. Juntas, a
lei fundamental (axiomas) e as consequências formam aquilo que denominamos uma
"teoria". Toda pessoa instruída sabe que os maiores progressos da
ciência, por exemplo, a teoria da gravitação de Newton, a termodinâmica, a
teoria cinética dos gases, a moderna eletrodinâmica, e assim por diante,
surgiram todas dessa maneira e o seu fundamento tem, por princípio, um caráter
hipotético. Com efeito, o pesquisador sempre parte dos factos, cuja conexão
constitui o objetivo de seus esforços. Porém ele não chega ao seu sistema de
pensamento de uma maneira metódica e indutiva; antes, ele se agarra aos factos
por uma escolha intuitiva dentre as teorias axiomáticas concebíveis.
Uma teoria pode, assim, ser identificada como errada, caso haja
um erro lógico nas suas deduções, ou como incorreta, se um fato não estiver de
acordo com as suas consequências. Porém a verdade de
uma teoria nunca pode ser provada. Pois nunca se sabe se, mesmo no futuro, não
se encontrará uma experiência que contradiga as suas consequências; e, ainda,
sempre se pode conceber outros sistemas de pensamento capazes de conectar os
mesmos factos dados. Se estão disponíveis duas teorias, ambas compatíveis com o
material factual dado, então não há outro critério para se preferir uma ou
outra, a não ser a visão intuitiva do pesquisador. Assim, podemos compreender
como é que pesquisadores perspicazes, que dominam as teorias e os factos, podem
ainda assim ser defensores apaixonados de teorias contraditórias.”
terça-feira, 9 de dezembro de 2025
Texto para resumo Beatriz 11E
O problema da causalidade
Texto para resumo Tiago 11A e Camila 11E
Há alguma justificação para Princípio da Uniformidade da Natureza (PUN), ou estamos mais uma vez na presença de um hábito mental contingente? Vejamos o que sucede se tentarmos justificar PUN através de um argumento indutivo. PUN afirma que as uniformidades do passado continuarão no futuro. Em que premissa podemos apoiar esta conclusão? Na premissa de que a natureza tem sido uniforme nas minhas observações do passado. Mas como Hume diz que todos os argumentos indutivos pressupõem PUN como premissa, o argumento é circular: pressupõe como premissa o que tenta estabelecer como conclusão. Logo, a justificação indutiva de PUN falha.
E será que uma justificação dedutiva de PUN teria sucesso? Mais uma vez, Hume diz que não. Se apreciares mais uma vez o argumento do parágrafo anterior, terás de concluir que ele não é dedutivamente válido. PUN não pode ser deduzido das observações feitas no passado. Um outro tipo de justificação dedutiva seria deduzir PUN das definições dos termos que usa. Nesse caso PUN seria uma verdade conceptual como “Um dia húmido não é um dia seco”. Assim, tal como da definição de “dia húmido” podemos deduzir que “um dia húmido não é um dia seco”, também seria possível deduzir que “a natureza é uniforme” da definição de “natureza”. Mas é evidente que não há qualquer contradição se dissermos que a natureza deixará subitamente de ser uniforme. Logo, esta tentativa também falha. PUN não é uma verdade conceptual.
Mas se todas estas tentativas falham, o que é PUN então? Mais uma vez, é simplesmente um hábito mental contingente, ainda que bastante importante na aquisição de conhecimento empírico. Tal como a noção de causalidade, não tem uma demonstração a priori. Acontece que a natureza humana funciona assim, mas ninguém pode honestamente excluir a possibilidade de que um dia deixe de funcionar da mesma maneira.
Intuitivamente supomos que os “eus” são entidades que persistem através do tempo e da mudança. Claro que acontecem mudanças na vida de uma pessoa, mas presumimos que não são essenciais: no fundo de cada um de nós há um substrato do nosso pensamento, da nossa percepção, de todas as nossas propriedades psicológicas. Esse substrato permanece inalterável. Hume defende que esta concepção de eu não tem base empírica. Assim, se por introspecção tentarmos compreender o que é afinal este eu, veremos apenas uma sucessão de impressões momentâneas e efémeras numa espécie de teatro em contínua mudança. Nada mais vemos além disto. A introspecção não capta qualquer substrato inalterável. Ora, o erro da nossa concepção intuitiva está no facto de a mente sentir a experiência de objectos relacionados como se fosse a experiência de um objecto único e imutável. O que se passa é que vemos unidade naquilo que de facto é diversidade. Logo, a introspecção apenas nos autoriza a conceber o eu como um feixe de percepções mutáveis, e não como um substrato permanente.
A mesma estratégia é seguida por Hume quando se trata de examinar a noção de mundo externo. Intuitivamente supomos que o mundo externo é feito de objectos estáveis. Mas aquilo de que temos experiência directa é momentâneo e efémero. Logo, a nossa concepção intuitiva de que o mundo é feito de objectos distintos e contínuos está errada. A experiência não fornece justificação para pensar desse modo.
Faustino Vaz in Crítica na rede
quarta-feira, 3 de dezembro de 2025
Texto para resumo Sophia 11A e Ana Rita 11E
(…)
Reconhecendo a fraqueza relativa das inferências indutivas (comparadas às dedutivas), um bom pensador redefinirá as conclusões atingidas através da indução, dizendo que elas se seguem não com necessidade mas com probabilidade. Isto resolve o problema? É esta reformulação justificada? Podemos, por exemplo, justificar a ideia que afirma que a repetida observação do passado torna mais provável que o sol amanhã nasça do que o contrário?
O problema está em não haver um argumento dedutivo para fundamentar esta reformulação. Para deduzir esta conclusão com sucesso necessitaríamos da premissa ‘o que aconteceu até agora acontecerá com mais probabilidade amanhã’. Porém, esta premissa está sujeita ao mesmo problema da afirmação mais forte ‘o que aconteceu até agora acontecerá com certeza amanhã’. Tal como a sua contrapartida mais forte, a premissa mais fraca baseia a sua convicção acerca do futuro no que aconteceu até agora e essa base só é justificada se aceitarmos a uniformidade (ou, pelo menos, a continuidade geral) da natureza. Mas a uniformidade (ou continuidade) da natureza é precisamente o que está em questão!
(…)
Apesar destes problemas, parece que não podemos dispensar as generalizações indutivas. Elas são (ou pelo menos têm sido até agora) demasiado úteis para as recusarmos. Constituem a base de muita da nossa racionalidade científica e permitem-nos pensar acerca de matérias sobre as quais nada poderíamos dizer através da dedução. Não podemos de maneira nenhuma rejeitar a premissa ‘o que observámos até agora é o nosso melhor guia para a verdade naquilo que não observámos’, mesmo se esta premissa não pode ela mesma ser justificada sem circularidade.
Há, todavia, um preço a pagar. Temos de reconhecer que o uso da generalização indutiva pressupõe uma crença que de um modo relevante não é fundamentada.
Julian Baggini, Peter Fosl, The Philosopher’s Toolkit (London)
Tradução de Carlos Marques
Texto para Resumo Alexandre 11E
"O Problema da Indução
Um tipo diferente de objecção à perspectiva simples do método científico levanta-se pelo facto de esta se apoiar na indução e não na dedução. (...) Um argumento indutivo envolve uma generalização baseada num certo número de observações específicas. Se eu observar um grande número de animais com pêlo, concluindo a partir das minhas observações que todos os animais com pêlo são vivíparos (isto é, dão à luz crias em vez de porem ovos), estaria a usar um argumento indutivo. (...)
Estamos sempre a usar argumentos indutivos. É a indução que nos leva a esperar que o futuro seja semelhante ao passado. (...) As nossas vidas são todas baseadas no facto de a indução nos proporcionar previsões razoavelmente fidedignas acerca do nosso meio e acerca do resultado provável das nossas acções. Sem o princípio da indução, a nossa interacção com o meio seria completamente caótica: não teríamos bases para presumir que o futuro seria como o passado. (...) Toda a regularidade prevista no nosso meio estaria aberta a dúvida. (...)
Apesar deste papel central desempenhado pela indução nas nossas vidas, é um facto indesmentível que o princípio da indução não é inteiramente fidedigno. (...) Para ilustrar este aspecto, Bertrand Russel usou o exemplo de uma galinha que acorda todas as manhãs pensando que, uma vez que foi alimentada no dia anterior, sê-lo-á mais uma vez naquele dia. Um dia acorda e o camponês torce-lhe o pescoço. A galinha estava a usar um argumento indutivo baseado num grande número de observações. Estaremos a ser tão tolos quanto esta galinha, ao apoiarmo-nos tão fortemente na indução?"
Nigel Warburton (2007), Elementos Básicos da Filosofia. Lisboa: Gradiva, pp. 185-187.
quarta-feira, 12 de novembro de 2025
Críticas à Filosofia cartesiana.
Ficha 5 - Críticas à
filosofia cartesiana
Ao iniciarmos o estudo de Descartes, vimos que o seu objetivo era formular uma teoria do conhecimento que só aceitasse como tal as crenças que fossem indubitáveis. Se Descartes, como pretende, tiver sido bem-sucedido, ele provou que as proposições fundamentais da metafísica — o cogito, Deus e o mundo — são verdades indubitáveis, e está agora em condições de deduzir delas os princípios fundamentais da sua física mecanicista.
Mas terá Descartes sido bem-sucedido? Desde o início, os
seus críticos chamaram a atenção para dificuldades importantes no seu
pensamento.
A mais famosa é, sem dúvida, o chamado Círculo Cartesiano. As outras
objeções são de David Hume.
1. O Círculo Cartesiano
Esta objeção foi formulada pela primeira vez por Antoine Arnauld (1612–1694), um teólogo e filósofo francês, contemporâneo de Descartes, nas objeções que escreveu às Meditações sobre a Filosofia Primeira:
Resta-me apenas uma dificuldade, que é a de saber como o autor se pode defender de cometer um círculo, quando diz que estamos certos de que as coisas que concebemos claramente e distintamente são verdadeiras apenas porque Deus é ou existe.
Porque não podemos estar certos de que Deus existe a não ser porque nós concebemos isso muito claramente e muito distintamente; portanto, antes de estarmos certos da existência de Deus, devemos estar certos de que as coisas que concebemos claramente e distintamente são todas verdadeiras. (Antoine Arnauld, “Quatrièmes objections” in René Descartes, Descartes: Oeuvres et lettres, Paris: Gallimard, 1992, p. 435 (trad. Álvaro Nunes).)
A objeção de Arnauld pode ser expressa em poucas palavras: Descartes afirma que Deus é a garantia da verdade do que conhecemos com clareza e distinção, mas ao mesmo tempo usa a clareza e distinção para provar a existência de Deus (uma vez que as premissas da sua prova da existência de Deus são por ele consideradas claras e distintas). Descartes, deste modo, raciocina em círculo e, portanto, comete uma falácia da petição de princípio.
Se esta objeção for correta, como muitos pensam, o seu
efeito para a filosofia de Descartes é devastador. Ao contrário do que afirma,
Descartes não provou a existência de Deus nem a verdade do que percebemos clara
e distintamente e, portanto, não tem nenhum fundamento absolutamente certo para
o conhecimento. O seu projeto cai pela base.
Deus é a garantia da verdade do que conhecemos com clareza e distinção, mas ao
mesmo tempo, Descartes usa a clareza e distinção para provar a existência de
Deus.
2. A dúvida metódica é impossível
Como vimos, o projeto filosófico de Descartes começa pela dúvida. No entanto, para que a dúvida seja eficaz, o seu alcance deve ser universal e estender-se tanto às nossas crenças como às nossas faculdades racionais.
Hume apresenta duas objeções a este projeto:
Em primeiro lugar, diz ele, este ceticismo extremo é impossível. Agir de
acordo com os requisitos da dúvida metódica está para além daquilo que os seres
humanos são capazes. A dúvida metódica é, portanto, pura e simplesmente
impraticável.
Em segundo lugar, mesmo que a dúvida fosse praticável, não seria
possível ir para além dela sem usar as faculdades racionais que a dúvida põe em
questão. Isto é, se a dúvida fosse praticável, seria inultrapassável, uma vez
que qualquer tentativa de a superar implicaria o uso das próprias faculdades a
que a dúvida se aplica. Hume conclui daqui que o projeto de Descartes não é de
todo exequível.
3. Não temos provas da existência do eu
A crença na existência do cogito ou «eu penso» é fundamental
ao projeto de Descartes. É pela análise do eu, enquanto puro pensamento, que
Descartes prova a existência de Deus e recupera como verdades das quais está
absolutamente certo — e não como meras crenças — tudo o que a dúvida metódica
pôs em questão. Ele pensa ter provado sem margem para dúvidas, como condição de
possibilidade da própria dúvida, que o eu existe. Hume está também aqui em
completo desacordo com Descartes. Hume pensa que não temos, nem podemos ter,
nenhuma ideia de eu. Segundo ele, todas as nossas ideias têm origem em
impressões. Contudo, não temos nenhuma impressão que possa estar na origem da
ideia de eu. Tudo o que encontramos quando olhamos para nós próprios é uma
sucessão de perceções particulares, de calor de frio, de prazer e dor e nunca
uma perceção do eu. Para Hume, portanto, o eu, tal como o entendemos, não
existe. De facto, ele pensa que, de acordo com a experiência, tudo o que
podemos dizer é que a mente, ou eu, é uma espécie de feixe ou coleção de
perceções. Se Hume tiver razão, o cogito é apenas uma ficção e, portanto, não
pode ter o papel absolutamente essencial que Descartes lhe atribui na sua
filosofia.
4. Não é possível provar a existência do mundo
O último passo da filosofia de Descartes consistiu em provar a existência do mundo exterior e ele julga tê-lo feito ao argumentar que as ideias cuja causa atribuímos a objetos físicos têm, de facto, essa causa. No entanto, Hume nega que seja possível provar a existência do mundo exterior. Ele aceita, como Descartes, a distinção entre a realidade e as nossas perceções, isto é, entre o objeto físico e a sua representação mental, mas defende que só temos experiência direta das representações na nossa mente, não dos objetos físicos, suas supostas causas, e, que, portanto, não é possível ter experiência da relação causal entre as nossas representações mentais e os objetos que supostamente elas copiam e representam. Deste modo, não temos qualquer razão para afirmar que os objetos físicos são a causa das nossas perceções e, portanto, que existem objetos físicos. Mesmo que admitamos a possibilidade da dúvida metódica e a existência do cogito, se não for possível provar a existência do mundo físico, a filosofia e a ciência de Descartes estão condenadas ao fracasso.
Se aceitarmos estas críticas, o projeto de Descartes está em sérias dificuldades. Um dos interesses da filosofia de Descartes está no facto de constituir uma tentativa de construir uma teoria do conhecimento com base no pressuposto de que uma crença tem de poder ser justificada de forma indubitável para ser conhecimento. O seu fracasso é também o fracasso desta conceção de conhecimento. Mas, não sendo possível ter conhecimento, não será possível termos crenças racionalmente justificadas, isto é, crenças verdadeiras racionalmente justificadas, embora não de forma indubitável? Os filósofos empiristas britânicos tendem a pensar que sim. John Locke (1632–1704), por exemplo, restringe aquilo que podemos conhecer a um número muito limitado de crenças — a nossa existência, a existência de Deus e alguns princípios fundamentais da ética, mas pensa que é possível com base na experiência justificar as nossas crenças de forma provável. Terá Locke razão?
Álvaro Nunes
1. Resume os principais argumentos contra a filosofia
cartesiana.
2. Analisa a validade desses argumentos.
3. Poderemos responder à questão colocada por Álvaro Nunes? De que forma?






