Quadro de Ben Shahn
Todos os raciocínios que se referem aos factos parecem
fundar-se na relação de causa e efeito. Apenas por meio desta relação
ultrapassamos os dados de nossa memória e dos nossos sentidos. Se tivésseis que
perguntar a alguém por que acredita na realidade de um facto que não constata
efetivamente, por exemplo, que o seu amigo está no campo ou na França, ele vos
daria uma razão, e esta razão seria um outro facto: uma carta que recebeu ou o
conhecimento de suas resoluções e promessas anteriores. Um homem, ao encontrar
um relógio ou qualquer outra máquina numa ilha deserta, concluiria que outrora
havia homens na ilha. Todos os nossos raciocínios sobre os factos são da mesma
natureza. E constantemente supõe -se que há uma conexão entre o facto presente
e aquele que é inferido dele. Se não houvesse nada que os ligasse, a inferência
seria inteiramente precária. A audição de uma voz articulada e de uma conversa
racional na obscuridade dá-nos segurança sobre a presença de uma pessoa. Por
quê? Porque estes sons são os efeitos da constituição e da estrutura do homem e
estão estreitamente ligados a ela. Se analisarmos todos os outros raciocínios
desta natureza, concluiremos que se fundam na relação de causa e de efeito e
que esta relação se acha próxima ou distante, direta ou colateral. O calor e a
luz são efeitos colaterais do fogo, e um dos efeitos pode ser inferido
legitimamente do outro. Portanto, se quisermos satisfazer-nos a respeito da
natureza desta evidência que nos dá segurança acerca dos factos, deveremos
investigar como chegamos ao conhecimento da causa e do efeito. Ousarei afirmar,
como proposição geral, que não admite exceção, que o conhecimento desta relação
não se obtém, em nenhum caso, por raciocínios “a priori”, porém nasce
inteiramente da experiência quando vemos que os objetos particulares estão
constantemente conjugados entre si. Apresente -se um objeto a um homem dotado,
por natureza, de razão e habilidades tão fortes quanto possível; se o objeto
lhe é completamente novo, não será capaz, pelo exame mais minucioso de suas
qualidades sensíveis, de descobrir nenhuma das suas causas ou dos seus efeitos.
Mesmo supondo que as faculdades racionais de Adão fossem inteiramente perfeitas
desde o primeiro momento, ele não poderia ter inferido da fluidez e da
transparência da água que ela o afogaria, ou da luz e do calor do fogo, que
este o iluminaria. Nenhum objeto jamais revela, pelas qualidades que aparecem
aos sentidos, tanto as causas que o produziram como os efeitos que surgirão
dele; nem pode a nossa razão, sem o auxílio da experiência, jamais tirar uma
inferência acerca da existência real de um facto.
David Hume, Ensaio sobre o entendimento humano
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