sexta-feira, 13 de maio de 2022

Texto para resumo João Tavares11B

 


Críticas: Terá Leibniz razão?

A primeira dificuldade da posição de Leibniz é que a sua resposta ao problema lógico do mal limita-se a explicar genericamente, mas não em particular, como os males são compatíveis com a divindade teísta. Considere-se um caso particular de sofrimento: uma criança de cinco anos, com uma doença grave e incurável, morre, depois de dois anos de sofrimento intenso. Não só sofreu ela, como sofreram os pais e familiares da criança, assim como os seus amigos; além disso, foram gastos recursos imensos que poderiam ter sido usados para fazer coisas criativas, como pintar quadros, praticar desportos ou escrever sonatas. Leibniz não nos diz em pormenor qual é o bem maior do qual todo este sofrimento é uma componente fundamental. Claro que podemos imaginar alguns desses bens: o estoicismo da própria criança, a abnegação dos pais e familiares, o profissionalismo e empatia profunda de médicos e enfermeiros. Contudo, é pura e simplesmente falso que, do nosso ponto de vista, estes bens superem o mal daquele sofrimento — basta pensar que nenhum progenitor que não seja perverso provocaria aquela doença no seu filho só porque daí resultam alguns bens. 

Esta dificuldade, porém, tem uma resposta óbvia da parte de Leibniz. Claro que não sabemos em pormenor quais são os bens maiores que fazem parte dos males que nos parecem gratuitos, diria ele; não o sabemos porque somos limitados. Porém, dado que se prova facilmente que a divindade teísta é logicamente incompatível com males gratuitos, levar a sério a existência dessa divindade obriga a levar a sério a ideia de que não há realmente males gratuitos. Esta ideia tem de ser levada a sério, por mais que isso nos pareça estranho e por mais que sejamos incapazes de explicar em pormenor que bens são esses que são constituídos por males aparentemente gratuitos. Tem de ser levada a sério porque não há outra maneira de tornar a divindade teísta compatível com o mal.

A primeira dificuldade recebe uma resposta óbvia, e perfeitamente razoável, mas acaba por levantar uma dificuldade muitíssimo mais importante e aparentemente fatal.

Muito humildemente, Leibniz considera que somos demasiado limitados para saber em pormenor quais são os bens que superam e tornam necessários os males evidentes. Porém, se somos limitados para saber isso, também somos limitados para saber se Deus existe ou não. É incoerente, ou pelo menos arbitrário, aceitar que não há a possibilidade de erro quando consideramos que sabemos que Deus existe, mas que somos demasiado limitados para saber quais são os bens que dão sentido aos males e os anulam. Ou somos demasiado limitados nos dois casos, ou em nenhum, porque é tão difícil saber se Deus existe, como difícil é saber quais são os bens que superam e anulam os males evidentes, caso Deus exista.

Em suma, a resposta de Leibniz ao problema do mal parece epistemicamente incoerente, ou pelo menos arbitrária.

Desidério Murcho in O estado da Arte

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