domingo, 20 de novembro de 2022

Texto para resumo/análise Kayke 11E , Calebeth


Descartes'  ideia de visão, 1692.
Descartes' (1596-1650) idea of vision, [1692]. The passage of nervous impulses from the eye to the pineal gland and so to the muscles. From Rene Descartes' Opera Philosophica (Tractatus de homine), 1692. (Photo by Oxford Science Archive/Print Collector/Getty Images)

O PROBLEMA DE DESCARTES

Poucas pessoas supuseram que as mesas ou os átomos têm pensamentos. Mas porque é que Descartes pensou que as mentes não existem no espaço? Afinal, podes pensar que a minha mente está onde está o meu corpo. Mas se eu não tivesse corpo, tal como Descartes pensava que era possível, ainda assim eu teria uma mente. Por isso ele não podia dizer que uma mente tem que estar onde o seu corpo está, simplesmente porque se pode não ter um corpo. Além disso, se eu tenho um corpo, porque é que eu não deveria dizer que é aí que a minha mente está? Se eu não tivesse um corpo, essa seria a resposta errada, mas na verdade eu tenho um corpo. Eu penso que a principal razão para pensar que as mentes não existem no espaço é o facto de parecer estranho perguntar “Onde é que estão os teus pensamentos?”. Mesmo que respondesses dizendo “Eles estão na minha cabeça”, não seria óbvio que isto era literalmente verdadeiro. Porque se eles estivessem na tua cabeça, poderias saber exatamente em que lugar da cabeça estariam e a quantidade de volume que ocupariam. Mas não se pode dizer quantos centímetros de comprimento ou largura ocupa um pensamento, nem se estão situados a norte ou a sul do córtex cerebral. […]
É precisamente este dualismo que faz surgir um conjunto de dificuldades à posição de Descartes. Isto porque quem pensa que mente e corpo são totalmente distintos tem que responder a duas questões principais. A primeira, como é que eventos mentais causam eventos físicos? Como é que, por exemplo, as nossas intenções, que são mentais, levam à ação, que envolve movimentos físicos do nosso corpo? Como é que, por exemplo, é possível que a interação física entre os nossos olhos e a luz leve às experiências sensoriais da visão, que são mentais? […]
A resposta de Descartes a estas questões parece clara e suficientemente simples. O cérebro humano, pensava ele, possui um ponto de interação entre a mente e a matéria. De facto, Descartes sugeriu a glândula pineal, situada no centro da cabeça, como sendo o canal entre os dois domínios distintos da mente e da matéria. Era esta a resposta dele para o problema mente-corpo. No entanto esta teoria entra em conflito com a afirmação de Descartes de que o que distingue o mental do material é o facto do mental não ser espacial. Pois se acontecimentos mentais causam acontecimentos cerebrais, então isso não significa que eventos mentais ocorrem no cérebro? Como é que algo pode causar um acontecimento no cérebro sem ser um acontecimento (ou algo do mesmo género) no cérebro? Normalmente, quando um evento – digamos “A” – causa outro evento – digamos “B” – A e B têm de estar próximos um do outro, ou tem que existir uma sequência de eventos próximos uns dos outros entre A e B. Uma drama num estúdio de televisão causa uma imagem no meu televisor a muitos quilómetros de distância. Mas há um campo eletromagnético que transporta a imagem do estúdio até mim, um campo que existe entre o meu televisor e o estúdio. 
A perspetiva de Descartes terá de ser a de que os meus pensamentos causam mudanças no meu cérebro e que estas mudanças depois levam à minha ação. Mas se os pensamentos não existem ou não estão próximos do meu cérebro, e se não existe uma cadeia de eventos entre os meus pensamentos e o meu cérebro, então isto é um tipo de causalidade muito invulgar. Descartes quer dizer que os pensamentos não estão em nenhum lugar. Mas, de acordo com o que ele defende, pelo menos alguns dos efeitos dos meus pensamentos estão no meu cérebro e nenhum dos efeitos diretos dos meus pensamentos estão no cérebro de outras pessoas. Normalmente os meus pensamentos levam às minhas ações e nunca levam diretamente às ações de outras pessoas. Chegamos, assim, a um problema central da posição de Descartes, já que é normal pensar que as coisas estão onde os seus efeitos se originam. (Podemos designar esta ideia como a tese causal da localização). Deste ponto de vista, os meus pensamentos estão no meu cérebro, que é a origem do meu comportamento. Mas se os eventos mentais ocorrem no cérebro, então, dado que o cérebro está no espaço, pelo menos alguns eventos mentais também existem no espaço. Assim, o modo como Descartes distingue o mental do físico não funciona. Designemos esta aparente conflito entre o facto de que a mente e a matéria parecem interagir causalmente e a afirmação de Descartes que a mente não existe no espaço o problema de Descartes.”


Kwame Anthony Appiah,Thinking it Through: An introduction to contemporary philosophy, Oxford University Press

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