Pode
(...) perguntar-se como é que eu, um filósofo, podia envolver-me em
assuntos tratados por cientistas. A melhor maneira de responder a isto é
fazendo uma outra pergunta: estamos no domínio da ciência ou da
filosofia? Quando estudamos a interacção entre dois corpos físicos, por
exemplo, entre duas partículas subatómicas, estamos no domínio da
ciência; quando perguntamos como podem essas partículas subatómicas – ou
qualquer coisa física – existir, e porque é que elas existem, estamos
no domínio da filosofia. Quando retiramos conclusões filosóficas a
partir de dados científicos, estamos a pensar como filósofos.
Em 2004 afirmei que a origem da vida não pode ser explicada apenas a
partir da matéria. Os meus críticos responderam anunciando triunfalmente
que eu não tinha lido um certo artigo aparecido numa revista científica
ou que não estava a par dos últimos desenvolvimentos da abiogénese (a
geração espontânea de vida a partir de matéria inanimada). Com estas
críticas, mostravam não entender o que estava em causa. Eu não estava
preocupado com este ou com aquele facto da química ou da genética, mas
com a questão fundamental do que significa dizer que algo possui vida e
da relação que isso tem com o conjunto dos factos químicos e genéticos
considerados como um todo. Pensar a este nível é pensar como filósofo.
E, correndo o risco de parecer imodesto, não posso deixar de dizer que
este é trabalho para filósofos e não para cientistas enquanto tal. As
aptidões específicas dos cientistas não lhes conferem qualquer vantagem
quando se trata de pensar sobre esta questão, tal como uma estrela do
basebol não tem especial competência para determinar os benefícios para
os dentes de uma determinada pasta dentífrica.
É claro que os cientistas, tal como qualquer outra pessoa, são livres de
pensar como filósofos. E é também claro que nem todos os cientistas
concordarão com a minha interpretação particular dos factos por
eles postos à nossa disposição. Mas as suas divergências têm de se
erguer sobre pés filosóficos. Por outras palavras, os cientistas têm de
perceber que a autoridade ou capacidade científicas não têm qualquer
relevância na análise filosófica. Isto não será difícil de perceber. Se
expuserem as suas opiniões sobre a economia da ciência, elaborando por
exemplo teorias sobre o número de empregos criados no âmbito da ciência e
da tecnologia, terão de apresentar os seus argumentos diante do
tribunal da análise económica. Do mesmo modo, um cientista que fala como
filósofo terá de apresentar argumentos filosóficos. Como disse o
próprio Einstein: «O homem de ciência é um fraco filósofo».
Antony Flew, Deus Existe. Tradução Carlos Marques.
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