1 acabei de ver McEnroe ganhar a final de Wimbledon deste ano, e infere sensatamente que
2 McEnroe é o campeão de Wimbledon deste ano.
No entanto, as câmaras que estavam em Wimbledon deixaram na realidade de funcionar, e a televisão está a passar uma gravação da competição do ano passado. Mas enquanto isto acontece, McEnroe está prestes de repetir a retumbante vitória do ano passado. Portanto a crença 2 de Henry é verdadeira, ele tem decerto justificação para nela crer. Contudo, dificilmente aceitaríamos que Henry conhece 2.
Este tipo de exemplo contrário à descrição tripartida do conhecimento é conhecido como exemplo contrário de Gettier, segundo E. L. Gettier (1963). (Devo este exemplo específico a Brian Garrett.) Gettier argumentava que eles mostram que a descrição tripartida é insuficiente; é possível que alguém não conheça, mesmo que as três condições sejam realizadas.Gettier não põe aqui em causa nenhuma das três condições. Aceita que elas são individualmente necessárias, e apenas argumenta que precisam de ser complementadas. (...)
O exemplo contrário de Gettier é por conseguinte um exemplo em que "a" tem uma crença justificada mas falsa por inferência a partir da qual ele justificavelmente crê que algo que acontece é verdadeiro, e chega deste modo a uma crença verdadeira justificada que não é conhecimento.Que resposta poderá ser dada a estes infames mas ligeiramente irritantes exemplos contrários? Parece haver três vias possíveis:
1 encontrar algum meio de demonstrar que os exemplos contrários não funcionam;
2 aceitar os exemplos contrários e tentar encontrar um complemento à análise tripartida que os exclui;
3 aceitar os exemplos contrários e alterar a análise tripartida para os incluir em vez de lhe acrescentar o que quer que seja.
O restante prende-se com a primeira via.
Em que princípios de inferência se baseiam estes exemplos contrários? O próprio Gettier apresenta dois. Para que os exemplos funcionem, deve ser possível que uma crença falsa continue a ser justificada; e uma crença justificada deve justificar qualquer crença que ela implique (ou que se creia justificadamente que implique). Este último é precisamente o princípio da oclusão POj acima mencionado na discussão do cepticismo (1.2). Portanto, se pudéssemos mostrar que POj é falso, isto teria o duplo efeito de destruir os exemplos contrários de Gettier bem como (pelo menos em parte) o primeiro argumento céptico. Poderia ser, contudo, possível construir novas variantes do tema Gettier que não se baseiam na inferência ou numa inferência deste tipo, como veremos a seguir, e sendo assim não há queixas acerca do PO% ou de outros princípios que venham a ser muito eficientes.
Uma coisa que não podemos fazer é rejeitar os exemplos contrários de Gettier como forjados e artificiais. São perfeitamente eficientes nos seus próprios termos. Mas poderíamos sensatamente perguntar de que serve cansar o cérebro a descobrir uma definição aceitável de «a sabe que p». Será isto mais do que um mero exercício técnico? O que nos desconcertaria no facto de não conseguirmos elaborar uma definição à prova de problemas? Muitas das inúmeras dissertações escritas em resposta a Gettier dão a impressão de que responder a Gettier é uma espécie de jogo filosófico privado, que não tem qualquer interesse a não ser para os jogadores. E não nos demonstrou afinal Wittgenstein que um conceito pode ser perfeitamente legítimo sem ser definível, argumentando que não é indispensável que exista qualquer elemento comum a todos os casos de uma propriedade (p. ex. casos de conhecimento) para além do facto de serem casos (p. ex. de que são conhecimento)? (Cf. Wittgenstein, 1969b, pp. 17-18, e 1953, §§ 66-7.) Então o que é que poderia afinal depender do nosso êxito ou malogro para descobrir condições necessárias e suficientes para o conhecimento?
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Jonathan Dancy (1990), Epistemologia Contemporânea, Ed.70, Lx
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