quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Proposta de correção do teste de de 5 Novembro



Versão A

ARGUMENTAR (1-60/2 e 3 -70 Pontos – Total 200 Pontos)

Grupo I

1. Os céticos apresentam razões para duvidar da verdade do conhecimento, uma das razões, aquela que está implícita no texto, é apelidada de argumento da regressão infinita. Este argumento põe em causa a justificação do conhecimento pois afirma que nenhum conhecimento está justificado, logo, não pode haver conhecimento, visto que a justificação é uma condição necessária para que este aconteça. O argumento parte do princípio de que para justificar qualquer crença é preciso fazê-lo apelando a outra crença, ora haverá sempre uma crença que é um ponto de partida e que não está justificada, sendo assim não podemos confiar em nenhum conhecimento pois não existe qualquer justificação última que suporte a cadeia de justificações. Descartes supera este argumento cético com a demonstração do cogito como uma crença fundante/básica que se autojustifica pois para duvidar é preciso pensar e não há necessidade, por isso, de procurar mais nenhuma justificação para o ato puro do pensamento visto ele se apresentar de uma forma evidente e inquestionável.  

2. A ideia do cogito “ Penso, logo existo” surge com clareza e distinção de modo a ser de tal modo evidente que o pensamento só a poderia considerar verdadeira, pois não poderia ser de outro modo. A ideia do cogito não surge de uma dedução mas de uma intuição, como uma certeza que nada poderia mudar nem nenhuma dúvida afetar. A certeza de ser um ser pensante é mais evidente do que a certeza de ter um corpo, pois essa certeza de ter um corpo não resiste à dúvida. Descartes compreende com o Cogito que a verdade é um acordo da razão consigo própria, e só a razão é juiz do conhecimento e pode distinguir o verdadeiro do falso. Compreende ainda através do cogito que o conhecimento humano é possível pois a verdade encontra-se claramente demonstrada a partir dessas verdades primárias (metafísicas), ou crenças básicas. A partir dessas crenças básicas, certezas que não precisam de outras crenças para se justificarem porque pelo pensamento concebe-se claramente que se autojustificam. Assim, a partir de fundamentos seguros é possível deduzir com segurança outras certezas metafísicas, como a existência de Deus e a distinção corpo/alma. Poder-se-ia conhecer outras verdades sobre as ciências por simples raciocínio dedutivo  e, deste modo reconstruir todo o edifício do conhecimento que se encontrava destruído pelas dúvidas céticas.

 

Através do método da dúvida sobre as fontes do conhecimento, Descartes encontra a sua primeira verdade indubitável: “Penso, logo existo”. O Cogito é uma ideia evidente, clara, distinta e inata, a primeira crença básica a priori da filosofia cartesiana. Permite-nos inferir que é possível um conhecimento a priori que não necessita da justificação da experiência e que se fundamenta apenas na razão. Permite-nos também concluir que é verdadeiro tudo o que se apresente com clareza e distinção à razão, isto é todas as ideias evidentes que a razão vê claramente que não poderiam ser de outro modo e não se confundem ou derivam de outras ideias. A partir desta crença básica é possível construir os alicerces seguros do conhecimento de modo a escapar ao ceticismo.

Objeções: Não podemos conhecer nada do mundo a partir do cogito, logo ele não é um bom fundamento para todo o conhecimento em geral.

 

3.

A definição tradicional de conhecimento coloca três condições necessárias para a definição; Ter uma crença, que essa crença seja verdadeira e que esteja bem justificada com razões. Essas três condições são necessárias e nenhuma delas por si é suficiente. Porque é necessário ter uma crença? Porque o conhecimento corresponde a um estado mental em que se S sabe que P, então acredita nisso que sabe. Seria contraditório afirmar que S sabe que P, e ao mesmo tempo não acredita no que sabe. Exemplo: Sei que o mar tem ondas, mas não acredito nisso. Portanto, saber P implica uma crença, S acredita em P. Também é necessário que essa crença seja verdadeira, porque o conhecimento não depende da convicção com que o sujeito acredita em P (sendo P uma qualquer proposição) P tem que ser do mesmo modo como S acredita, o conhecimento é factivo. Se, por outro lado, esta crença em P não tem qualquer justificação, não há boas  razões para acreditar que P é verdadeira então, também não há conhecimento, há apenas um palpite, uma suposição ao acaso.
Por outro lado não é suficiente ter apenas uma crença para ter conhecimento porque nem todas as crenças são conhecimento, como por exemplo “Acredito em Extraterrestres”, acreditar não é o mesmo que saber que existem. Também não é suficiente ter uma crença verdadeira para ter conhecimento porque uma crença pode ser verdadeira por acaso, e o conhecimento não pode ser por acaso, e por outro lado não é suficiente ter uma boa justificação, podemos ter boas justificações para acreditar em falsidades, depende dos nossos estados cognitivos. Aristóteles tinha razões para acreditar que a Terra era plana, e a Terra não é plana. Objeções: Contraexemplos de Gettier em que se coloca a possibilidade de estarem as três condições satisfeitas e mesmo assim não haver conhecimento pois não há uma relação causal entre a justificação e o que torna a crença verdadeira.

 

Grupo III

PROBLEMATIZAR (2x10)

1-O problema aflorado no texto diz respeito à dúvida na perceção sensorial das coisas corpóreas; Descartes afirma que essas perceções são obscuras e confusas e que, por isso, podem não corresponder ao modo como as coisas corpóreas são. Os sentidos captam certas propriedades que são transitórias e particulares, como o tamanho de uma vela, que pode ser grande ou pequeno, de uma matéria que se altera com o calor e que não permanece sempre igual não havendo forma de ter um conhecimento claro e distinto dos particulares. Podemos compreender, no entanto, como diz no texto, que as coisas corpóreas têm todas certas propriedades gerais que são universais e que podem ser conhecidas matematicamente como a sua extensão, posição e forma. O texto chama a atenção para o problema da racionalização do mundo corpóreo que pode ser conhecido com rigor pela sua extensão e que essa é a substância que todas as coisas corpóreas têm, por oposição ao pensamento que não tem extensão.

 

2-O Argumento utilizado para provar a existência de Deus é o seguinte:  Vejo claramente que sou imperfeito porque erro muito e há mais perfeição em quem não erra do que em quem erra. Qual então a causa da minha ideia de perfeição? Não posso ser eu, que sou imperfeito, não pode ser a natureza que não sei se existe, e não me parece mais perfeita que eu. A causa deve ser mais perfeita que a ideia  (por princípio a causa é mais perfeita que a cópia, sendo que Deus é a origem da ideia, neste aspeto a ideia tem menos ser que a sua origem ou causa) a causa só pode existir, visto que nenhuma ideia existe sem uma causa. Logo, a causa da minha ideia de perfeito só pode ser um ser com todas as perfeições, esse ser só pode ser Deus.

 

O argumento é circular. Como posso ter a certeza que não me engano quando penso que sou imperfeito? Só posso ter a certeza de que existo, ora, não posso ter a certeza dos meus raciocínios pois a possibilidade de existência de um "génio maligno" ainda não foi afastada, sendo assim nenhum raciocínio terá validade e a prova da existência de Deus é uma dedução, não uma intuição, é portanto um raciocínio com premissas e conclusão.   Se sei que existe Deus a partir de um raciocínio, é porque pressuponho que existe um Deus antes mesmo de o provar, pois só a existência de Deus me pode dar a garantia da validade dos meus raciocínios na medida em que afasta a possibilidade de um "génio maligno" enganador. Existe, então, um raciocínio  circular, uma petição de princípio no argumento que prova a existência de Deus. Muitos filósofos consideram o argumento da prova da existência de Deus falacioso, uma petição de princípio, um desses filósofos é David Hume. Portanto, para concluir trata-se de, por um lado, preciso de Deus para confiar nas minhas ideias e raciocínios e, por outro lado,  é através delas que  provo a existência de Deus.

 

Versão B

Grupo I

1. No texto há uma referência à dúvida metódica, que consiste num método de examinar todas as fontes do nosso conhecimento considerando falsa toda a crença que se pudesse apresentar com um certo grau de dúvida. Com este método é possível duvidar das perceções dos sentidos, da realidade e até de Deus. Descartes conclui, no entanto que se duvida é necessário, isto é, não pode deixar de existir enquanto substância pensante. O cogito consiste assim na intuição de um conhecimento que se apresenta de forma tão clara e distinta à razão que não pode deixar de ser verdadeiro. Este modelo de clareza e distinção vai ser o critério de verdade de todo o conhecimento e aplicado a todas as ciências. O cogito apresenta-se como uma crença fundante que se auto justifica e, deste modo, demonstra a falsidade do argumento cético da regressão infinita.

2. As três crenças básicas que Descartes coloca como fundantes de todo o conhecimento são: A noção de que se penso existo, e que sendo o pensamento mais evidente que a existência da substância corpórea, infere-se que são duas substâncias distintas  que interagem mas não se mistura. O corpo é de uma substância que ocupa espaço, forma e posição, apelidada de substância extensa enquanto a substância pensante não tem nenhuma destas qualidades. Para que o sistema cartesiano fique completo, isto é, possa superar as dúvidas e voltar a confiar nos raciocínios e na existência de um mundo fora da mente. É necessário que exista um Deus que não seja enganador e que possa conferir substância aos pensamentos, logo terá de existir um Deus omnipresente, omnipotente e omnisciente.

Objeções: O cogito parece uma verdade incontornável, quanto às outras verdades são questionáveis.

O corpo e o pensamento(alma) serem substâncias diferentes parece contrariar a noção de que o pensamento é algo que surge do nada e não precisa de uma entidade que o produza.

A existência de Deus, podemos colocar em causa as provas dadas por Descartes pois são insuficientes para provar a existência de Deus.

3. (Igual à versão A)

Grupo III

1. Igual nas duas versões

2. O problema do ceticismo é tentar demonstrar com argumentos que o conhecimento verdadeiro não é possível porque não há forma de sabermos que determinada crença é verdadeira, as crenças que temos não estão justificadas (regressão infinita), ou haverá sempre acerca do mesmo assunto uma tal diversidade de opiniões que não há autoridade imparcial ou critério que possa saber que tem razão.

Poderia considerar-se que o ceticismo se contradiz, uma vez que nega ao homem o acesso à verdade e se coloca como uma teoria verdadeira.

Por outro lado, a atitude da dúvida permite ser crítica em relação ao conhecimento e assim recusar falsas crenças.

A dúvida metódica foi a forma encontrada por Descartes para superar as dúvidas e as incertezas dos céticos que punham em causa a possibilidade de um conhecimento verdadeiro. Com a dúvida metódica, Descartes conseguiu demonstrar que há verdades indubitáveis e que se auto justificam, isto é, não necessitam de outras crenças para se justificarem, assim contraria o argumento da regressão infinita utilizado pelos céticos para criticar o conhecimento, estes defendiam que nenhuma crença estava justificada porque necessitava sempre de outra que a justificasse e, assim ou haveria uma crença fundante que não precisava de nenhuma outra para se justificar (como pensa Descartes) ou então não seria possível o conhecimento visto que, as crenças que constituem o conhecimento não se podiam justificar.

 

 

 

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO

 


Temas para os trabalhos de cidadania e desenvolvimento:

1. Apresentação do trabalho com diapositivos dia 2 Dezembro em Filosofia/Inglês e Espanhol

Cada grupo irá apresentar o seu tema recorrendo à exposição oral e à utilização de diapositivos.


Tema geral: DIREITOS HUMANOS

Temas específicos: 

TEMA 1 - História da Amnistia Internacional. Investigação sobre os casos de violação dos Direitos humanos estabelecidos na agenda deste ano. Divulgação junto das turmas do básico e secundário de todo o agrupamento. Problema: Divulgar um trabalho. Como divulgar e sensibilizar a comunidade para os direitos humanos?

TEMA 2 - Investigação sobre personalidades que se destacaram ao longo da história na luta por certos direitos. Exemplos: Aristides de Sousa Mendes, Nelson Mandela, Gandhi (procurar outros exemplos). Problema: Como conseguiram mudar a forma de atuação dos sistemas políticos? Será que a personalidade é importante ou mais importante é o contexto social de revolta que faz nascer certos líderes?

TEMA 3 - Filósofos que se destacaram pela luta na rua a favor de melhores condições de vida e mudança de valores (engagement) e cujas obras foram a vanguarda das lutas e revoluções por mais justiça. Problema: Qual o contributo das ideias/filosofia para mudar o estado da vida social e política das pessoas? Será que o filósofo devia ser mais interventivo social e politicamente?

TEMA 4 - Estudo de casos de violação de direitos na sociedade atual em Portugal. Exemplos: Violência  doméstica, trabalho escravo; crimes de racismo e xenofobia, discriminação dos idosos. Estudo de um ou dois casos conhecidos pelos alunos. Problema: A que problemas socio/económicos e culturais estão associados os crimes de violação dos direitos humanos?

TEMA 5 - A circunstância em que se deu a carta dos direitos humanos. História e conteúdo da carta. Incongruências do processo. Problemas: Uma carta dos países ricos? Uma carta de boas intenções? Terá algum impacto prático na vida das pessoas a existência de tal carta?

TEMA 6 -Reportagem em fotografia e vídeo sobre a vinda da organização da Amnistia Internacional à escola. Estudo de outras organizações que tenham uma prática de luta pelos direitos humanos. Problema: Quais os problemas que este tipo de organização enfrentam? A Indiferença será um problema?


2ª PARTE DO TRABALHO: DIA 10 DEZEMBRO

Apresentação dos casos para poder exigir a libertação de alguns presos políticos.

Sensibilização dos colegas  para a assinaturas das petições.

Ida às turmas fazer a apresentação.


Texto para análise/resumo Tiago 11A e Carolina 11B


Você começou agora a ler este livro. Ou assim pensa. Mas está certo que está realmente a ler o livro? Como sabe se não está meramente a sonhar ou a ter uma alucinação vívida? Como sabe se não está de facto preso numa realidade virtual extremamente sofisticada de um programa de computador, como os personagens do filme The Matrix?
Perante isto, talvez esteja já tentado a parar a leitura, convencido de que estas questões são frívolas, próprias provavelmente para uma conversa fora de horas, à mistura com umas cervejas, mas não para um livro de filosofia sério (…). No entanto, não há filósofo mais sério do que René Descartes (1596-1650) – o próprio pai da filosofia moderna, como é em geral conhecido – e ele tomou estas questões (exceto, obviamente, a referência ao Matrix) como sendo de profunda importância, pois elas formam, na sua perspetiva, o ponto de partida de uma linha de investigação que não apenas lança os fundamentos do conhecimento científico, mas revela também a verdadeira natureza da mente humana e a sua relação com o mundo material (…)

Assim, com a sua curiosidade agora aguçada, regressemos à questão que Descartes pensava ter estas implicações profundas: como sabe se está realmente a ler este livro?

Sem dúvida que a sua primeira reação é dizer simplesmente que é óbvio que está a ler o livro, pois, na verdade, pode vê-lo nas suas mãos, sentir as suas páginas, cheirar a tinta e ouvir os seus dedos a deslizar pelo papel. Se para aí estivesse inclinado, poderia até saborear os químicos presentes no papel e na tinta. Em qualquer caso, a razão para acreditar que está a ler o livro é que está a ter o tipo de experiências que esperaria ter ao ler um livro. Os seus sentidos dizem-lhe que está a ler o livro; portanto, tem de estar a ler o livro.

Há um problema com esta resposta que podemos descortinar se fizermos uma comparação com o seguinte exemplo. Suponha que Frederico lhe diz que irá haver uma festa este Sábado em casa da Etelvina e que você sabe que Frederico costuma mentir, embora seja convincente a mentir. Ocasionalmente ele diz a verdade, mas mente muitas vezes, mesmo quando se trata de um assunto trivial. Quer num caso, quer noutro, a sua postura não se altera, parecendo sempre sincero. Dado que Frederico é a sua única fonte de informação, tem você fortes razões para acreditar que haverá uma festa este Sábado em casa da Etelvina? Certamente que não. Não o sabe com certeza, porque a sua única fonte de informação, a palavra de Frederico - com toda a sua aparência de sinceridade - seria exatamente a mesma caso haja realmente festa ou não.

Ora, nós estamos, parece, exatamente nesta situação no que toca aos nossos sentidos. Eles “dizem-nos” coisas a todo o momento e o modo como nos falam é muito convincente – “ver para crer”, como diz o ditado, pois é mais difícil duvidar de algo precisamente quando diante dos nossos olhos. Apesar disso, há casos bem conhecidos em que aquilo que a nossa experiência nos diz não é de todo real. Você pode ter a experiência de ser perseguido por um assassino empunhando uma faca, do seu coração a bater com força e de um grito a vir do fundo da sua garganta. Aterrado, reflete sobre a possibilidade de se tratar de um pesadelo , mas sendo tão vívido, não pode ser; e no instante em que a faca se enfia no seu corpo… você acorda. Pensava que que os seus sentidos lhe estavam a dizer que a sua vida corria perigo iminente, mas estava enganado. De facto, não poderia estar mais a salvo, enroscado na sua cama, a dormir e a sonhar.

Edward Feser, Philosophy of mind. A beginner’s guide. (Oxford, 2006). Trad. Carlos Marques.

Descartes e o filme "Matrix"




Um filme que se aproxima significativamente da situação do demónio mau [de Descartes] no que diz respeito à profundidade da dissimulação que apresenta é The Matrix (Andy e Larry Wachowski, 1999). A premissa deste filme é a de que a maior parte da humanidade foi escravizada por uma raça de máquinas inteligentes que usam corpos humanos como fontes de energia. Contudo, aqueles que se encontram neste estado ignoram completamente a sua situação real. Tudo parece normal porque um super-computador os alimenta com uma realidade simulada ('o Matrix'). Apenas alguns rebeldes conseguiram escapar a esta escravização e estão em condições de oferecer resistência às máquinas. Assim, no começo do filme, antes de escapar do Matrix, tudo o que o personagem principal, Neo (Keanu Reeves), experimenta e toma como real é, de facto, uma ilusão gerada por computador. (…)O líder dos rebeldes, Morfeu (Lawrence Fishburne), (…) [que] entra no Matrix para trazer Neo para a causa da resistência, (…) oferece ao nosso herói a oportunidade de 'acordar' da sua ilusão. O enigma que ele coloca é puro Descartes: 'Já tiveste algum sonho, Neo, de que estivesses convencido que era real? E se não conseguisses acordar desse sonho? Como saberias a diferença entre o mundo do sonho e o mundo real?'
(…) em The Matrix, nós, como Neo inicialmente, não temos qualquer ideia de que o mundo em que Neo habita é uma ilusão, e ficamos tão desorientados como ele quando a situação é de repente revelada.
O argumento do demónio de Descartes pode ser facilmente reformulado em termos retirados de The Matrix - pode ou não acontecer que tudo aquilo de que temos experiência, tudo de que até agora tivemos experiência, mesmo aquilo que tomamos como verdades lógicas básicas, ser uma fabricação gerada por um supercomputador? E o efeito desta questão é igualmente o de colocar em dúvida, de um modo extremamente radical, o que a nossa experiência nos diz acerca do mundo.

Christopher Falzon, Philosophy Goes To The Movies. An Introduction To Philosophy. London and New York, 2002. Trad. Carlos Marques.

Proposta de correção do 1º Teste

 


PROPOSTA DE CORREÇÃO DO TESTE DE 4 DE NOVEMBRO 2021

 

Grupo II

ARGUMENTAR

 

1. Os céticos apresentam razões para duvidar da verdade do conhecimento, uma das razões, aquela que está implícita no texto, é apelidada de argumento da regressão infinita. Este argumento põe em causa a justificação do conhecimento pois afirma que nenhum conhecimento está justificado, logo, não pode haver conhecimento, visto que a justificação é uma condição necessária para que este aconteça. O argumento parte do princípio de que para justificar qualquer crença é preciso fazê-lo apelando a outra crença, ora haverá sempre uma crença que é um ponto de partida e que não está justificada, sendo assim não podemos confiar em nenhum conhecimento pois não existe qualquer justificação última que suporte a cadeia de justificações. Descartes supera este argumento cético com a demonstração do cogito como uma crença fundante/básica que se autojustifica pois para duvidar é preciso pensar e não há necessidade, por isso, de procurar mais nenhuma justificação para o ato puro do pensamento visto ele se apresentar de uma forma evidente e inquestionável.  

 

2 .A ideia do cogito “ Penso, logo existo” surge com clareza e distinção de modo a ser de tal modo evidente que o pensamento só a poderia considerar verdadeira, pois não poderia ser de outro modo. A ideia do cogito não surge de uma dedução mas de uma intuição, como uma certeza que nada poderia mudar nem nenhuma dúvida afetar. A certeza de ser um ser pensante é mais evidente do que a certeza de ter um corpo, pois essa certeza de ter um corpo não resiste à dúvida. Descartes compreende com o Cogito que a verdade é um acordo da razão consigo própria, e só a razão é juiz do conhecimento e pode distinguir o verdadeiro do falso. Compreende ainda através do cogito que o conhecimento humano é possível pois a verdade encontra-se claramente demonstrada a partir dessas verdades primárias (metafísicas), ou crenças básicas. A partir dessas crenças básicas, certezas que não precisam de outras crenças para se justificarem porque pelo pensamento concebe-se claramente que se autojustificam. Assim, a partir de fundamentos seguros é possível deduzir com segurança outras certezas metafísicas, como a existência de Deus e a distinção corpo/alma. Poder-se-ia conhecer outras verdades sobre as ciências por simples raciocínio dedutivo  e, deste modo reconstruir todo o edifício do conhecimento que se encontrava destruído pelas dúvidas céticas.

 

Através do método da dúvida sobre as fontes do conhecimento, Descartes encontra a sua primeira verdade indubitável: “Penso, logo existo”. O Cogito é uma ideia evidente, clara, distinta e inata, a primeira crença básica a priori da filosofia cartesiana. Permite-nos inferir que é possível um conhecimento a priori que não necessita da justificação da experiência e que se fundamenta apenas na razão. Permite-nos também concluir que é verdadeiro tudo o que se apresente com clareza e distinção à razão, isto é todas as ideias evidentes que a razão vê claramente que não poderiam ser de outro modo e não se confundem ou derivam de outras ideias. A partir desta crença básica é possível construir os alicerces seguros do conhecimento de modo a escapar ao ceticismo.

Objeções: Não podemos conhecer nada do mundo a partir do cogito, logo ele não é um bom fundamento para todo o conhecimento em geral.

 

 

3.

A definição tradicional de conhecimento coloca três condições necessárias para a definição; Ter uma crença, que essa crença seja verdadeira e que esteja bem justificada com razões. Essas três condições são necessárias e nenhuma delas por si é suficiente. Porque é necessário ter uma crença? Porque o conhecimento corresponde a um estado mental em que se S sabe que P, então acredita nisso que sabe. Seria contraditório afirmar que S sabe que P, e ao mesmo tempo não acredita no que sabe. Exemplo: Sei que o mar tem ondas, mas não acredito nisso. Portanto, saber P implica uma crença, S acredita em P. Também é necessário que essa crença seja verdadeira, porque o conhecimento não depende da convicção com que o sujeito acredita em P (sendo P uma qualquer proposição) P tem que ser do mesmo modo como S acredita, o conhecimento é factivo. Se, por outro lado, esta crença em P não tem qualquer justificação, não há boas  razões para acreditar que P é verdadeira então, também não há conhecimento, há apenas um palpite, uma suposição ao acaso.
Por outro lado não é suficiente ter apenas uma crença para ter conhecimento porque nem todas as crenças são conhecimento, como por exemplo “Acredito em Extraterrestres”, acreditar não é o mesmo que saber que existem. Também não é suficiente ter uma crença verdadeira para ter conhecimento porque uma crença pode ser verdadeira por acaso, e o conhecimento não pode ser por acaso, e por outro lado não é suficiente ter uma boa justificação, podemos ter boas justificações para acreditar em falsidades, depende dos nossos estados cognitivos. Aristóteles tinha razões para acreditar que a Terra era plana, e a Terra não é plana.

 

Grupo III

PROBLEMATIZAR

1-O problema aflorado no texto diz respeito à dúvida na perceção sensorial das coisas corpóreas; Descartes afirma que essas perceções são obscuras e confusas e que, por isso, podem não corresponder ao modo como as coisas corpóreas são. Os sentidos captam certas propriedades que são transitórias e particulares, como o tamanho de uma vela, que pode ser grande ou pequeno, de uma matéria que se altera com o calor e que não permanece sempre igual não havendo forma de ter um conhecimento claro e distinto dos particulares. Podemos compreender, no entanto, como diz no texto, que as coisas corpóreas têm todas certas propriedades gerais que são universais e que podem ser conhecidas matematicamente como a sua extensão, posição e forma. O texto chama a atenção para o problema da racionalização do mundo corpóreo que pode ser conhecido com rigor pela sua extensão e que essa é a substância que todas as coisas corpóreas têm, por oposição ao pensamento que não tem extensão.

 

2-O Argumento utilizado para provar a existência de Deus é o seguinte:  Vejo claramente que sou imperfeito porque erro muito e há mais perfeição em quem não erra do que em quem erra. Qual então a causa da minha ideia de perfeição? Não posso ser eu, que sou imperfeito, não pode ser a natureza que não sei se existe, e não me parece mais perfeita que eu. A causa deve ser mais perfeita que a ideia  (por princípio a causa é mais perfeita que a cópia, sendo que Deus é a origem da ideia, neste aspeto a ideia tem menos ser que a sua origem ou causa) a causa só pode existir, visto que nenhuma ideia existe sem uma causa. Logo, a causa da minha ideia de perfeito só pode ser um ser com todas as perfeições, esse ser só pode ser Deus.

 

O argumento é circular. Como posso ter a certeza que não me engano quando penso que sou imperfeito? Só posso ter a certeza de que existo, ora, não posso ter a certeza dos meus raciocínios pois a possibilidade de existência de um "génio maligno" ainda não foi afastada, sendo assim nenhum raciocínio terá validade e a prova da existência de Deus é uma dedução, não uma intuição, é portanto um raciocínio com premissas e conclusão.   Se sei que existe Deus a partir de um raciocínio, é porque pressuponho que existe um Deus antes mesmo de o provar, pois só a existência de Deus me pode dar a garantia da validade dos meus raciocínios na medida em que afasta a possibilidade de um "génio maligno" enganador. Existe, então, um raciocínio  circular, uma petição de princípio no argumento que prova a existência de Deus. Muitos filósofos consideram o argumento da prova da existência de Deus falacioso, uma petição de princípio, um desses filósofos é David Hume. Portanto, para concluir trata-se de, por um lado, preciso de Deus para confiar nas minhas ideias e raciocínios e, por outro lado,  é através delas que  provo a existência de Deus.