O primeiro carácter do conhecimento científico, reconhecido até por cientistas e filósofos das mais diversas correntes, é a objectividade,
no sentido de que a ciência intenta afastar do seu domínio todo o
elemento afectivo e subjectivo, deseja ser plenamente independente dos
gostos e das tendências pessoais do sujeito que a elabora. Numa palavra,
o conhecimento verdadeiramente científico deve ser um conhecimento
válido para todos. A objectividade da ciência, por isso, pode ser
também, e talvez melhor, chamada intersubjectividade, até
porque a evolução recente da ciência, e especialmente da Física, mostrou
a impossibilidade de separar adequadamente o objecto do sujeito e de
eliminar completamente o observador. Este reconhecimento que é essencial
na teoria da relatividade e na nova Física quântica,
torna o carácter da objectividade mais complexo e problemático do que
parecia no século [XIX]; todavia, não elimina de modo algum da ciência o
propósito radicalmente objectivo.
Outro carácter universalmente conhecido é a positividade,
no sentido de uma plena aderência aos factos e de uma absoluta
submissão à fiscalização da experiência. (...). O conceito de
positividade como recurso à experiência e adesão aos factos era ainda
mais vago, e, nesse tempo (no século [XIX]), demasiado restrito, não só
em Filosofia, como no própria ciência; o que teria, por exemplo,
excluído perentória e definitivarnente a astrofísica e toda a teoria
atómica das quais os cientistas tiveram que reconhecer a legitimidade.
Só recentemente, por obra de Einstein, e mais explicitamente de Heisenberg, a positívidade da ciência se precisou na operatividade
dos conceitos científicos, segundo a qual um conceito não tem direito
de cidadania ern ciência se não for definido mediante uma série de
operações físicas, experiências e medidas ao menos idealmente possíveis.
Tal precisão permite, por um lado, reconhecer claramente a não
positividade de conceitos como o de espaço e de tempo absolutos e, por
outro lado, admitir como positivos elementos não efectivamente
experimentáveis, quando a não experimentalidade é devida à
impossibilidade prática e não teórica, como a noção de ciclo
perfeitamente reversível a toda a astrofísica. Tal previsão, além disso,
permite compreender também a positividade da matemática.
(...) Não no mesmo sentido das ciências experimentais. Introduzindo o
conceito de operatividade, a positividade da matemática significa que as
suas noções são implicitamente definidas pelo conjunto de axiomas e postulados formulados na sua base e segundo os quais as noções são utilizáveis.
O terceiro carácter do conhecimento científico reside na sua racionalidade.
Não obstante a oposição de toda a corrente ernpirista, a ciência
moderna é essencialmente racional, isto é, não consta de meros elementos
empíricos mas é essencialmente uma construção do intelecto. (...) A
ciência pode ser definida como urn esforço de racionalização do real;
partindo de dados empíricos,
através de sínteses cada vez mais vastas, o cientista esforça-se por
abraçar todo o domínio dos factos que conhece num sistema racional, no
qual de poucos princípios simples e universais possam logicamente
deduzir-se as leis experimentais mais particulares de campos à primeira
vista aparentemente heterogéneos.
Além
disto, os cientistas modernos verificam unanimemente no conhecimento
científico um carácter muito alheio à mentalidade científica do século
[XIX], o da revisibilidade. Não há nem nas ciências
experimentais, nem mesmo na matemática, posições definitivas e
irreformáveis. Toda a verdade científica aparece, em certo sentido, como
provisória, susceptível de revisão, de aperfeiçoamento, às vezes mesmo
de uma completa reposição em causa. Todos os conhecimentos científicos
são aproximados, quer pela imperfeição das observações experimentais em
que se fundam, quer pela necessária abstracção
e esquematização com que são tratados. Os conceitos de adequação total e
perfeita devem ser substituídos pelos de aproximação e validez
limitada. Esta nova mentalidade científica que deve ser mantida num só
equilíbrio é principalmente o fruto de numerosas crises e revoluções da
ciência (...).
Finalmente, um último carácter do conhecimento científico é a autonomia relativamente à Filosofia e à fé.
A ciência tem o seu próprio campo de estudo, o seu método próprio de
pesquisa, uma fonte independente de informações que é a Natureza. (...)
Isto não significa que a Filosofia não possa e não deva levar a termo
uma indagação crítica sobre a natureza da ciência, sobre os seus métodos
e os seus princípios [uma indagação levada a cabo pela Epistemologia )
e que o cientista não possa tirar vantagem do conhecimento reflexivo,
filosófico e crítico da sua mesma actividade de cientista. (...) Mas em
nenhum caso a ciência poderá dizer-se dependente de um sistema
filosófico ou poderá encontrar numa tese filosófica uma barreira-limite
que impeça a priori
a aplicação livre e integral do seu método de pesquisa. E o mesmo se
dirá no que respeita à fé: ela poderá constituir uma norma directriz e
prudencial para o cientista, enquanto homem e crente, nunca será uma
norma positiva ou restritiva para a ciência enquanto tal.
F. Selvaggi, Enciclopédia Filosófica.