quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Objeções ao critério de demarcação




O critério da demarcação

Também podemos ver, novamente sem grande rigor, como a ideia de falsificação leva à solução de Popper para o segundo problema e encontrar uma distinção entre ciência e pseudociência. Caracterizar esta distinção - mostrar 'o critério de demarcação', como Popper o designa - ajudar-nos-á a compreender o que é a ciência. Conduzir-nos-á também a pôr sob dúvida práticas a que se dá por vezes demasiada atenção, em particular, aquelas que se confundem com a ciência. Popper trabalhou por uns tempos com o freudiano Alfred e é esclarecedor, neste contexto, dizer algumas palavras sobre o freudianismo.
Suponhamos que eu o incomodo a si com a minha teoria freudiana de que o desejo sexual inconsciente por figuras maternas está na base do comportamento masculino. Eu exijo-lhe provas e dirigimo-nos a um bar para observar o modo como os clientes interagem com o homem e com a mulher que estão ao balcão. Um cliente homem escolhe a mulher quando decide pedir uma bebida e eu exclamo 'Ah ah! O seu desejo inconsciente pela mãe levou-o a interagir primeiro com ela! Isto prova a minha teoria.' Mas se as coisas tivessem acontecido de maneira diferente e o cliente se tivesse dirigido ao homem atrás do balcão, eu poderia dizer também sem dificuldade 'Ah ah! Ele está a tentar ultrapassar o seu desejo pela mãe evitando a mulher do bar! Isto prova a minha teoria.'
O problema em Freud e até certo ponto, na ótica de Popper, em Marx, é que as perspetivas destes não são falsificáveis. Uma hipótese freudiana não tem consequências empíricas e é por isso que devemos hesitar em considerá-las científica. O que distingue a ciência da mera pseudociência como o freudianismo é precisamente a testabilidade das hipóteses científicas. As teorias científicas têm consequências que podemos inspecionar através da observação. (…)

Dificuldades da perspetiva de Popper
Há todo um conjunto de preocupações associadas à conceção da ciência de Popper, apesar de ele ter contornado o problema da indução e de ter conseguido distinguir a ciência dos pretensos candidatos a esse estatuto. Podemos perceber as dificuldades ao pensar como é que a perspetiva falsificacionista funciona supostamente na prática. Por exemplo, devemos pensar nos cientistas como alguém que tenta genuinamente falsificar, e não provar, as suas teorias? (…)
deve esperar-se que acreditemos que os cientistas devam ser ou sejam falsificacionistas? Dão eles saltos de alegria quando descobrem que a teoria sobre a qual trabalham, porventura à décadas, é falsa? Devia ser assim? Não é descabido pensar que os esforços de Popper para evitar o problema da indução o fizeram cair em algo que não se parece com a ciência tal como é praticada ou mesmo tal como deve ser praticada. Uma olhadela à história da ciência chega para sugerir que os próprios cientistas não pensam que o seu trabalho consiste em remover falsidades, mas em encontrar verdades. Seja como for, a perspetiva de Popper parece ignorar a dimensão social da ciência tal como esta é praticada, um facto explorado por filósofos posteriores como Thomas Khun e Paul Feyerabend.

James Garvey, The Twenty Greatest Philosophy Books (London, 2006). Trad. Carlos Marques.
Imagem: tradução inglesa da obra A Lógica da Descoberta Científica.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Ciência e pseudociência (excerto)

A crítica de Popper às teorias pseudo científicas

Naquela época, não estava preocupado com as questões _Quando é verdadeira uma teoria? Ou: Quando é aceitável uma teoria? O Meu problema era outro. Desejava traçar uma distinção entre a ciência e a pseudociência, pois sabia muito bem que a ciência frequentemente comete erros, ao passo que a pseudociência pode encontrar acidentalmente a verdade. Conhecia, evidentemente, a resposta mais comum dada ao problema: a ciência distingue-se da pseudociência - ou _metafísica_ - pelo uso do método empírico, essencialmente indutivo, que decorre da observação ou da experimentação. Mas essa resposta não me satisfazia. Pelo contrário, formulei muitas vezes o meu problema como a procura de uma distinção entre o método genuinamente empírico e o não empírico ou mesmo pseudo-empírico - isto é, o método que, embora se utilize da observação e da experimentação, não atinge o padrão cientifico. Um exemplo deste método seria a astrologia, que tem um grande acervo de evidências empíricas baseadas na observação: horóscopos e biografias. Mas, como não foi o exemplo citado que me levou ao meu problema, creio que seria oportuno descrever brevemente o clima em que ele surgiu e os exemplos que o estimularam. Após o colapso do Império Austríaco, a Áustria havia passado por uma revolução: a atmosfera estava carregada de slogans e ideias revolucionárias; circulavam teorias novas e frequentemente extravagantes. Dentre as que me interessavam, a teoria da relatividade de Einstein era sem dúvida a mais importante; outras três eram a teoria da história de Marx, a psicanálise de Freud e a _psicologia individual_ de Alfred Adler. (…) Durante o verão de 1919, comecei a me sentir cada vez mais insatisfeito com essas três teorias - a teoria marxista da história, a psicanálise e a psicologia individual; passei a ter dúvidas sobre o seu estatuto cientifico. O meu problema assumiu, primeiramente, uma forma simples: _O que estará errado com o marxismo, a psicanálise e a psicologia individual? Por que serão tão diferentes da teoria de Newton e especialmente da teoria da relatividade?_ Para tornar claro esse contraste, devo explicar que, naquela época, poucos afirmariam acreditar na verdade contida na teoria da gravitação de Einstein. O que me incomodava, portanto, não era o facto de duvidar da veracidade daquelas três teorias; também não era o facto de que considerava a física matemática mais exacta do que as teorias de natureza psicológica ou sociológica. O que me preocupava, portanto, não era, pelo menos naquele estágio, o problema da veracidade, da exactidão ou da mensurabilidade. Sentia que as três teorias, embora se apresentassem como ramos da ciência, tinham de facto mais em comum com os mitos primitivos do que com a própria ciência, que se aproximavam mais da astrologia do que da astronomia. Percebi que meus amigos admiradores de Marx, Freud e Adler, impressionavam-se com uma série de pontos comuns às três teorias, e sobretudo com sua aparente capacidade de explicação. Essas teorias pareciam poder explicar praticamente tudo nos seus respectivos campos. O estudo de qualquer uma delas parecia ter o efeito de uma conversão ou revelação intelectual, abrindo os olhos para uma nova verdade, escondida dos ainda não iniciados. Uma vez abertos os olhos, podia-se ver exemplos confirmadores em toda parte: o mundo estava repleto de verificações da teoria. Qualquer coisa que acontecesse vinha confirmar isso. A verdade contida nessas teorias, portanto, parecia evidente; os descrentes eram nitidamente aqueles que não queriam vê-la: recusavam-se a isso para não entrar em conflito com seus interesses de classe ou por causa de repressões ainda não analisadas, que precisavam urgentemente de tratamento. o mais característico da situação parecia ser o fluxo incessante de confirmações, de observações que verificavam as teorias em questão, ponto que era enfatizado (salientado) constantemente: um marxista não abria um jornal sem encontrar em cada página evidência a confirmar sua interpretação da história. Essa evidência era detectada não só nas noticias, mas também na forma como eram apresentadas pelo jornal - que revelava seu preconceito de classe - e sobretudo, é claro, naquilo que o jornal não mencionava. Os analistas freudianos afirmavam que suas teorias eram constantemente verificadas por observações clínicas. Quanto a Adler, fiquei muito impressionado por uma experiência pessoal. Certa vez, em 1919, informei-o de um caso que não me parecia ser particularmente adleriano, mas que ele não teve qualquer dificuldade em analisar nos termos da sua teoria do sentimento de inferioridade, embora nem mesmo tivesse visto a criança em questão. Ligeiramente chocado, perguntei como podia ter tanta certeza. _Porque já tive mil experiências desse tipo_ - respondeu; ao que não pude deixar de retrucar: _Com este novo caso, o número passará então a mil e um… O que queria dizer era que suas observações anteriores podiam não merecer muito mais certeza do que a última; que cada observação havia sido examinada à luz da experiência anterio, somando-se ao mesmo tempo às outras como confirmação adicional.

 Karl R. Popper, Conjecturas e Refutações Brasília: Editora da UnB. 1980.

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Exemplificação do método hipotético e dedutivo.



TEXTO 2 – O MÉTODO CIENTÍFICO

“O salmão prateado nasce nas correntes frias do noroeste do Oceano Pacífico. O pequeno peixe nada até ao Pacífico Sul, onde poderá passar até cinco anos para atingir a maturidade física e sexual. Em seguida, em resposta a algum estímulo desconhecido, volta às correntes frias para desovar. Acompanhando o roteiro do peixe, descobre-se um facto curioso. Ele volta, quase sempre, precisamente ao seu local de origem. Eis aqui um facto-problema que pede explicação. Como é possível que o peixe identifique exatamente o lugar onde nasceu, depois de tantos anos e de percorrer tão longa distância?
            Uma das hipóteses sugeridas para explicar o retorno foi a de que o salmão descobre o caminho de hipotético dedutivo volta reconhecendo objetos que identificou durante a primeira viagem. Se esta hipótese estivesse correta, então, vendando os olhos do salmão, ele não conseguiria voltar. Daí temos:
            H1: o salmão utiliza apenas os estímulos visuais para encontrar o seu caminho de volta.
            Consequência preditiva: o salmão x, com os olhos vendados, não será capaz de voltar.
            Suponha-se que o salmão x, com os olhos vendados, encontre o seu caminho de volta. O resultado dessa experiência falseia a hipótese. Por outro lado, suponha-se que o peixe com os olhos vendados não encontre o caminho de volta. Este resultado seria capaz de verificar, assegurar a verdade da hipótese do estímulo visual? Não. Apenas podemos afirmar que o resultado experimental apoiou a hipótese.(...)
            As experiências realizadas para testar a predição da hipótese acima revelaram que todos os salmões com os olhos vendados conseguiram voltar ao seu lugar de origem, o que desconfirma a hipótese.
            Nova hipótese foi apresentada para explicar o fenómeno. Desta vez pelo Dr. Hasler da Universidade de Wisconsin, EUA, que formulou a hipótese de que o salmão conseguiu voltar ao seu lugar de origem identificando o caminho pelo olfato. Se a hipótese fosse verdadeira, bloqueado o olfato do salmão, ele seria incapaz de identificar o caminho de volta. Daí segue-se:
            H2: o salmão identifica o caminho pelo olfato.
            Predição: bloqueado o olfato, o peixe não será capaz de identificar o caminho.
            Para efetuar o teste da hipótese, o Dr. Hasler realizou experiências com salmões que haviam tido o olfato bloqueado. Os peixes não conseguiram voltar. Esse resultado confirmou a hipótese.”
                                            
Leónidas,  H. Iniciação à lógica e à metodologia das ciências




1- Qual o método usado pelo investigador?
2- Qual o problema com  que o investigador se confrontou?
3- Formule a hipótese que o investigador sugeriu.
4- Que consequências preditivas se inferiram da hipótese?
5- Como submeter as consequências a verificação/experimentação, a fim de confirmar ou refutar a hipótese?


quinta-feira, 17 de janeiro de 2019