Em Defesa do Insensato Gaunilo de Marmoutiers
Por exemplo: diz-se que
algures no oceano há uma ilha a que, por causa da dificuldade (ou antes, da
impossibilidade) de encontrar o que não existe, foi dado o nome «Perdida». E
segundo reza a história esta ilha é abençoada com todo o género de riquezas e
deleites sem preço e em abundância, muito mais do que as Ilhas Felizes e, não
tendo dono nem habitantes, é em tudo superior, na abundância de riquezas, a
todas aquelas terras que os homens habitam. Ora, se alguém me disser que é
assim, facilmente compreendo o que se diz, dado que não há qualquer dificuldade
nisto. Mas se depois me disserem, como se fosse uma consequência lógica disto:
Não podes duvidar que esta ilha, que é mais excelente do que todas as outras
terras, verdadeiramente existe algures na realidade, tal como não podes duvidar
que existe no teu espírito; e dado que é maior a excelência de existir não
apenas no espírito mas também na realidade, tem necessariamente de existir.
Pois se não existisse, qualquer outra terra existente na realidade seria mais
excelente do que ela, e assim esta ilha, que já concebes como mais excelente do
que as outras, não seria a mais excelente. Se alguém quiser persuadir-me de que
esta ilha existe realmente para lá de qualquer dúvida, irei pensar que está a
brincar ou terei dificuldade em decidir qual de nós é mais insensato – eu, se
concordasse com ele, ou ele, se pensar que demonstrou a existência desta ilha
com alguma certeza, a não ser que me tivesse convencido primeiro de que a sua
própria excelência existe no meu espírito precisamente como uma coisa que existe
verdadeiramente e indubitavelmente e não apenas como uma coisa irreal ou
duvidosamente real.
Gaunilo de Marmoutiers, Em
Defesa do Insensato, 1