Marc Chagall, Amantes azuis, 1914
Como a designação da teoria deixa adivinhar, para Levinson a
essência da arte reside no seu carácter histórico ou retrospetivo. Toda a arte
é o resultado de uma atividade humana que se relaciona com o seu passado
através da intenção de um indivíduo, que pode ou não conhecer essa história.
Todas as obras de arte se referem necessariamente ao seu passado e, como tal, é
legítimo considerar que, mais do que uma sucessão de eventos, existe evolução
na arte. A responsabilidade por essa evolução pode atribuir-se não a uma
instituição, mas às intenções de indivíduos que pretendem que certos objetos
sejam vistos como já o foram obras de arte do passado. Uma das primeiras
versões da definição histórica proposta pela teoria é a seguinte:
«(I) X é uma
obra de arte = df X é um objeto acerca do qual uma pessoa ou pessoas, possuindo
a propriedade apropriada sobre X, têm a intenção não-passageira de que este
seja perspetivado-como-uma-obra-de-arte, i.e., perspetivado de qualquer modo
(ou modos) como foram ou são perspetivadas corretamente (ou padronizadamente)
obras de arte anteriores.» (Levinson, 1979, p. 236)
Como a própria mancha de
texto deixa adivinhar, Levinson pretende formular uma definição explícita
composta por condições necessárias e suficientes. Para compreender se é ou não
uma definição correta é preciso explicitar os termos da definição. A primeira
condição é a do direito de propriedade. Segundo esta, o artista não pode
transformar em arte objectos que não lhe pertençam ou em relação aos quais não
esteja devidamente autorizado a agir pelos seus proprietários. A esta luz fica
vedada ao artista a possibilidade de transformar em arte algo que, não sendo
seu, apenas indica ou nomeia como tal. O exemplo paradigmático de uma tentativa
de o fazer foi protagonizado por Duchamp em 1916, quando indicou como arte o
Edifício Woolworth. Das suas notas figurava uma indicação para procurar uma
inscrição para o Edifício, então o mais alto de Nova Iorque, como readymade. Contrariamente ao que diria
Dickie, que aceitaria que o Edifício Woolworth adquiriria o estatuto de obra da
arte com a apresentação, Levinson afirma que este não pode chegar a ser arte,
porque Duchamp não o possui nem está autorizado pelos seus proprietários a
usá-lo como produto artístico. Pelas mesmas razões, os artistas não poderão
transformar em arte paisagens, pessoas ou acontecimentos sob os quais não
tenham qualquer direito de propriedade. Esta condição afasta a teoria Histórica
tanto da proposta Institucional como de todas as outras que afirmam que tudo
pode ser arte. Propõe também que se abandone uma visão caricatural do artista
em que este surge dotado de um toque de Midas, capaz de transfigurar tudo o
que a sua arbitrariedade artística selecionar como arte.
A segunda condição é a existência de um certo tipo de
intenção que relaciona a arte do presente com a arte do passado. A arte requer
conhecimento que se adquire ao longo do processo de socialização. Mesmo que não
possua quaisquer crenças verdadeiras acerca da história da arte, o artista é
alguém que tem conhecimentos suficientes acerca dos objetos e dos auditórios
para poder formar intenções acerca desses objetos que fazem referência àquilo
que a arte já foi. Mas que relação intencional é essa? E em que sentido é usada
a palavra «intenção»? Em primeiro lugar, note-se que, para Levinson, a
expressão «tem intenção de» é usada em sentido lato, significando esta apenas
«faz, apropria-se ou concebe com o propósito de». Ter uma intenção, neste
caso, é, então, ter um propósito ou uma finalidade em mente, e desenvolver uma
ação para o atingir. Esta pode consistir em fazer, apropriar-se ou conceber
algo. Depois, exige-se que a intenção não seja transitória, mas sim persistente
ou estável. Impede-se assim que a arte seja fruto de caprichos passageiros ou
de ímpetos momentâneos.
Paula Mateus, A teoria histórica de Levinson
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