O mesmo Homero que agradava a Atenas e Roma há dois mil anos é ainda admirado em Paris e Londres. Todas as diferenças de clima, governo, religião e linguagem foram incapazes de obscurecer a sua glória. A autoridade ou o preconceito são capazes de dar uma voga temporária a um mau poeta ou orador, mas a sua reputação jamais poderá ser duradoura ou geral. Quando as suas composições forem examinadas pela posteridade ou por estrangeiros, o encanto será dissipado e os seus defeitos aparecerão como realmente são. Pelo contrário, no caso de um verdadeiro génio, quanto mais as suas obras durarem mais amplo será o seu sucesso, e mais sincera a admiração que despertam. Dentro de um círculo restrito há demasiado lugar para a inveja e o ciúme, e até a familiaridade com a pessoa pode diminuir o aplauso devido às suas obras. Quando desaparecerem estes obstáculos, as belezas que naturalmente estão destinadas a provocar sentimentos agradáveis manifestam naturalmente a sua energia. E sempre, enquanto o mundo durar, conservarão a sua autoridade sobre os espíritos humanos.
Vemos, portanto, que no meio de toda a variedade e capricho
do gosto, há certos princípios gerais de aprovação ou de censura, cuja
influência um olhar cuidadoso pode verificar em todas as operações do espírito.
Há determinadas formas ou qualidades que, devido à estrutura original da
constituição interna do espírito, estão destinadas a agradar e outras a
desagradar. Se em algum caso particular elas deixam de ter efeito, é devido a
qualquer deficiência ou imperfeição do órgão. Um homem cheio de febre não
pretende que o seu paladar seja capaz de distinguir os sabores, nem outro com
um ataque de icterícia teria a pretensão de pronunciar um veredicto a respeito
das cores. Para todas as criaturas há um estado de saúde e um estado de enfermidade,
e só do primeiro podemos esperar receber um verdadeiro padrão do gosto e do
sentimento. Se, no estado saudável do órgão, se verificar uma uniformidade
completa ou considerável das opiniões dos homens, podemos daí derivar uma ideia
da perfeita beleza, da mesma maneira que a aparência dos objetos à luz do dia,
aos olhos das pessoas saudáveis, é chamada a sua cor verdadeira e real mesmo
que se reconheça que a cor é simplesmente um fantasma dos sentidos.
Apesar de todos os nossos esforços para determinar um padrão
de gosto e reconciliar as opiniões discordantes das pessoas, permanecem ainda
duas fontes de variação que, todavia, não são suficientes para confundir as
fronteiras da beleza e da deformidade, mas que servem frequentemente para
produzir diferenças de grau na nossa aprovação ou censura. Uma são os
diferentes estados de espírito dos homens particulares; a outra são
os costumes e opiniões particulares da nossa época e país. Os
princípios gerais de gosto são uniformes na natureza humana: onde os juízos dos
homens variam, algum defeito ou perversão nas faculdades pode geralmente ser
observado. Estes resultam do preconceito ou da falta de prática ou da
falta de delicadeza - e há aí razões justas para aprovar um gosto e
condenar outro. Mas, onde a há diversidade na conceção interna ou da posição
externa que de nenhum modo é censurável em qualquer dos lados da disputa e que
não deixa lugar a que se prefira um em detrimento do outro, nesse caso um certo
grau de diversidade nos juízos é inevitável e será útil procurar um
padrão pelo qual podemos reconciliar opiniões contrárias.
David Hume, Do Padrão do Gosto (1757)
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