Parte 1
Teeteto — Realmente, Sócrates, exortando-me como o fazes, fora vergonhoso não esforçar-
me para dizer com franqueza o que penso. Parece-me, pois, que quem sabe alguma coisa
sente o que sabe. Assim, o que se me afigura neste momento é que conhecimento não é
mais do que sensação.
Sócrates — Bela e corajosa resposta, menino. É assim que devemos externar o pensamento.
Porém examinemos juntos se se trata, realmente, de um feto viável ou de simples aparência.
Conhecimento, disseste, é sensação?
Teeteto — Sim.
Sócrates — Talvez tua definição de conhecimento tenha algum valor; é a definição de
Protágoras; por outras palavras ele dizia a mesma coisa. Afirmava que o homem é a medida
de todas as coisas, da existência das que existem e da não existência das que não existem.
Decerto já leste isso?
Teeteto — Sim, mais de uma vez.
Sócrates — Não quererá ele, então, dizer que as coisas são para mim conforme me
aparecem, como serão para ti segundo te aparecerem? Pois eu e tu somos homens.
Teeteto — É isso, precisamente, o que ele diz
Sócrates — Ora, é de presumir que um sábio não fale aereamente. Acompanhemo-lo, pois.
Por vezes não acontece, sob a ação do mesmo vento, um de nós sentir frio e o outro não?
Um ao de leve, e o outro intensamente?
Teeteto — Exato.
Sócrates — Nesse caso, como diremos que seja o vento em si mesmo: frio ou não frio? Ou
teremos de admitir com Protágoras que ele é frio para o que sentiu arrepios e não o é para o
outro?
Teeteto — Parece que sim.
Sócrates — Não é dessa maneira que ele aparece a um e a outro?
Teeteto — É.
Sócrates — Ora, este aparecer não é o mesmo que ser percebido?
Teeteto — Perfeitamente.
Sócrates — Logo, aparência e sensação se equivalem com relação ao calor e às coisas do
mesmo gênero; tal como cada um as sente, é como elas talvez sejam para essa pessoa.
Teeteto — Talvez.
Sócrates — A sensação é sempre sensação do que existe, não podendo, pois, ser ilusória,
visto ser conhecimento.
Teeteto — Parece que sim.
Sócrates — Então, em nome das Graças, não teria Protágoras, esse poço de sabedoria,
falado por enigmas para a multidão sem número, na qual nos incluímos, porém dito em
segredo a verdade para seus discípulos?
Teeteto — Que queres dizer com isso, Sócrates?
Sócrates — Vou explicar-me, e não será argumento sem valor, a saber: que nenhuma coisa
é una em si mesma e que não há o que possas denominar com acerto ou dizer como é
constituída. Se a qualificares como grande, ela parecerá também pequena; se pesada, leve, e
assim em tudo o mais, de forma que nada é uno, ou algo determinado ou como quer que
seja
(…)Sócrates — Se é assim, meu filho, que novo argumento poderá aduzir quem diz que a
sensação é conhecimento e que o que parece a cada um de nós é para todos precisamente
como parece ser?
Teeteto — Sinto-me acanhado, Sócrates, de declarar que não sei como responder, pois há
pouco me repreendeste por eu ter dito isso mesmo. Mas, para dizer a verdade, não poderei
contestar que os loucos e os sonhadores não formam, de fato, opiniões falsas, como no caso
de se imaginarem deuses os primeiros, ou de pensarem os outros, durante o sonho, que têm
asas e que podem voar .
Sócrates — E não te ocorre, também, outra objeção no que respeita ao sono e à vigília?
Teeteto — Qual?
Sócrates — A que, a meu ver, já deves ter ouvido com freqüência, sobre o argumento
decisivo que poderias apresentar a quem perguntasse de improviso se neste momento não
estamos dormindo e se não é sonho tudo o que pensamos, ou se estamos realmente
acordados e entretidos a conversar?
Teeteto — Em verdade, Sócrates, sinto-me indeciso na escolha do argumento, pois em
ambos os estados tudo se passa exatamente do mesmo modo. Nada impede de admitir que o
que acabamos de conversar tivesse sido dito em sonhos; e quando imaginamos em sonhos
contar que sonhamos, é admirável a semelhança com o que se passa no estado de vigília
(…)
Como diremos, Teodoro? Se a verdade para cada indivíduo é o que ele alcança pela
sensação; se as impressões de alguém não encontram melhor juiz senão ele mesmo, e se
ninguém tem autoridade para dizer se as opiniões de outra pessoa são verdadeiras ou falsas,
formando, ao revés disso, cada um de nós, sozinho, suas opiniões, que em todos os casos
serão justas e verdadeiras: de que jeito, amigo, Protágoras terá sido sábio, a ponto de passar
por digno de ensinar os outros e de receber salários astronômicos, e por que razão teremos
nós de ser ignorantes e de frequentar suas aulas, se cada um for a medida de sua própria
sabedoria? Não nos assiste o direito de afirmar que tudo isso na boca de Protágoras não
passava de frase para armar o efeito? No que me diz respeito e à minha arte de parteiro,
nem me refiro ao ridículo que provocamos, o que, aliás, se poderia tornar extensivo a toda a
arte da conversação. Pois analisar e procurar refutar as fantasias e opiniões de outras
pessoas, dado que todas sejam certas para cada um de nós, não será o cúmulo da sensaboria
e da tolice, se A Verdade de Protágoras for realmente verdadeira e se ele não estava
pilheriando, quando doutrinava dos penetrais sagrados do seu livro?
Parte 2
Teeteto — Realmente, Sócrates, exortando-me como o fazes, fora vergonhoso não esforçar-
me para dizer com franqueza o que penso. Parece-me, pois, que quem sabe alguma coisa
sente o que sabe. Assim, o que se me afigura neste momento é que conhecimento não é
mais do que sensação.
Sócrates — Bela e corajosa resposta, menino. Conhecimento, disseste, é sensação?
Teeteto — Sim.
Sócrates — Talvez a tua definição de conhecimento tenha algum valor; é a definição de
Protágoras; por outras palavras ele dizia a mesma coisa. Afirmava que o homem é a medida
de todas as coisas, da existência das que existem e da não existência das que não existem.
Decerto já leste isso?
Teeteto — Sim, mais de uma vez.
Sócrates — Não quererá ele, então, dizer que as coisas são para mim conforme me
aparecem, como serão para ti segundo te aparecerem? Pois eu e tu somos homens.
Teeteto — É isso, precisamente, o que ele diz
Sócrates — Ora, é de presumir que um sábio não fale aereamente. Acompanhemo-lo, pois.
Por vezes não acontece, sob a ação do mesmo vento, um de nós sentir frio e o outro não?
Um ao de leve, e o outro intensamente?
Teeteto — Exato.
Sócrates — Nesse caso, como diremos que seja o vento em si mesmo: frio ou não frio? Ou
teremos de admitir com Protágoras que ele é frio para o que sentiu arrepios e não o é para o
outro?
Teeteto — Parece que sim.
Sócrates — Não é dessa maneira que ele aparece a um e a outro?
Teeteto — É.
Sócrates — Ora, este aparecer não é o mesmo que ser percebido?
Teeteto — Perfeitamente.
Sócrates — Logo, aparência e sensação se equivalem com relação ao calor e às coisas do
mesmo gênero; tal como cada um as sente, é como elas talvez sejam para essa pessoa.
Teeteto — Talvez.
Sócrates — A sensação é sempre sensação do que existe, não podendo, pois, ser ilusória,
visto ser conhecimento.
Teeteto — Parece que sim.
Sócrates — Então, em nome das Graças, não teria Protágoras, esse poço de sabedoria,
falado por enigmas para a multidão sem número, na qual nos incluímos, porém dito em
segredo a verdade para seus discípulos?
Teeteto — Que queres dizer com isso, Sócrates?
Sócrates — Vou explicar-me, e não será argumento sem valor, a saber: que nenhuma coisa
é una em si mesma e que não há o que possas denominar com acerto ou dizer como é
constituída. Se a qualificares como grande, ela parecerá também pequena; se pesada, leve, e
assim em tudo o mais, de forma que nada é uno, ou algo determinado ou como quer que
seja
(…)Sócrates — Se é assim, meu filho, que novo argumento poderá aduzir quem diz que a
sensação é conhecimento e que o que parece a cada um de nós é para todos precisamente
como parece ser?
Teeteto — Sinto-me acanhado, Sócrates, de declarar que não sei como responder, pois há
pouco me repreendeste por eu ter dito isso mesmo. Mas, para dizer a verdade, não poderei
contestar que os loucos e os sonhadores não formam, de fato, opiniões falsas, como no caso
de se imaginarem deuses os primeiros, ou de pensarem os outros, durante o sonho, que têm
asas e que podem voar .
Sócrates — E não te ocorre, também, outra objeção no que respeita ao sono e à vigília?
Teeteto — Qual?
Sócrates — A que, a meu ver, já deves ter ouvido com freqüência, sobre o argumento
decisivo que poderias apresentar a quem perguntasse de improviso se neste momento não
estamos dormindo e se não é sonho tudo o que pensamos, ou se estamos realmente
acordados e entretidos a conversar?
Teeteto — Em verdade, Sócrates, sinto-me indeciso na escolha do argumento, pois em
ambos os estados tudo se passa exatamente do mesmo modo. Nada impede de admitir que o
que acabamos de conversar tivesse sido dito em sonhos; e quando imaginamos em sonhos
contar que sonhamos, é admirável a semelhança com o que se passa no estado de vigília
(…)
Como diremos, Teodoro? Se a verdade para cada indivíduo é o que ele alcança pela
sensação; se as impressões de alguém não encontram melhor juiz senão ele mesmo, e se
ninguém tem autoridade para dizer se as opiniões de outra pessoa são verdadeiras ou falsas,
formando, ao revés disso, cada um de nós, sozinho, suas opiniões, que em todos os casos
serão justas e verdadeiras: de que jeito, amigo, Protágoras terá sido sábio, a ponto de passar
por digno de ensinar os outros e de receber salários astronômicos, e por que razão teremos
nós de ser ignorantes e de frequentar suas aulas, se cada um for a medida de sua própria
sabedoria? Não nos assiste o direito de afirmar que tudo isso na boca de Protágoras não
passava de frase para armar o efeito? No que me diz respeito e à minha arte de parteiro,
nem me refiro ao ridículo que provocamos, o que, aliás, se poderia tornar extensivo a toda a
arte da conversação. Pois analisar e procurar refutar as fantasias e opiniões de outras
pessoas, dado que todas sejam certas para cada um de nós, não será o cúmulo da sensaboria
e da tolice, se A Verdade de Protágoras for realmente verdadeira e se ele não estava
pilheriando, quando doutrinava dos penetrais sagrados do seu livro?
Platão, Teeteto
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