Para Hume, a ideia de causa é a ideia de «conexão necessária». O
seu argumento aponta em duas direções: primeiro, para a demolição da ideia de
que existem conexões necessárias na realidade; segundo, para uma explicação do
facto de nós termos, não obstante, a ideia de conexão necessária. O argumento é
objeto de importantes alterações na primeira Investigação e é
abundante em subtilezas e complexidades sobre as quais não nos podemos aqui
deter. No essencial, reduz-se ao seguinte.
A ideia de conexão necessária não se pode derivar de uma
impressão de conexão necessária, pois tal impressão não existe. Se A causa B,
não podemos observar nada da relação entre os acontecimentos particulares A e B,
a não ser a sua contiguidade no espaço e no tempo e o facto de A preceder B.
Dizemos que A causa B apenas quando a
conjunção de acontecimentos do tipo A e do tipo B é
constante – ou seja, quando há uma conexão regular de acontecimentos do tipo A e
do tipo B, levando-nos a esperar B sempre que
observamos um caso de A. Tirando esta conjunção constante, nada
mais há que observemos, e nada mais que pudéssemos observar, na relação entre A e B que
pudesse constituir um vínculo de «conexão necessária». Sendo assim, e dada a
premissa de que todas as ideias derivam de uma impressão, devia pensar-se que
não há a ideia de conexão necessária e que aqueles que falam dela estão apenas
a proferir frases vazias e sem sentido.
Porque se sente Hume tão confiante ao dizer que não se podem
observar «conexões necessárias» entre acontecimentos? O seu raciocínio parece
ser o seguinte: só existem relações causais entre acontecimentos distintos.
Se A causa B, A é um
acontecimento distinto de B. Logo, deve ser possível identificar A sem
identificar B. Mas se A e B são
identificáveis independentemente um do outro, não podemos deduzir a existência
de B da de A – a relação entre os dois pode
apenas ser matéria de facto. As proposições que dão conta de matérias de facto
são sempre contingentes; só as que transmitem relações de ideias são
necessárias. Se houver uma relação de ideias entre A e B,
pode haver também uma conexão necessária – como acontece com a relação
necessária entre 2 + 3 e 5. Mas nesse caso A não se
distinguiria de B, tal como 2 + 3 não se distingue de 5. A própria
natureza da causalidade, como relação entre duas existências distintas, afasta
a possibilidade de uma conexão necessária.
Dizemos que A causa B por causa
da conjunção constante entre A e B. Esta conjunção
constante leva-nos a associar a ideia de B à impressão de A e,
portanto, a esperar B sempre que deparamos com A.
A força do hábito é tal que a experiência de A força em nós
esta ideia de B, surgindo com a espontaneidade e vividez que,
segundo Hume, são as marcas da crença. Somos assim levados a acreditar que B se
seguirá de A, e esta impressão de uma coisa que determina a outra
dá lugar à ideia de conexão necessária. A impressão não é uma impressão de uma
relação causal – ou uma impressão de qualquer outra coisa que pertença ao mundo
externo. É apenas um sentimento que surge em nós espontaneamente, sempre que
nos deparamos com uma conjugação constante de acontecimentos. Porém,
interpretamos erradamente a ideia resultante, supondo que ela deriva de uma
impressão de uma conexão necessária entre A e B. É
daí que vem a ideia de causa como conexão necessária. Trata-se de um exemplo da
tendência da mente para «se disseminar sobre os objetos» –, para ver o mundo
povoado com qualidades e relações que têm a sua origem em nós sem
correspondência na realidade externa.
Hume colocou ainda um outro
problema aos defensores da investigação científica, problema esse que veio a
ser conhecido por problema da indução. Posto que a relação entre objetos e
acontecimentos distintos é sempre contingente, não pode haver inferências
necessárias do passado para o futuro. É, portanto, perfeitamente concebível que
um acontecimento que sempre ocorreu com aparente regularidade e em obediência
àquilo a que chamamos leis da natureza, possa um dia não ocorrer. O sol pode
não nascer amanhã e isto seria perfeitamente compatível com a nossa experiência
passada. O que justifica então que afirmemos com base na experiência passada
que o sol nascerá amanhã ou mesmo que é provável que nasça? Este problema pode
ser reformulado a um nível mais geral. Dado que as leis científicas afirmam
verdades universais, aplicáveis em qualquer tempo e qualquer lugar, nenhuma
quantidade de provas pode esgotar o seu conteúdo. Logo, nenhuns dados à
disposição de criaturas finitas como nós podem afiançar a sua verdade. O que
nos autoriza então a afirmá-las?
Roger Scruton, Uma Breve História da Filosofia Moderna (Tradução
Carlos Marques).
Um comentário:
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