«Em que consiste a nossa ideia de necessidade
quando dizemos que dois objectos estão necessariamente ligados entre si? A este
respeito repetirei o que muitas vezes disse: como não temos ideia alguma que não derive
de uma impressão se afirmarmos ter a ideia de ligação necessária (ou causal)
deveremos encontrar alguma impressão que esteja na origem desta ideia.
Para isso, ponho-me a considerar o objecto em que comummente se supõe que a
necessidade se encontra. E como vejo que esta se atribui sempre a causas e
efeitos, dirijo a minha atenção para dois objectos supostamente colocados em
tal relação (causa-efeito) e examino-os em todas as situações possíveis.
Apercebo-me de imediato que são contíguos em termos de tempo e
lugar e que o objecto denominando causa precede o outro, a que
chamamos efeito.
Não existe um só caso em que possa ir mais longe, não me é possível descobrir
uma terceira relação entre esses objectos.
Suponhamos que uma pessoa, embora
dotada das mais fortes faculdades de razão e reflexão, é trazida subitamente
para este mundo; observaria, de facto, imediatamente uma contínua sucessão de
objectos e um acontecimento sucedendo-se a outro, mas nada mais seria capaz de
descobrir. Não conseguiria, a princípio, mediante qualquer raciocínio, alcançar
a ideia de causa e efeito, visto que os poderes particulares pelos quais todas
as operações da natureza são executadas, nunca aparecem aos sentidos; nem é justo concluir,
unicamente porque um evento, num caso, precede outro, que o primeiro é, por
isso, a causa e o segundo o efeito. A sua conjunção pode ser arbitrária e
casual. Pode não haver motivo para inferir um a partir do
aparecimento do outro. E, numa palavra, tal pessoa, sem mais experiência, nunca
poderia utilizar a sua conjectura ou raciocínio acerca de qualquer questão de
facto ou certificar-se de alguma coisa para além do que está imediatamente
presente à memória e aos seus sentidos.
Suponhamos, de novo, que ela adquiriu
mais experiência e viveu durante tanto tempo no mundo que observou que objectos
ou eventos familiares se combinam constantemente; qual é a consequência desta
experiência? Imediatamente infere a existência de um objecto a partir do outro.
Apesar de
tudo, não adquiriu, mediante toda a sua experiência, ideia ou conhecimento
algum do poder secreto pelo qual um objecto produz outro, nem é
induzida, por processo algum de raciocínio, a tirar essa inferência; mas,
apesar de tudo, vê-se levada a tirá-la e, embora deva estar convencida de que o
seu entendimento não participa da operação, continua, no entanto, no mesmo rumo
de pensamento. Existe algum outro princípio que a leva a formar tal conclusão.
Este princípio é o costume ou hábito,
pois, onde quer que a repetição de qualquer acto ou particular manifeste uma
propensão para renovar o mesmo acto ou operação, sem ser impulsionado por
raciocínio ou processo algum do entendimento, dizemos sempre que essa propensão
é o efeito do costume.»
Hume,
D., Investigação sobre o Entendimento
Humano, Lisboa, Edições 70, 1989, pp. 46-47.
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Ficha de trabalho para realizar em casa ou em aula, não faz parte do resumo:
- De que ideia falamos neste texto?
- Dê um exemplo.
- Em que consiste essa ideia?
- Qual a sua utilidade?
- Qual a sua origem? Porquê?
- Para Hume qual a origem de todas as ideias?
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