A relação entre duas teorias sobre o conhecimento
Será o conhecimento certo ou não? Será que podemos ter a certeza absoluta de algo? De facto o ser humano tem fome de certeza em muitas das situações do dia a dia. Certeza do passado, do presente e até do futuro. René Descartes e David Hume dividiram-se ao tentar dar uma resposta para esta questão.
Descartes, tomou a posição de que o conhecimento é uma certeza indubitável.
Tal decorre do enquadramento histórico, do fim do século XVI e início do século XVII marcado pelo Renascimento, baseado na valorização do papel do Homem no Mundo, que desenvolve a paixão pela descoberta, visto dar conta que existem várias ideias para além das que vinha aceitando como certas. Decorre também de uma das suas maiores paixões: a matemática. Para ele, a probabilidade epistemológica é uma probabilidade irrefutável tal como é a probabilidade matemática de “atirar dois dados e sair um duplo 6 ser de uma para 36” tal como explicou Bertrand Russel (1872-1970).
Para atingir o conhecimento, Descartes desenvolveu o seu próprio método baseado sobretudo na dúvida, base do cepticismo.
No entanto, vemos que a dúvida em Descartes, é metódica, ou seja, é um caminho, e coloca-se sempre no início de um processo epistemológico de reflexão e nunca num fim. No Discurso, afirma que para se chegar ao conhecimento é necessário que se negue “como absolutamente falso” tudo aquilo em possamos imaginar a menor dúvida desde a existência de um mundo ou de dois mais três serem cinco. A partir daí, ou seja, começando pelos pensamentos mais simples e mais fáceis de conhecer, deve-se ascender a pouco e pouco, até aos pensamentos mais complexos, numa ordem de dificuldade crescente.
É através deste método que Descartes chega às suas três conclusões mais importantes: a existência do ser humano (através da famosa frase “Penso, logo existo”), a existência de Deus (desenvolvida em três provas) e o conhecimento do mundo.
Descartes, dá também grande importância à dimensão metafísica do Homem, que no seu entender sustenta toda a ciência. A razão não opera com base nos sentidos, que na opinião do filósofo francês, apenas conduzem a erros e confusões permanentes mas em operações fundamentais do espírito que conduzem à verdade e à certeza. São elas, a intuição e a dedução:
Segundo Descartes, a intuição é então o acto puro e mecanizado no Homem através do qual o Homem aprende noções imediatas das quais não tem a mínima dúvida.
Já a dedução é o encadeamento das intuições que o Homem relaciona e assim consegue chegar a novas relações e a novas conclusões, devido ao que já conhecia de trás.
Diz Descartes, Nas Meditações Sobre a Primeira Filosofia, que a filosofia e a procura do conhecimento se devem basear no exame exaustivo de todos os elementos existentes, com o objectivo de se conseguirem atingir dados claros e objectivos chegando-se então ao saber absoluto.
Se tal for feito de acordo com os princípios lógicos, o conhecimento verdadeiro e universal é possível sem qualquer sombra de dúvida!
Já David Hume foi bastante crítico em relação a Descartes nesta questão e avançou com a sua própria tese sobre o assunto. Diz Bertrand Russel sobre o escocês:
"O que preocupa Hume é o conhecimento incerto, tal como o que é obtido de dados empíricos por inferências que não são demonstrativas. Isso inclui todo o nosso conhecimento a respeito do futuro, e a respeito de partes não observadas do passado e do presente. De facto, inclui tudo excepto, por um lado, observação directa, e, por outro, a lógica e a matemática."
Em primeiro lugar, David Hume separa conhecimento de relação de ideias e conhecimento de factos ou probabilidade. Se no conhecimento as “relações de ideias são dependentes das próprias ideias”, na probabilidade existem três relações: a identidade, as situações no tempo e lugar e a causalidade.
Assim, enquanto a negação do conhecimento de relação de ideias implica contradição, na probabilidade (conhecimento dos factos), a negação é igualmente uma probabilidade. Desse modo, as descobertas filosóficas devem ser caracterizadas pelo probabilismo, pois o Homem tem várias limitações temporais e perceptivas. Ou seja, todas as explicações devem ser vistas como tentativas destinadas a serem substituídas por outras, o que dá espaço à opinião e à controvérsia.
David Hume rejeita “todo o tipo de ilusões metafísicas”, toda a crença em milagres. Segundo ele, os milagres violam as leis da Natureza, que se baseiam na experiência.
No entanto, Hume, não é um céptico radical que negue totalmente a capacidade do sujeito para conhecer algo, o que acaba por ser uma contradição, pois ao afirmar a impossibilidade de alcançar o conhecimento, já está a concluir algo – conhecer que o conhecimento não é possível.
Hume nega a existência de princípios evidentes inatos em nós. Para ele, todo o conhecimento é como que uma cópia de algo, cujo objecto já tivemos acesso de alguma maneira.
Hume põe ainda o problema da causalidade em cima da mesa. Ele refuta o princípio da causalidade segundo o qual todas as acções têm uma relação causa efeito, submetendo-o a uma análise critica bastante rigorosa, baseando-se na sua teoria de conhecimento segundo a qual sem impressão sensível não há conhecimento, visto todas as ideias derivarem das sensações, à qual deve corresponder uma impressão.
A partir daí, ele negou que possamos fazer qualquer ideia de causalidade pois ela é apenas resultado do nosso hábito mental, visto que na Natureza nada nos mostra que sempre que acontece alguma coisa, tem que acontecer outra.
Só temos essa ideia porque nos habituamos a ver a sucessão de fenómenos um por um, o que nos induziu em erro.
Por exemplo, quando está vento e uma árvore abana dizemos que esta é uma relação causa efeito, quando nada nos prova que assim é. Apenas o dizemos porque nos habituamos a ver os dois fenómenos ocorrer muitas vezes simultaneamente. A experiência até nos pode dizer que o vento pôs os galhos da árvore em movimento, mas ela nunca nos diz nada sobre acontecimentos futuros, com os quais ainda não tivemos qualquer contacto: única fonte de conhecimento valida. Isto porque a inferência causais estão sempre sujeitas ao erro perante novos objectos, novos sujeitos e novas situações, que podem mudar as ideias que temos em nós. Desse modo, vemos que para Hume, o conhecimento só pode corresponder a acções passadas, ou quando muito actuais e nunca futuras. Para ele, “cada caso, é um caso” e nada nos diz o que vai acontecer amanhã.
Esta questão é de grande importância para David Hume, porque o racionalismo de Descartes apoia-se sobretudo nas relações causa efeito.
Provando que não existem relações na Natureza e apenas fenómenos desligados uns dos outros, Hume rejeita, o inatismo cartesiano, introduzindo um dado novo nas teses empiristas afirmando que a identidade entre a ordem das coisas e das ideias é fruto dos nossos hábitos mentais ou na crença que existe uma ligação necessária entre os fenómenos.
A partir daí, Hume nega as três verdades de René Descartes (o ser, Deus e o mundo).
Em relação ao “eu”, que Descartes provara através da intuição, Hume não acredita que o pensamento intuitivo seja um caminho seguro para a verdade, devido à impossibilidade do Homem poder enumerar causas.
Todos nós mudados em muitos aspectos à medida que os anos passam, sem que nós próprios mudemos em si mesmo. No entanto, Hume nega a distinção entre os vários aspectos de uma pessoa e o sujeito que transporta essas mesmas características. Ou seja, para o escocês, quando fazemos uma introspecção, notamos um conjunto de percepções, sentimentos, memorias e pensamento, mas nunca nos apercebemos de algo a que possamos chamar de “eu”. Ou seja, o ser humano não passa de um conjunto de “percepções transitórias” que a nada pertencem e de um composto de elementos relacionados em permanente mudança.
Depois, relativamente à questão da existência de Deus, que Descartes provara baseando-se em que tudo tem uma causa, e a primeira dessas causas era Deus,
Hume diz ser impossível conhecer Deus pois a provas cartesianas estão fundadas na existência de ideias inatas, originárias da razão, nas quais não acredita. Ou seja, para ele o Homem não pode conhecer algo do qual não tem uma única percepção.
Por fim, Hume nega igualmente a existência do mundo exterior que para ele não passa de uma crença. E é uma crença que não podemos eliminar, mas que também não podemos provar por qualquer tipo de argumento, seja ele dedutivo ou indutivo.
David Hume também refuta a ideia de um conhecimento universal, claro e distinto. Visto que dentro das limitações o nosso conhecimento é sempre incompleto, a realidade reduz-se aos fenómenos aos quais os nossos sentidos têm acesso, sendo que cada um pode ter sensações diferentes nessa experiência, abrindo-se espaço à subjectividade.
in Trabalhos de Filosofia
in Trabalhos de Filosofia
A partir do texto, responda às seguintes questões:
1. Qual o papel da dúvida na Filosofia Cartesiana?
2. Quais são as operações da razão através da qual é possível a verdade?
2. Quais são as operações da razão através da qual é possível a verdade?
3. Porque é que Hume não é um céptico radical?
4. O que se entende por problema da causalidade?
5. Qual a diferença para Hume entre: "conhecimento de relação de ideias" e "conhecimento de factos"?
5. Qual a diferença para Hume entre: "conhecimento de relação de ideias" e "conhecimento de factos"?
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