Henry está a ver televisão numa tarde de Junho. Assiste à
final masculina de Wimbledon e, na televisão, McEnroe vence Connors; o
resultado é de dois a zero e «match point» para McEnroe no terceiro «set».
McEnroe ganha o ponto. Henry crê justificadamente que
1 acabei de ver McEnroe ganhar a final de Wimbledon deste ano, e infere
sensatamente que
2 McEnroe é o campeão de Wimbledon deste ano.
No entanto, as câmaras que estavam em Wimbledon deixaram na realidade de
funcionar, e a televisão está a passar uma gravação da competição do ano
passado. Mas enquanto isto acontece, McEnroe está prestes de repetir a
retumbante vitória do ano passado. Portanto a crença 2 de Henry é verdadeira,
ele tem decerto justificação para nela crer. Contudo, dificilmente aceitaríamos
que Henry conhece 2.
Este tipo de exemplo contrário à descrição tripartida do conhecimento é
conhecido como exemplo contrário de Gettier, segundo E. L. Gettier (1963).
(Devo este exemplo específico a Brian Garrett.) Gettier argumentava que
eles mostram que a descrição tripartida é insuficiente; é possível que alguém
não conheça, mesmo que as três condições sejam realizadas.
Gettier não põe aqui em causa nenhuma das três condições. Aceita que elas
são individualmente necessárias, e apenas argumenta que precisam de ser
complementadas. (...)
O exemplo contrário de Gettier é por conseguinte um exemplo em que
"a" tem uma crença justificada mas falsa por inferência a partir da
qual ele justificavelmente crê que algo que acontece é verdadeiro, e chega
deste modo a uma crença verdadeira justificada que não é conhecimento.
Que resposta poderá ser dada a estes infames mas ligeiramente irritantes
exemplos contrários? Parece haver três vias possíveis:
1 encontrar algum meio de demonstrar que os exemplos contrários não funcionam;
2 aceitar os exemplos contrários e tentar encontrar um complemento à análise
tripartida que os exclui;
3 aceitar os exemplos contrários e alterar a análise tripartida para os incluir
em vez de lhe acrescentar o que quer que seja.
O restante prende-se com a primeira via.
Em que princípios de inferência se baseiam estes exemplos contrários? O próprio
Gettier apresenta dois. Para que os exemplos funcionem, deve ser possível que
uma crença falsa continue a ser justificada; e uma crença justificada deve
justificar qualquer crença que ela implique (ou que se creia justificadamente
que implique). Este último é precisamente o princípio da oclusão POj acima
mencionado na discussão do cepticismo (1.2). Portanto, se pudéssemos mostrar
que POj é falso, isto teria o duplo efeito de destruir os exemplos contrários
de Gettier bem como (pelo menos em parte) o primeiro argumento céptico. Poderia
ser, contudo, possível construir novas variantes do tema Gettier que não se
baseiam na inferência ou numa inferência deste tipo, como veremos a seguir, e
sendo assim não há queixas acerca do PO% ou de outros princípios que venham a
ser muito eficientes.
Uma coisa que não podemos fazer é rejeitar os exemplos contrários de Gettier
como forjados e artificiais. São perfeitamente eficientes nos seus próprios
termos. Mas poderíamos sensatamente perguntar de que serve cansar o cérebro a
descobrir uma definição aceitável de «a sabe que p». Será isto mais do que um
mero exercício técnico? O que nos desconcertaria no facto de não conseguirmos
elaborar uma definição à prova de problemas? Muitas das inúmeras dissertações
escritas em resposta a Gettier dão a impressão de que responder a Gettier é uma
espécie de jogo filosófico privado, que não tem qualquer interesse a não ser
para os jogadores. E não nos demonstrou afinal Wittgenstein que um conceito
pode ser perfeitamente legítimo sem ser definível, argumentando que não é
indispensável que exista qualquer elemento comum a todos os casos de uma
propriedade (p. ex. casos de conhecimento) para além do facto de serem casos
(p. ex. de que são conhecimento)? (Cf. Wittgenstein, 1969b, pp. 17-18, e 1953,
§§ 66-7.) Então o que é que poderia afinal depender do nosso êxito ou malogro
para descobrir condições necessárias e suficientes para o conhecimento?
Ver mais aqui
Jonathan Dancy (1990), Epistemologia Contemporânea, Ed.70, Lx
Nenhum comentário:
Postar um comentário