Paula Rego
Vou agora falar de um dos desastres da história da filosofia ocidental, e durante cinco minutos irei servir de cicerone. Eis como funciona: “Disseste que viste a tua mão, mas e se foi uma alucinação? Suponha-se que não viste realmente a minha mão, e que a experiência foi uma alucinação.” No caso da alucinação que estou a descrever, parece-me que estou a ver a minha mão, mas não vejo de facto a minha mão. Porém, a história continua: “Embora não tenhas visto realmente a tua mão, viste de facto algo. Mesmo que tenha sido apenas uma mão alucinatória ou a alucinação de uma mão ou uma imagem de uma mão – viste algo.” Este é o passo crucial naquilo a que chamei o desastre. A afirmação é que embora eu não tenha visto a minha mão, mesmo assim vi alguma coisa. Mas este alguma coisa não foi um objeto material, portanto teve de ter sido uma entidade puramente mental.
O argumento continua: a experiência de ver realmente a tua mão não se distingue da alucinação. Portanto, seja o que for que tenhas a dizer acerca de uma, tens de dizer acerca de outra. Portanto, se não viste a tua mão no caso da alucinação, também não a viste no caso verídico. O que viste? Em ambos os casos. Viste aquilo que Hume chama de impressão de uma mão; aquilo a que Descartes e Locke chamaram de uma ideia de mão; aquilo que Kant chamou uma representação de uma mão; ou um dado dos sentidos de uma mão, que é o linguajar moderno. Tudo isto é um desastre, o mesmo desastre em cada caso. E agora quero explicar por que razão este erro é um desastre.
O desastre tem nome – Descartes, Berkeley, Locke, Leibniz, Espinosa, Kant, Hume, Mill, Hegel. Estamos agora num dos maiores desastres da história da filosofia, em que decidimos expulsar-nos do mundo real e entrar no mundo do Geist.
O erro é dizer: “Nunca vês o mundo real; só vês a representação ou o dado dos sentidos que ocorre na tua mente. Então levanta-se a questão: Qual é a relação entre o dado dos sentidos que de facto vês e o objeto do mundo real que não vês? E há trezentos anos de má filosofia a tentar responder a essa questão. Estou a dizer que a saída para essa questão é compreender que no caso comum perceciono diretamente a minha mão e perceciono-a à minha frente. O modo correto de descrever a situação percetiva é dizer que perceciono diretamente os objetos e os estados de coisas no mundo; trata-se de uma apresentação e não de uma representação, e o conteúdo intencional é causalmente auto reflexivo no sentido em que só é satisfeito se for causado pelo estado de coisas que constitui o resto das suas condições de satisfação. (…)
O desastre de negar que temos conhecimento percetivo direto do mundo tem conduzido à principal tendência na epistemologia dos últimos trezentos anos. Estou a tentar eliminar esse desastre fazendo com que se veja que as nossas experiências percetivas nos fornecem apresentações diretas dos objetos e estados de coisas do mundo. Como? (…)
Primeiro: O realismo direto não é posto em causa pelo argumento que diz que não se pode lidar com as alucinações. “O que vê a pessoa no caso da alucinação? “Nada”. A pessoa não vê coisa alguma; isso é o que faz de uma alucinação uma alucinação. (…)
Segundo: a experiência visual quando é satisfeita fornece de facto acesso percetivo direto aos objetos e estado de coisas do mundo exterior à nossa mente.
John Searle, Da realidade física à realidade humana, Lx,2020, Gradiva,p.126 -132
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