Leibniz (na Teodiceia) encarregou-se de
defender um Criador acusado de crimes sem paralelo. A sua defesa reside em dois
pontos. O primeiro é que o acusado não podia ter agido de outra forma. Como
qualquer outro agente, estava limitado às possibilidades que tinha à Sua
disposição. O outro ponto invoca o argumento de todas as ações do Criador
acontecerem para o melhor, de facto. Uma parte da defesa é uma investigação às
causas das ações do acusado, enquanto a outra tem a ver com a verdadeira
natureza das suas consequências no mundo. É aqui que as teses de Leibniz
parecem não só anteriores à experiência, mas nitidamente imunes a ela. Para
esse efeito, deixa bem claro que qualquer facto, por horrível que seja, é
compatível com a tese deste mundo ser o melhor dos mundos possíveis.
A afirmação de Leibniz não é uma teoria sobre a bondade deste mundo; diz-nos
simplesmente que nenhum outro mundo teria sido melhor. Aqueles que tentaram
contradizê-lo terão como resposta que não sabem o suficiente para o fazer, o
que será certamente verdade. (…)
A defesa da justiça divina feita por Leibniz depende da divisão de
toda a nossa aflição em mal metafísico, natural e moral. Será esta classificação,
associada à hipótese de haver uma relação causal entre aqueles males, que nos
parecerá violentamente necessitada de defesa. Para Leibniz, o mal metafísico é
uma degeneração inerente ao limite da(s) substância(s) de que o mundo é feito.
O mal natural é a dor e o sofrimento que sentimos nele. O mal moral é o crime
pelo qual o mar natural é a punição inevitável. A suposição de o mal moral e
natural terem uma relação de causa efeito nunca foi sujeita por Leibniz a uma
pesquisa minuciosa. (…)
Há muito tempo, a vida era como devia ser. A terra era um jardim
onde tudo era bom. A fome era saciada sem esforço; as crianças nasciam sem dor.
Não conhecíamos morte, nem vergonha, nem ruína. Se tivéssemos de conceber um
mundo, não o faríamos assim?
Se as coisas deviam ser desta maneira, alguma coisa deve explicar
como elas são. A ideia de que o problema foi causado pelos pecados dos nossos
antepassados não depende do que eles fizeram. Lamentarmos que provar o tipo
errado de fruta tenha sido suficiente para uma sentença de morte pender sobre a
cabeça de todos os descendentes, é falhar a questão filosófica essencial, e as
tentativas cristãs de fazer aquela ação parecer pior do que foi, são vãs. Uma
coisa trivial parece a explicação mais apropriada. O que conta, em primeiro
lugar, não é a justiça da relação entre o que eles fizeram e o que sofreram,
mas se deve haver alguma relação. Porque acontecem as coisas más? Porque se
fizeram as coisas más? Mais vale ter alguma explicação causal do que permanecer
no escuro. Relacionar o pecado com o sofrimento é separar os males do mundo em
males morais e naturais, e criar desse modo um contexto para perceber as
atribulações humanas.
Susan
Neiman, O mal no pensamento moderno, Gradiva, Lx, 2005, p.37 e 38
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