"Kuhn não pode estar mais em desacordo com esta visão não histórica da ciência [de Popper e outros autores]e da filosofia da ciência, que reduz esta última à análise da estrutura lógica da ciência. Do seu ponto de vista, a história da ciência tem um papel central na filosofia da ciência. Podemos mesmo dizer que o seu trabalho filosófico é uma tentativa de desenvolver uma filosofia da ciência com base na história da ciência. A função da história da ciência, pensa ele, não é apenas fornecer alguns exemplos de investigações científicas bem-sucedidas para ilustrar uma certa concepção da ciência. É, ao contrário, o estudo de casos significativos da história da ciência que nos permite saber o que a ciência é. A história é, assim, o ponto de partida do filósofo da ciência na sua tentativa de compreender a ciência tal como ela é praticada pelos cientistas.
Que revela a história da ciência sobre a ciência? Antes de mais, que tanto a concepção indutivista como a falsificacionista da ciência estão erradas. A atividade científica não se processa do modo como uns e outros afirmam, mas antes de acordo com o seguinte esquema:
Ciência normal ➝ crise e ciência extraordinária ➝ revolução científica ➝ nova ciência normal
(...)
Uma área de investigação torna-se uma ciência madura quando existe consenso entre os investigadores que nela trabalham relativamente aos problemas a investigar, as leis a aplicar, e os métodos e os instrumentos a usar nesse campo de investigação. (...) Isto é, quando existe aquilo a que Kuhn chama paradigma, um conjunto de problemas, soluções — teorias e leis — práticas metodológicas e princípios metafísicos, que são aceites pela generalidade dos praticantes daquele campo. Uma ciência madura é dominada apenas por um paradigma, que estabelece o que é ou não legítimo investigar dentro de uma ciência e coordena e dirige a investigação nessa ciência. São exemplos de paradigmas a física de Aristóteles, a mecânica de Newton, o eletromagnetismo de Maxwell e a seleção natural de Darwin. Aquilo que, segundo Kuhn, distingue ciências de não-ciências não é, como pensam os indutivistas, o facto de as teorias científicas poderem ser verificadas, ou, como pensa Popper, o facto de poderem ser falsificadas, mas o de existir ou não num determinado campo de investigação um paradigma aceite pela generalidade dos seus praticantes. (...)
Podemos (...) dizer que um paradigma é constituído por
- Um feito científico exemplar, que sirva como modelo para a investigação futura a realizar;
- Problemas, métodos, instrumentos e técnicas sugeridos por este feito científico;
- Crenças metafísicas acerca dos tipos de objetos e de fenómenos que constituem o mundo."
Álvaro Nunes, “Ciência e Objetividade”, in https://criticanarede.com/anunescienciaeobjetivid
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