Falsificabilidade
Assim, segundo Popper, a ciência é uma sequência de
conjeturas. As teorias científicas são propostas como hipóteses, e são
substituídas por novas hipóteses quando são falsificadas. No entanto, esta
maneira de ver a ciência suscita uma questão óbvia: se as teorias científicas
são sempre conjeturais, então o que torna a ciência melhor do que a astrologia,
a adoração de espíritos ou qualquer outra forma de superstição sem fundamento?
Um não popperiano responderia a esta questão dizendo que a verdadeira ciência
prova aquilo que afirma, enquanto a superstição consiste apenas em palpites.
Mas, segundo a conceção de Popper, mesmo as teorias científicas são palpites —
pois não podem ser provadas pelas observações: são apenas conjeturas não
refutadas.
Popper chama a isto o “problema da demarcação” — qual é a
diferença entre a ciência e outras formas de crença? A sua resposta é que a
ciência, ao contrário da superstição, pelo menos é falsificável, mesmo que não
possa ser provada. As teorias científicas estão formuladas em termos precisos,
e por isso conduzem a previsões definidas. As leis de Newton, por exemplo,
dizem-nos exatamente onde certos planetas aparecerão em certos momentos. E isto
significa que, se tais previsões fracassarem, poderemos ter a certeza de que a
teoria que está por detrás delas é falsa. Pelo contrário, os sistemas de
crenças como a astrologia são irremediavelmente vagos, de tal maneira que se
torna impossível mostrar que estão claramente errados. A astrologia pode prever
que os escorpiões irão prosperar nas suas relações pessoais à quinta-feira,
mas, quando são confrontados com um escorpião cuja mulher o abandonou numa
quinta-feira, é natural que os defensores da astrologia respondam que,
considerando todas as coisas, o fim do casamento provavelmente acabou por ser
melhor. Por causa disto, nada forçará alguma vez os astrólogos a admitir que a
sua teoria está errada. A teoria apresenta-se em termos tão imprecisos que
nenhumas observações efetivas poderão falsificá-la.
Ciência e pseudociência
O próprio Popper usa este critério de falsificabilidade para
distinguir a ciência genuína não só de sistemas de crenças tradicionais, como a
astrologia e a adoração de espíritos, mas também do marxismo, da psicanálise de
várias outras disciplinas modernas que ele considera negativamente
“pseudociências”. Segundo Popper, as teses centrais dessas teorias são tão
irrefutáveis como as da astrologia. Os marxistas preveem que as revoluções
proletárias serão bem-sucedidas quando os regimes capitalistas estiverem
suficientemente enfraquecidos pelas suas contradições internas. Mas, quando são
confrontados com revoluções proletárias fracassadas, respondem simplesmente que
as contradições desses regimes capitalistas particulares ainda não os
enfraqueceram suficientemente. De maneira semelhante, os psicanalistas defendem
que todas as neuroses adultas se devem a traumas de infância, mas quando são
confrontados com adultos perturbados que aparentemente tiveram uma infância
normal dizem que ainda assim esses adultos tiveram de atravessar traumas
psicológicos privados quando eram novos. Para Popper, estes truques são a
antítese da seriedade científica. Os cientistas genuínos dirão de antemão que
descobertas observacionais os fariam mudar de ideias, e abandonarão as suas
teorias se essas descobertas se realizarem. Mas os marxistas e psicanalistas
apresentam as suas ideias de tal maneira, defende Popper, que nenhumas
observações possíveis os farão alguma vez modificar o seu pensamento.
David
Papineau, “Methodology”, in Philosophy: A Guide Through the Subject, org. A. C.
Grayling (Oxford University Press, 1998).
https://criticanarede.com/leit_falsificacionismo.html
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