Quadro de Camille Pissarro,1830/1903, França
A Arte não Pode ser Definida
Os jogos de cartas são como os jogos de tabuleiro em alguns
aspetos mas não noutros. Nem todos os jogos são divertidos, e nem sempre há
ganhar e perder, ou competição entre os jogadores. Alguns jogos assemelham-se a
outros em alguns aspetos – isto é tudo. O que encontramos não são propriedades
necessárias e suficientes, mas apenas «uma rede complicada de parecenças que se
cruzam e sobrepõem entre si», de tal modo que podemos dizer que os jogos formam
uma família com parecenças de família e sem qualquer traço comum. Se
perguntarmos o que é um jogo, para responder vamos buscar exemplos de jogos,
descrevemo-los, e acrescentamos o seguinte: «a isto e a coisas parecidas
chama-se um jogo». Isto é tudo o que precisamos de dizer e de facto tudo o que
sabemos acerca de jogos. Saber o que é um jogo não é saber uma definição real
ou uma teoria, mas ser capaz de reconhecer e explicar os jogos e ser capaz de
decidir de entre exemplos novos e imaginários a quais chamaríamos «jogos». O
problema da natureza da arte é como o da natureza dos jogos, pelo menos neste
aspeto: se olharmos realmente para aquilo a que chamamos «arte», também não
iremos encontrar qualquer propriedade comum – apenas cadeias de similaridades.
Saber o que é a arte não é apreender uma essência manifesta ou latente mas ser
capaz de reconhecer, descrever e explicar aquelas coisas a que chamamos «arte»
em virtude de certas similaridades. A semelhança básica entre estes conceitos é
a sua estrutura aberta. Ao elucidá-los, pode -se apresentar alguns casos
(paradigmáticos), acerca dos quais não pode existir a mínima dúvida ao serem
descritos como «arte» ou «jogo», mas não é possível fornecer um conjunto
exaustivo de exemplos. Posso fazer uma lista de alguns casos e algumas
condições sob as quais aplico corretamente o conceito de arte, mas não posso
fazer uma lista de todos esses casos e condições pela simples razão que estão
sempre a surgir ou a antever-se condições novas ou imprevisíveis. Um conceito é
aberto se as suas condições de aplicação são reajustáveis e corrigíveis; isto
é, se se pode imaginar ou acontecer uma situação ou um caso que requeresse
algum tipo de decisão da nossa parte de modo ou a alargar o uso do conceito
para abranger o novo caso ou a fechar o conceito inventando um novo para
abranger o novo caso e a sua nova propriedade. Se podemos estabelecer condições
necessárias e suficientes para a aplicação de um conceito, o conceito é
fechado. Mas isto é algo que apenas pode acontecer na lógica e na matemática
onde os conceitos são construídos e completamente definidos. Isto não pode
acontecer com conceitos empiricamente descritivos e normativos, a não ser que
os fechemos arbitrariamente estipulando o alcance dos seus usos. [...]
O próprio conceito de arte é um conceito aberto. Novas
condições (novos casos) surgiram e continuarão certamente a surgir; aparecerão
novas formas de arte, novos movimentos, que irão exigir uma decisão por parte
dos interessados, normalmente críticos de arte profissionais, sobre se o
conceito deve ou não ser alargado. Os estetas podem estabelecer condições de
similaridade, mas nunca condições necessárias e suficientes para a correta
aplicação do conceito. Com o conceito arte, as suas condições de aplicação
nunca podem ser exaustivamente enumeradas, uma vez que novos casos podem sempre
ser considerados ou criados pelos artistas, ou mesmo pela natureza, o que
exigirá uma decisão por parte de alguém em alargar ou fechar o velho conceito
ou em inventar um novo (por exemplo, «Isto não é uma escultura, é um mobile.»)
Assim, aquilo que estou a defender é que o próprio carácter expansivo e
empreendedor da arte, as suas sempre presentes mudanças e novas criações, torna
logicamente impossível garantir um qualquer conjunto de propriedades
definidoras. É claro que podemos escolher fechar o conceito. Mas fazer isso com
arte ou tragédia ou retrato, etc., é ridículo, uma vez que exclui as próprias
condições de criatividade na arte.
Morris Weitz, «O
Papel da Teoria na Estética», 1956, trad. de Célia Teixeira, pp. 3-5
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