domingo, 8 de março de 2020

Texto para resumo Mafalda 11I1

"A literatura da estética está atafulhada com tentativas desesperadas para responder à questão “O que é a arte?” Esta questão, é muitas vezes irremediavelmente confundida com a questão “O que é a boa arte?”, é crucial no caso da arte encontrada -  a pedra apanhada na entrada da garagem e exposta num museu – e agrava-se ainda mais pela promoção das chamadas arte ambiental e arte conceptual. O pára-lamas amachucado de um carro numa galeria de arte, é uma obra de arte? E como considerar algo que não é sequer um objecto, e não está exposto numa galeria de arte nem num museu – por exemplo, o escavar e encher um buraco no Central Park como prescrito por Oldenburg? Se estas são obras de arte, então todas as pedras nas entradas das garagens, todos os objectos e acontecimentos são obras de arte? Se não o são, o que distingue aquilo que é daquilo que não é uma obra de arte? O facto de um artista lhe chamar uma obra de arte? O facto de estar exposto num museu ou numa galeria? Nenhuma destas respostas faz prevalecer qualquer convicção.
Como observei no início, parte da dificuldade reside em perguntar a questão errada – em não conseguir reconhecer que uma coisa pode funcionar como obra de arte em certos momentos e não noutros. Nos casos cruciais, a verdadeira questão não é “Quais os objectos que são (permanentemente) obras de arte?” mas “ Quando é que um objecto é uma obra de arte?” – ou mais brevemente como no meu título, “Quando é arte?”
A minha resposta é que exactamente como um objecto pode ser um símbolo – por exemplo, uma amostra –em certos momentos e em certas circunstâncias e não noutras, assim um objecto pode ser uma obra de arte em certos momentos e não noutros. Na realidade, exactamente por funcionar, e enquanto funcionar, de determinado modo como um símbolo, um objecto torna-se uma obra de arte.
(…)
Bem longe de especificar as características particulares que diferenciam a estética de outra simbolização, a resposta à questão “Quando é  Arte?” parece-me assim claramente estar posta em termos da função simbólica. (…) A pintura de Rembrandt permanece uma obra de arte, como permanece uma pintura, quando funciona apenas como coberta; a pedra da entrada da garagem pode não se tornar estritamente arte pelo facto de funcionar como arte[1]. Similarmente, uma cadeira permanece uma cadeira mesmo que nunca se tenham sentado nela, e um caixote permanece um caixote mesmo que nunca tenha sido usado a não ser para servir de assento. Dizer o que a arte faz não é dizer o que a arte é; mas eu sugiro que o primeiro é assunto de primordial e especial preocupação. A questão posterior de definir a propriedade estável em termos da função efémera, “o quê” em termos do “quando” não está confinada às artes mas é inteiramente geral, e é a mesma para definir cadeiras como para definir objectos de arte.(…) que o facto de um objecto ser arte – ou uma cadeira – depende do intento ou de ele, por vezes, habitualmente, sempre ou exclusivamente funcionar como tal.(…) Uma característica saliente da simbolização, aleguei enfaticamente, é que ela pode ir e vir. Um objecto pode simbolizar coisas diferentes em ocasiões diferentes, e nada noutras ocasiões. Um objecto inerte ou puramente utilitário pode chegar a funcionar como arte, e uma obra de arte pode chegar a funcionar como um objecto inerte ou puramente utilitário. Talvez que, em vez de a arte ter uma existência longa e a vida uma existência curta, ambas sejam transitórias.(…) A maneira como um objecto ou acontecimento funciona como obra explica como, através de determinados modos de referência, aquilo que assim funciona pode contribuir para uma visão – e para a feitura – de um mundo."
 
Nelson Goodman, Modos de fazer mundos, Ed. Asa, Porto, 1995, pág. 113, 116,117 e 118

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