"A literatura da estética
está atafulhada com tentativas desesperadas para responder à questão “O que é a
arte?” Esta questão, é muitas vezes irremediavelmente confundida com a questão “O
que é a boa arte?”, é crucial no caso da arte encontrada - a pedra apanhada na entrada da garagem e
exposta num museu – e agrava-se ainda mais pela promoção das chamadas arte
ambiental e arte conceptual. O pára-lamas amachucado de um carro numa galeria
de arte, é uma obra de arte? E como considerar algo que não é sequer um
objecto, e não está exposto numa galeria de arte nem num museu – por exemplo, o
escavar e encher um buraco no Central Park como prescrito por Oldenburg? Se estas
são obras de arte, então todas as pedras nas entradas das garagens, todos os
objectos e acontecimentos são obras de arte? Se não o são, o que distingue
aquilo que é daquilo que não é uma obra de arte? O facto de um artista lhe
chamar uma obra de arte? O facto de estar exposto num museu ou numa galeria?
Nenhuma destas respostas faz prevalecer qualquer convicção.
Como observei no início,
parte da dificuldade reside em perguntar a questão errada – em não conseguir
reconhecer que uma coisa pode funcionar como obra de arte em certos momentos e
não noutros. Nos casos cruciais, a verdadeira questão não é “Quais os objectos
que são (permanentemente) obras de arte?” mas “ Quando é que um objecto é uma
obra de arte?” – ou mais brevemente como no meu título, “Quando é arte?”
A minha resposta é que
exactamente como um objecto pode ser um símbolo – por exemplo, uma amostra –em certos
momentos e em certas circunstâncias e não noutras, assim um objecto pode ser
uma obra de arte em certos momentos e não noutros. Na realidade, exactamente
por funcionar, e enquanto funcionar, de determinado modo como um símbolo, um
objecto torna-se uma obra de arte.
(…)
Bem longe de especificar
as características particulares que diferenciam a estética de outra simbolização,
a resposta à questão “Quando é Arte?” parece-me assim claramente estar posta
em termos da função simbólica. (…) A pintura de Rembrandt permanece uma obra de
arte, como permanece uma pintura, quando funciona apenas como coberta; a pedra
da entrada da garagem pode não se tornar estritamente arte pelo facto de
funcionar como arte[1].
Similarmente, uma cadeira permanece uma cadeira mesmo que nunca se tenham
sentado nela, e um caixote permanece um caixote mesmo que nunca tenha sido
usado a não ser para servir de assento. Dizer o que a arte faz não é dizer o
que a arte é; mas eu sugiro que o primeiro é assunto de primordial e especial
preocupação. A questão posterior de definir a propriedade estável em termos da
função efémera, “o quê” em termos do “quando” não está confinada às artes mas é
inteiramente geral, e é a mesma para definir cadeiras como para definir
objectos de arte.(…) que o facto de um objecto ser arte – ou uma cadeira –
depende do intento ou de ele, por vezes, habitualmente, sempre ou
exclusivamente funcionar como tal.(…) Uma característica saliente da simbolização,
aleguei enfaticamente, é que ela pode ir e vir. Um objecto pode simbolizar
coisas diferentes em ocasiões diferentes, e nada noutras ocasiões. Um objecto
inerte ou puramente utilitário pode chegar a funcionar como arte, e uma obra de
arte pode chegar a funcionar como um objecto inerte ou puramente utilitário.
Talvez que, em vez de a arte ter uma existência longa e a vida uma existência
curta, ambas sejam transitórias.(…) A maneira como um objecto ou acontecimento
funciona como obra explica como, através de determinados modos de referência,
aquilo que assim funciona pode contribuir para uma visão – e para a feitura –
de um mundo."
Nelson Goodman, Modos de
fazer mundos, Ed. Asa, Porto, 1995, pág. 113, 116,117 e 118
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