Mas, perguntei a mim mesmo, que é que confirmava cada nova
observação? Simplesmente o facto de que cada caso podia ser examinado à luz da
teoria. Refleti, contudo, que isso significava muito pouco, pois todo e
qualquer caso concebível pode ser examinado à luz da teoria de Freud e de
Adler. Posso ilustrar esse ponto com dois exemplos muito diferentes de
comportamento humano: o do homem que joga uma criança na água com a intenção de
afogá-la e o de quem sacrifica sua vida na tentativa de salvar a criança. Ambos
os casos podem ser explicados com igual facilidade, tanto em termos freudianos
como adlerianos. Segundo Freud, o primeiro homem sofria de repressão (digamos,
algum componente do seu complexo de Édipo) enquanto o segundo alcançara a
sublimação. Segundo Adler, o primeiro sofria de sentimento de inferioridade
(gerando, provavelmente, a necessidade de provar a si mesmo ser capaz de
cometer um crime), e o mesmo havia acontecido com o segundo (cuja necessidade
era provar a si mesmo ser capaz de salvar a criança). Não conseguia imaginar
qualquer tipo de comportamento humano que ambas as teorias fossem incapazes de
explicar.
Era precisamente esse facto - elas serviam sempre e eram sempre
confirmadas - que constituía o mais forte argumento em seu favor. Comecei a perceber
aos poucos que essa força aparente era, na verdade, uma fraqueza. Com a teoria
de Einstein, a situação era extraordinariamente diferente. Tomemos um exemplo
típico - a predição de Einstein, confirmada havia pouco por Eddington. A teoria
gravitacional de Einstein havia levado à conclusão de que a luz devia ser
atraída pelos corpos pesados (como o Sol), exatamente como ocorria com os
corpos materiais. Calculou-se portanto que a luz proveniente de uma estrela
distante, cuja posição aparente estivesse próxima ao Sol, alcançaria a Terra de
uma direção tal que a estrela pareceria estar ligeiramente deslocada para
longe do Sol. Em outras palavras, as estrelas próximas do Sol pareceriam ter-se
afastado um pouco dele e entre si. Isso não pode ser normalmente observado,
pois as estrelas tornam-se invisíveis durante o dia, ofuscadas pelo brilho
irresistível do Sol; durante um eclipse, porém, é possível fotografá-las. Se a
mesma constelação é fotografada durante um eclipse, de dia e à noite, pode-se
medir as distâncias em ambas as fotografias e verificar o efeito previsto. o
mais impressionante neste caso é o risco envolvido numa predição desse tipo. Se
a observação mostrar que o efeito previsto definitivamente não ocorreu, a
teoria é simplesmente refutada: ela é incompatível com certos resultados
passíveis da observação; de facto, resultados que todos esperariam antes de
Einstein. Essa situação é bastante diferente da que descrevi anteriormente,
pois tornou-se evidente que as teorias em questão eram compatíveis com o
comportamento humano extremamente divergente, de modo que era praticamente
impossível descrever um tipo de comportamento que não servisse para
verificá-las. Durante o Inverno de 1919-1920, essas considerações levaram-me a
conclusões que posso agora reformular da seguinte maneira. (1) É fácil obter
confirmações ou verificações para quase toda teoria – desde que as procuremos.
(2) As confirmações só devem ser consideradas se resultarem de predições
arriscadas; isto é, se, não esclarecidos pela teoria em questão, esperarmos um
acontecimento incompatível com a teoria e que a teria refutado. (3) Toda teoria
científica boa é uma proibição: ela proíbe certas coisas de acontecer. Quanto
mais uma teoria proíbe, melhor ela é. (4) A teoria que não for refutada por
qualquer acontecimento concebível não é científica. A irrefutabilidade não é
uma virtude, como frequentemente se pensa, mas um vício. (5) Todo teste genuíno
de uma teoria é uma tentativa de refutá-la. A possibilidade de testar uma
teoria implica igual possibilidade de demonstrar que é falsa. Há, porém,
diferentes graus na capacidade de se testar uma teoria: algumas são mais
testáveis, mais expostas à refutação do que outras; correm, por assim dizer,
maiores riscos. (6) A evidência confirmadora não deve ser considerada se não
resultar de um teste genuíno da teoria; o teste pode-se apresentar como uma
tentativa séria porém malograda de refutar a teoria. (Refiro-me a casos como o
da evidência corroborativa). (7) Algumas teorias genuinamente testáveis, quando
se revelam falsas, continuam a ser sustentadas por admiradores, que introduzem,
por exemplo, alguma suposição auxiliar ad hoc, ou reinterpretam a teoria ad
hoc de tal maneira que ela escapa à refutação. Tal procedimento é sempre
possível, mas salva a teoria da refutação apenas ao preço de destruir (ou pelo
menos aviltar) o seu padrão científico. (Mais tarde passei a descrever essa
operação de salvamento como uma distorção convencionalista ou um estratagema
convencionalista) Pode-se dizer, resumidamente, que o critério que define o
estatuto científico de uma teoria é a sua capacidade de ser refutada ou
testada.
Karl R. Popper, Conjecturas e Refutações Brasília: Editora
da UnB. 1980.
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