O problema da causalidade
«Talvez um exemplo concreto possa ajudar a compreender o modo como David Hume abordou o problema da causalidade.
Imagine
um bebé a quem os pais sempre tenham dado brinquedos macios e moles
para se entreter. Esse bebé atira frequentemente os brinquedos para fora
do berço, e eles caem no chão com um baque surdo. Um dia, o tio dá-lhe
uma bola de borracha. O bebé examina-a de todos os ângulos, cheira-a,
mete-a na boca, apalpa-a, depois deixa-a cair. Não obstante o exame
cuidadoso a que submeteu a bola, o menino não tem maneira de saber que,
em vez de cair suavemente no chão como os outros brinquedos, ela salta.
Só pelo exame de uma coisa, diz-nos Hume constantemente, não poderemos
dizer quais os efeitos que ela pode produzir. Só podemos determinar as
suas consequências em resultado da experiência.
Imagine
agora que o tio do menino ficou à espera de ver como brincaria ele com o
seu presente. Quando o tio vê a bola cair, espera que ela salte. Se
você lhe perguntar o que fez a bola saltar, ele responderá: ‘O meu
sobrinho deixou-a cair’; ou ainda: ´Há uma conexão necessária entre
deixar cair uma bola e ela saltar’.
Mas Hume
faz uma pergunta mais profunda. Qual é a experiência que o tio tem e que
falta à criança? O tio faz uso de conceitos como ´causa’ e ‘conexão
necessária’. Se não se tratar apenas de palavras vazias, têm de se
reportar de algum modo à experiência. Mas qual é, no caso presente, a
experiência? A experiência do tio difere da experiência do sobrinho em
quê?
A diferença consiste, para Hume, num facto
simples. Ao contrário do sobrinho, o tio pôde observar, num grande
número de casos, primeiro uma bola de borracha cair ao chão e, depois, o
salto que ela dá. Na verdade, nunca na sua experiência houve um só caso
em que uma bola de borracha tenha sido deixada cair numa superfície
dura sem saltar, ou uma bola de borracha tenha começado a saltar sem
primeiro ter caído ou ter sido atirada. Segundo Hume, há uma ‘conjunção
constante’ entre a queda da bola e o salto que dá.
Mas
como é que essa diferença de experiências entre o tio e o sobrinho
engendra conceitos como ´causa’ e ‘conexão necessária’? O tio viu uma
bola de borracha cair ao chão e saltar em muitas ocasiões, enquanto o
sobrinho só viu isso acontecer uma vez. Todavia, o tio não viu nada que o
sobrinho não tivesse visto também, apenas teve mais vezes a mesma
sequência de experiências. Ambos observam que uma bola cai e depois
salta – nada mais. O tio, porém, acredita que há uma conexão necessária
entre a bola cair e saltar. E isto não é alguma coisa que ele encontre
na sua experiência; a sua experiência é a mesma que a do sobrinho, só
que se repetiu muitas vezes. Então, donde vem a ideia de uma conexão
necessária, de uma ligação causal, se nunca foi diretamente observada?
A
ideia de que existem conexões causais entre os acontecimentos tem um
papel importante no modo como compreendemos o mundo. Mas, quando vamos
atrás desta ideia com seriedade , descobrimos que a conexão causal não é
uma coisa que tenhamos alguma vez observado concretamente. Podemos
dizer que o acontecimento A causa o acontecimento B , mas, quando
examinamos a situação, descobrimos que é o acontecimento A seguido do
acontecimento B aquilo que de facto observámos. Não existe uma terceira
entidade, uma ligação causal, que também seja observada. Donde vem então
essa ideia?»
Adapatado a partir de: Bryan Magee, Os grandes filósofos, Editorial Presença, Lisboa, 1989, pp. 141-143
1. De acordo com o texto, a relação causa efeito parece-nos uma relação necessária mas não é. Porquê?
2. O que se tenta provar com o exemplo da bola de borracha?
3. O que são conexões causais? Dê um exemplo.
4. Responda à última questão colocada pelo autor.
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