O progresso da ciência, tal como o vê o falsificacionista,
poderá resumir-se da seguinte forma. A ciência começa com problemas, problemas
que estão associados à explicação do comportamento de alguns aspetos do mundo.
O cientista propõe hipóteses falsificáveis para solucionar os problemas. As
hipóteses são criticadas e comprovadas. Algumas são eliminadas rapidamente,
outras podem ter mais êxito. Estas devem submeter-se a críticas e provas mais
rigorosas. Quando finalmente se falsifica uma hipótese que tenha superado com
sucesso uma grande variedade de testes, surge um novo problema, que é a
invenção de novas hipóteses, seguidas de novas críticas e provas. Este processo
continua indefinidamente. Por isso nunca se pode afirmar que uma teoria é
verdadeira, por muitas provas rigorosas que tenha superado, somente podemos afirmar
que a teoria em vigor é superior às suas predecessoras, no sentido de que foi
capaz de superar testes que falsificaram as teorias anteriores. No dizer de
Popper "(...) só há um caminho para a ciência: encontrar um problema, ver
a sua beleza e apaixonar-se por ele; casar e viver feliz com ele até que a
morte nos separe – a não ser que obtenhamos uma solução. Mas, mesmo que
obtenhamos uma solução, poderemos então descobrir, para nosso deleite, a
existência de toda uma família de problemas-filhos, encantadores ainda que
talvez difíceis, para cujo bem-estar poderemos trabalhar, com um sentido, até
ao fim dos nossos dias".11 A afirmação de que a origem da ciência está nos
problemas é perfeitamente compatível com a prioridade das teorias sobre a
observação e os enunciados observáveis. A ciência não começa com a pura
observação. A concepção falsificacionista, proporciona uma imagem dinâmica da
ciência. O progresso da ciência, exige que as teorias sejam cada vez mais
falsificáveis e em consequência tenham cada vez mais informação, exclui no
entanto, que se efetuem modificações nas teorias destinadas simplesmente a
protegê-las da falsificação ou de uma falsificação ameaçadora. Essas
modificações, tal como a adição de mais um postulado sem consequências que não
tenham sido já comprovadas, são denominadas de modificações ad hoc. As
modificações ad hoc são rejeitadas pelo falsificacionista, no entanto, existe
outro tipo de modificações não ad hoc, aceites pelo falsificacionista.
Centramos a nossa atenção na seguinte proposição: "O pão alimenta".
No entanto, em França, numa determinada região, o trigo que crescia de maneira
normal foi convertido em pão normal e a maioria das pessoas que comeu esse pão
ficou gravemente doente. A teoria de que "todo o pão alimenta" foi
falsificada. Podemos modificar a teoria para evitar a sua falsificação:
"Todo o pão alimenta, exceto, aquele que é produzido numa determinada
zona de França". Esta é uma modificação ad hoc. A teoria modificada não
pode ser comprovada de maneira que não o seja também a teoria original. A
hipótese modificada é menos falsificável que a versão original. O
falsificacionista rejeita essas ações de retaguarda. Como modificar a teoria
de uma maneira aceitável? Da seguinte forma: "Todo o pão alimenta, exceto
aquele, cujo trigo é contaminado por um determinado tipo de parasita".
Esta teoria modificada, não é ad hoc porque leva a novas comprovações. No dizer
de Popper, é contrastável de forma independente. O falsificacionista deve
rejeitar as hipóteses ad hoc e estimular a proposta de hipóteses audazes com
melhorias potenciais em relação às teorias falsificadas. As confirmações que
são conclusões conhecidas de antemão são insignificantes. Se hoje em dia
confirmamos a teoria da gravitação universal de Newton atirando uma pedra ao
solo, não contribuímos com nada de valor para o progresso da ciência. Ao
contrário, se amanhã confirmamos uma teoria especulativa que implica que a
atração gravitatória entre dois corpos depende das suas temperaturas,
falsificando a teoria de Newton, teremos realizado um avanço importante no
conhecimento científico.
Alexandre Marques, A doutrina do falseamento
1. Qual o critério de demarcação entre teorias científicas e não-científicas?
2. Como devem ser testadas as teorias?
3. Em que consiste uma modificação ad hoc?
3. Segundo o texto, como evoluem as teorias científicas?
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