quarta-feira, 20 de novembro de 2024

 https://www.youtube.com/watch?v=jMFxbv-Gg9g

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Texto para resumo/análise António 11C


Descartes'  ideia de visão, 1692.
Descartes' (1596-1650) idea of vision, [1692]. The passage of nervous impulses from the eye to the pineal gland and so to the muscles. From Rene Descartes' Opera Philosophica (Tractatus de homine), 1692. (Photo by Oxford Science Archive/Print Collector/Getty Images)

O PROBLEMA DE DESCARTES

Poucas pessoas supuseram que as mesas ou os átomos têm pensamentos. Mas porque é que Descartes pensou que as mentes não existem no espaço? Afinal, podes pensar que a minha mente está onde está o meu corpo. Mas se eu não tivesse corpo, tal como Descartes pensava que era possível, ainda assim eu teria uma mente. Por isso ele não podia dizer que uma mente tem que estar onde o seu corpo está, simplesmente porque se pode não ter um corpo. Além disso, se eu tenho um corpo, porque é que eu não deveria dizer que é aí que a minha mente está? Se eu não tivesse um corpo, essa seria a resposta errada, mas na verdade eu tenho um corpo. Eu penso que a principal razão para pensar que as mentes não existem no espaço é o facto de parecer estranho perguntar “Onde é que estão os teus pensamentos?”. Mesmo que respondesses dizendo “Eles estão na minha cabeça”, não seria óbvio que isto era literalmente verdadeiro. Porque se eles estivessem na tua cabeça, poderias saber exatamente em que lugar da cabeça estariam e a quantidade de volume que ocupariam. Mas não se pode dizer quantos centímetros de comprimento ou largura ocupa um pensamento, nem se estão situados a norte ou a sul do córtex cerebral. […]
É precisamente este dualismo que faz surgir um conjunto de dificuldades à posição de Descartes. Isto porque quem pensa que mente e corpo são totalmente distintos tem que responder a duas questões principais. A primeira, como é que eventos mentais causam eventos físicos? Como é que, por exemplo, as nossas intenções, que são mentais, levam à ação, que envolve movimentos físicos do nosso corpo? Como é que, por exemplo, é possível que a interação física entre os nossos olhos e a luz leve às experiências sensoriais da visão, que são mentais? […]
A resposta de Descartes a estas questões parece clara e suficientemente simples. O cérebro humano, pensava ele, possui um ponto de interação entre a mente e a matéria. De facto, Descartes sugeriu a glândula pineal, situada no centro da cabeça, como sendo o canal entre os dois domínios distintos da mente e da matéria. Era esta a resposta dele para o problema mente-corpo. No entanto esta teoria entra em conflito com a afirmação de Descartes de que o que distingue o mental do material é o facto do mental não ser espacial. Pois se acontecimentos mentais causam acontecimentos cerebrais, então isso não significa que eventos mentais ocorrem no cérebro? Como é que algo pode causar um acontecimento no cérebro sem ser um acontecimento (ou algo do mesmo género) no cérebro? Normalmente, quando um evento – digamos “A” – causa outro evento – digamos “B” – A e B têm de estar próximos um do outro, ou tem que existir uma sequência de eventos próximos uns dos outros entre A e B. Uma drama num estúdio de televisão causa uma imagem no meu televisor a muitos quilómetros de distância. Mas há um campo eletromagnético que transporta a imagem do estúdio até mim, um campo que existe entre o meu televisor e o estúdio. 
A perspetiva de Descartes terá de ser a de que os meus pensamentos causam mudanças no meu cérebro e que estas mudanças depois levam à minha ação. Mas se os pensamentos não existem ou não estão próximos do meu cérebro, e se não existe uma cadeia de eventos entre os meus pensamentos e o meu cérebro, então isto é um tipo de causalidade muito invulgar. Descartes quer dizer que os pensamentos não estão em nenhum lugar. Mas, de acordo com o que ele defende, pelo menos alguns dos efeitos dos meus pensamentos estão no meu cérebro e nenhum dos efeitos diretos dos meus pensamentos estão no cérebro de outras pessoas. Normalmente os meus pensamentos levam às minhas ações e nunca levam diretamente às ações de outras pessoas. Chegamos, assim, a um problema central da posição de Descartes, já que é normal pensar que as coisas estão onde os seus efeitos se originam. (Podemos designar esta ideia como a tese causal da localização). Deste ponto de vista, os meus pensamentos estão no meu cérebro, que é a origem do meu comportamento. Mas se os eventos mentais ocorrem no cérebro, então, dado que o cérebro está no espaço, pelo menos alguns eventos mentais também existem no espaço. Assim, o modo como Descartes distingue o mental do físico não funciona. Designemos esta aparente conflito entre o facto de que a mente e a matéria parecem interagir causalmente e a afirmação de Descartes que a mente não existe no espaço o problema de Descartes.”


Kwame Anthony Appiah,Thinking it Through: An introduction to contemporary philosophy, Oxford University Press

Texto resumo análise Laura Tung

 


Críticas à Filosofia Cartesiana

O círculo cartesiano

O cogito, só por si, dificilmente poderia constituir um fundamento sólido para o conhecimento. De facto, é a existência de Deus que garante a Descartes que não se engana quando pensa clara e distintamente. Mas, por outro lado, parece que Descartes só pode saber que Deus existe porque compreende clara e distintamente a Sua existência, a existência de um ser perfeito.

Se este é o argumento de Descartes, como pensam alguns críticos, então é falacioso, pois trata-se de um argumento circular: para saber que as ideias claras e distintas são verdadeiras, tenho primeiro de saber que Deus existe; mas, para saber que Deus existe, tenho primeiro de saber que as ideias claras e distintas são verdadeiras.

Será que da ideia da perfeição se segue que existe um ser perfeito?

A segunda crítica que referiremos aqui questiona a validade da demonstração cartesiana da existência de Deus a partir da ideia de causalidade.

Vimos anteriormente Descartes argumentar que a ideia de perfeição só pode ter sido causada por um ser perfeito; mas, para alguns críticos, esta ideia está longe de ser clara e distinta. Quem nos garante que não é ainda o génio maligno a manipular a nossa mente, e a enganar-nos quando pensamos que a ideia de perfeição só pode ter sido causada por um ser perfeito? Na verdade, Descartes ainda não afastou completamente a hipótese do génio maligno.

E, afinal, que razões temos para acreditar que a ideia de perfeição tem de ser causada por um ser perfeito? Teremos sequer razões para acreditar que tal ideia tem de ser causada? Posso ter a ideia de uma pessoa perfeitamente pontual, por exemplo. Será que esta ideia exige uma causa perfeitamente pontual? Isto não parece fazer sentido. Talvez a ideia de uma pessoa perfeitamente pontual acabe por ser a definição de uma pessoa perfeitamente pontual. Mas a definição de uma pessoa perfeitamente pontual é uma ideia que posso ter sem jamais ter encontrado tal pessoa, ou mesmo que tal pessoa não exista (ver Simon Blackburn, Pense: Uma Introdução à Filosofia, Lisboa, Gradiva, 2001, p. 43).

Parece, pois, que Descartes não conseguiu demonstrar satisfatoriamente a existência de Deus; e, se não conseguiu demonstrar satisfatoriamente a existência de Deus, então o cogito não é garantia suficiente de um conhecimento à prova de erro. Por isso, alguns filósofos pensam que Descartes não conseguiu resolver satisfatoriamente o problema e que, se queremos refutar definitivamente o céptico, teremos de encontrar outros fundamentos para o conhecimento.

É desse modo que pensam os fundacionalistas clássicos como Locke, Berkeley e Hume.

Artur Polónio

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Texto para resumo Sofia 11C


— O que é que entendes por “sistema filosófico”?

— Entendo uma filosofia construída desde a base e que procura encontrar uma resposta para todas as questões filosóficas importantes. A Antiguidade teve grandes construtores de sistemas como Platão e Aristóteles. A Idade Média teve S. Tomás de Aquino, que queria fazer uma ponte entre a filosofia de Aristóteles e a teologia cristã. Veio depois o Renascimento — com uma mistura de velhas e novas ideias sobre a natureza e a ciência, Deus e os homens. Só no século XVII a filosofia tentou de novo pôr em sistema as novas ideias. O primeiro a fazer esta tentativa foi Descartes. Ele deu o sinal de partida para aquilo que se tornaria o projeto filosófico mais importante para as gerações seguintes. Antes de mais, preocupava-o o que nós podemos saber, ou seja, a questão da “solidez do nosso conhecimento”. A segunda grande questão que o preocupava era a “relação entre corpo e alma”. Estas duas problemáticas determinariam a discussão filosófica dos cento e cinquenta anos seguintes.
— Então ele estava adiantado em relação à época. — Mas as questões já andavam no ar na época. Na questão de como podemos alcançar saber seguro, alguns exprimiram o seu total “ceticismo” filosófico.


 Achavam que os homens tinham de se conformar com o fato de nada saberem. Mas Descartes não se conformou com isso. Se o tivesse feito, não teria sido um verdadeiro filósofo. De novo, podemos fazer um paralelismo com Sócrates, que não se contentou com o ceticismo dos sofistas. Justamente na época de Descartes, a nova ciência da natureza desenvolvera um método que havia de fornecer uma descrição totalmente segura e exata dos processos naturais. Descartes interrogou-se se não havia um método igualmente seguro e Exato para a reflexão filosófica.
— Entendo.
— Mas esse era apenas um dos problemas. A nova física colocara também a questão sobre a natureza da matéria, ou seja, sobre o que determina os processos físicos na natureza. Cada vez mais pessoas defendiam uma compreensão materialista da natureza. Mas quanto mais o mundo físico era concebido de forma mecanicista, mais urgente se tornava a questão da relação entre corpo e alma. Antes do século XVII, a alma fora descrita geralmente como uma espécie de “espírito vital” que percorria todos os seres vivos. (...)
Foi só no século XVII que os filósofos estabeleceram uma separação radical entre alma e corpo, porque todos os objetos físicos — também um corpo animal ou humano — eram explicados como processos mecânicos. Mas a alma humana não podia ser uma parte desta “máquina fisiológica”? O que era então? Tinha que se esclarecer como é que algo “espiritual” podia dar origem a um processo mecânico. — Essa é realmente uma ideia bastante estranha.
— O que queres dizer com isso?
 — Eu decido levantar o meu braço — e o braço eleva-se. Ou eu decido correr para o autocarro e imediatamente as minhas pernas começam a mover-se. Por vezes, penso numa coisa triste: as lágrimas vêm-me logo aos olhos. Assim, tem de haver alguma ligação misteriosa entre o corpo e a consciência. — Foi precisamente este problema que levou Descartes a refletir. (...) ele estava convencido de que há uma divisão rígida entre espírito e matéria."


Jostein Gaarder, O mundo de Sofia

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Matriz para o 1º teste de 11ºAno. 8 NOVEMBRO 2024



Conteúdos e Competências

1. O conhecimento e a racionalidade científica e tecnológica.

a. A epistemologia. (Definir e problematizar)
b. Os vários tipos de conhecimento: Proposicional, por contacto e de aptidão. (Distinguir, caracterizar e exemplificar)
d. A definição tripartida de conhecimento: O conhecimento é uma Crença Verdadeira e Justificada. Argumentar, Problematizar, Aplicar. Identificar.
e. Objeções a esta teoria. Os contraexemplos de Gettier. (Argumentar, Problematizar, Exemplificar)
 f. Teorias da justificação: Fundacionalismo, coerentismo e fiabilismo. (Problematizar, Explicar, Distinguir)
g. Conhecimento a priori e a posteriori. ( Identificar, Relacionar. Explicar)
h. A questão da origem do conhecimento: Racionalismo e empirismo. (Discutir, Argumentar)
i. A questão da possibilidade do conhecimento: Ceticismo e dogmatismo.(Discutir, Argumentar)
j. Os argumentos céticos. (Explicitar, Criticar)
 
2. Uma teoria explicativa sobre o conhecimento: O racionalismo de René Descartes

a. O problema do conhecimento verdadeiro/fundamentado. (Contextualizar/Problematizar)
b. O método da dúvida. (Fundamentar, Examinar)
c. Etapas da dúvida. (Argumentar, Explicitar, Inferir)
d. Características da dúvida cartesiana.(Caracterizar, Apresentar)
e. O cogito como critério de verdade. Clareza e distinção. (Argumentar, Fundamentar, Relacionar)
f. O racionalismo cartesiano. A importância das ideias inatas.(Equacionar, Fundamentar)
g. A superação do ceticismo. As crenças básicas que se autojustificam. (Explicitar, Justificar)
h) A superação do solipsismo do cogito: A existência de Deus.
i) Os argumentos qe visam provar a existência de Deus ( Explicar, Argumentar, Problematizar);
j) Deus como garantia da verdade e da objetividade das ideias ( Fundamentar, Argumentar,
Problematizar):
l) A distinção das ideias. inatas, adventícias e fictícias (Distinguir, Definir)


Estrutura e cotações 

este elemento de avaliação é constituído por dois testes, o primeiro teste visa avaliar a competência de Conceptualização e o segundo teste avalia as competências de Problematização e Argumentação. Cada teste tem cotação de 0 a 20 valores.
TESTE 1 - CONCEPTUALIZAÇÃO - 
10x10 perguntas de escolha múltipla=100 Pontos +
2 perguntas de análise de conceitos (100 Pontos) = TOTAL - 200 Pontos

TESTE 2- ARGUMENTAÇÃO/PROBLEMATIZAÇÃO -   Perguntas que exigem fundamentação (5x40) = 200 Pontos

Competência transversal: COMUNICAÇÃO -Correção escrita
 

Competências Gerais 

Grupo 1 - CONCEPTUALIZAÇÃO
Identifica os conceitos e teorias.
Relaciona conceitos
Reconhece exemplos
Sabe definir conceitos e teorias.
Aplica corretamente a informação a novos problemas.

Grupo 2 ARGUMENTAÇÃO PROBLEMATIZAÇÃO
Explica com clareza os argumentos das teorias estudadas.
Formula corretamente os seus próprios argumentos
Justifica as afirmações  que utiliza.
Relaciona ideias de forma coerente.
Interpreta corretamente os textos.
Infere corretamente consequências a partir de uma frase ou de um texto.
Recorre a bons exemplos para demonstrar o que afirma.
Enuncia corretamente os problemas de um texto ou de  uma teoria,
Compreende o problema apresentado.





 

sábado, 26 de outubro de 2024

Texto para resumo Madalena ou Matias 11C



O Cogito

Alguns vêem no Cogito não a conclusão de um argumento, mas uma espécie de descoberta epistémica: uma verdade indubitável na qual ele tropeça. Outros preocupam-se em saber se Descartes pode ter direito ao ‘Eu’ presente no Cogito. Não terá ele de direito apenas a qualquer coisa de menos, a dizer somente que o pensamento ocorre e não que quem o pensa é o próprio Descartes?

O círculo cartesiano

No entanto, Descartes tenta ir para a frente, olhando para novas verdades dentro da sua mente. Pensa um pouco acerca da natureza da dúvida e conclui que a dúvida é uma forma de imperfeição, em comparação com o conhecimento. A reflexão sobre a própria ideia de perfeição condu-lo a uma das várias provas da existência de Deus. Dada a natureza das suas várias dúvidas, Descartes sabe que não é um ser perfeito. Não obstante, tem a ideia de perfeição e essa ideia não lhe pode ter vindo de si mesmo ou de qualquer ser imperfeito. Pode apenas vir de um ser perfeito, nomeadamente, de Deus. Esta linha de pensamento conduz a uma versão do argumento ontológico de Anselmo. A ideia que Descartes tem de Deus é a de um ser com todas as perfeições. A existência é uma forma de perfeição; portanto, Deus tem de existir. Pensar em Deus como não existindo é como pensar num triângulo sem três lados. Assim como possuir três lados está no conceito de triangularidade, existência está no conceito de Deus. Se compreendemos bem a ideia de Deus, temos de aceitar que Deus existe.
O engano, nota Descartes, é uma forma de imperfeição e, por isso, conclui que Deus não pode ser enganador. Logo, podemos confiar nas nossas percepções claras e distintas; não somos sistematicamente enganados e a verdade tem de estar ao alcance das nossas capacidades. Reconstruir um sistema de crenças enraízado na percepção clara e distinta é a tarefa [seguinte].
Muitos notaram nesta linha de argumento um círculo demasiado fechado. Chegamos ao conhecimento de que Deus existe e não é enganador apenas porque aceitámos uma série de percepções claras e distintas. Sabemos que as nossas percepções claras e distintas são fiáveis porque Deus existe e não é enganador. Mas não depende a nossa fé nas percepções claras e distintas da prova de que Deus existe e não pressupõe essa prova a veracidade das nossas percepções claras e distintas?
O problema (…) é o de que o conhecimento parece ser uma coisa frágil. Descartes tem certamente sucesso na parte negativa do seu projecto, arrasando os fundamentos do conhecimento com os argumentos cépticos (…). No entanto, o seu esforço para erguer tudo a partir do nada constitui uma espécie de falhanço. Mas o seu objectivo principal, o de mostrar que uma compreensão científica do mundo é possível é algo que nós, modernos, tomamos como adquirido demasiado facilmente.

James Garvey, The Twenty Greatest Philosophy Books. London & New York: Continuum, 2006.

Trad. Carlos Marques.

sábado, 19 de outubro de 2024

Texto para resumo Maria Palhano 11C


O ponto de vista dominante da filosofia ocidental nos últimos trezentos anos tem sido o que derivou do filósofo francês René Descartes, um dos filósofos mais influentes de todos os tempos. O seu método consiste em olhar para um problema questionando o modo como um indivíduo adquire conhecimento. […]
O trabalho mais conhecido de Descartes, o Discurso do Método – o seu título completo é Discurso do Método Para Conduzir Adequadamente a Razão e Procurar a Verdade nas Ciências – está escrito num estilo atraente e claro. Pode parecer que aquilo que ele escreveu é mais simples e mais óbvio do que é na realidade, por isso temos de considerar aquilo que ele escreveu de modo cuidadoso. Eis uma passagem da quarta parte do Discurso do Método, publicado em 1637, na qual ele define de modo muito claro a sua perspectiva acerca da natureza do seu próprio eu (self):
“Então, examinando atentamente aquilo que eu era e vendo que poderia presumir que não possuía corpo e que não havia mundo nem nenhum local onde eu estivesse, mas não poderia fingir que eu não existia; e que, pelo contrário, pelo facto de estar a duvidar da verdade de outras coisas, seguia-se com bastante evidência e certeza que eu existia; ao passo que se eu tivesse parado de pensar, embora tudo o que eu sempre pensei ser verdadeiro o fosse, eu não tinha razão para acreditar que eu existia; eu soube a partir disto que eu era uma substância cuja essência ou natureza era apenas o pensamento….”
Esta passagem contém praticamente todos os componentes centrais da filosofia da mente de Descartes. Em primeiro lugar, Descartes é um dualista. Isto significa acreditar que a mente e o corpo são duas espécies de coisas bastante distintas, dois tipos do que ele chama “substância”. Em segundo lugar, aquilo que ele pensa que tu és, o teu eu, é a mente. Dado que tu és uma mente, e as mentes são totalmente independentes do corpo, tu podes mesmo assim existir, sem um corpo. Em terceiro lugar, a tua mente e os teus pensamentos são aquilo que tu conheces melhor. Para Descartes é possível, pelo menos em princípio, existir uma mente sem um corpo, sendo incapaz, por mais que tente, de se aperceber de outras coisas, incluindo outras mentes. Descartes sabia, como é óbvio, que o modo como tomamos conhecimento daquilo que se passa na mente de outras pessoas é pela observação da fala e das acções de “outros corpos”. Mas para ele havia duas possibilidades sérias capazes de pôr em causa a nossa crença na existência de outras mentes. Uma é que os outros corpos podem ser apenas fingimentos da nossa imaginação. A outra é que, mesmo que os corpos e as outras coisas materiais existam, as provas que normalmente pensamos que justificam a nossa crença que os outros corpos são habitados por mentes pode ter sido produzida por autómatos, por máquinas sem mentes. Em quarto lugar, a essência da mente é ter pensamentos, e por “pensamentos” Descartes significa algo de que te apercebes na tua mente quando estás consciente. (A essência de um tipo de coisa, K, é a propriedade – ou o conjunto de propriedades – cuja posse é uma condição necessária e suficiente para ser um membro de K. Ou seja, se algo tem a propriedade essencial E, então pertence a K – portanto E é uma condição suficiente para pertencer a K; tudo o que não tem E, não pertence a K – portanto E é necessário para a relação de pertença.) Noutras passagens Descartes diz que a essência de uma coisa material – a propriedade, por outras palavras, que toda a coisa material tem que ter – é ocupar espaço. Isto significa que para Descartes as duas diferenças essenciais entre coisas materiais e mentes são (1) que as mentes pensam, enquanto a matéria não pensa, e (2) que as coisas materiais ocupam espaço, enquanto as mentes não. A tese de Descartes é, assim, que aquilo que distingue a mente do corpo é o facto negativo que a mente não existe no espaço e o facto positivo que as mentes pensam. Não é surpreendente que Descartes tenha pensado que a matéria não pensa. Poucas pessoas supuseram que as mesas ou os átomos têm pensamentos. Mas porque é que ele pensou que as mentes não existem no espaço?

Kwame Anthony Appiah,Thinking it Through: An introduction to contemporary philosophy, Oxford University Press


quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Texto para resumo Margarida 11C

No Discurso do Método, [Descartes] conta-nos como na sua juventude se sentia perturbado com o espectro da incerteza:

[…] encontrava-me embaraçado com tantas dúvidas e erros que me parecia não ter tido outro proveito, ao tentar instruir-me, senão o de ter descoberto cada vez mais a minha ignorância. E, no entanto, estive numa das escolas mais célebres da Europa…
E, enfim, o nosso século parecia-me tão florescente e fértil de bons espíritos quanto qualquer um dos precedentes. Por isso, tomei a liberdade de tomar o meu juízo como universal, concluindo que não há nenhuma doutrina no mundo que fosse como até então me fizeram crer.


A resposta de Descartes a esta situação foi procurar os fundamentos sobre os quais a verdade podia ser assegurada. Por isso, nas suas Meditações Sobre Filosofia Primeira, ele faz uso de um método de dúvida radical, cujo fim é o de estabelecer pelo menos alguma crença que possa então servir como alicerce para o conhecimento. A dúvida radical significa apenas isso. Como diz Descartes, 'A mais pequena dúvida será suficiente para me fazer rejeitar qualquer das minhas crenças.'
O argumento de Descartes é um dos mais famosos na história da filosofia. Ele mostra que nos podemos enganar acerca de certos dados dos sentidos; que é possível colocar toda a nossa experiência dos sentidos sob dúvida - podemos, por exemplo, estar a sonhar sem o saber; e, de modo mais radical, que é possível que nada exista para além das nossas experiências sensíveis - podemos ter sido iludidos por um demónio maligno.
Contudo, este processo também mostra que há uma crença renitente. Por mais que apliquemos o método da dúvida, não é possível duvidar de que existimos. O próprio facto de se duvidar significa que tem de haver um 'Eu' que está a duvidar. É isto o famoso
cogito de Descartes:

Mas persuadi-me de que não havia nada no mundo, nenhum céu, nenhuma terra, nenhuns espíritos, nenhuns corpos. E não me persuadi também de que eu próprio não existia? Pelo contrário, se me persuadi de alguma coisa, eu existia com certeza. […] De maneira que, depois de ter-se pesado e repesado muito bem tudo isto, deve por último concluir-se que esta proposição Eu sou, eu existo é necessariamente verdadeira sempre que proferida por mim ou concebida pelo espírito.

Descartes, porém, tem agora um problema. Tendo estabelecido a existência de uma entidade pensante (se realmente foi estabelecida), como recupera o resto do mundo? A resposta, de modo breve, é que não é capaz de o fazer; pelo menos, de modo a satisfazer um filósofo dos nossos tempos. A sua tentativa envolve o emprego de uma versão do argumento ontológico com o objectivo de provar a existência de Deus, argumentando depois que, como Deus não é enganador, não somos sistematicamente enganados sobre as coisas que percebemos claramente. É razoável assim retomar algumas das nossas crenças acerca do mundo exterior.

Ophelia Benson & Jeremy Stangroom, Why Truth Matters (London, 2006, pps. 26-27). Tradução Carlos Marques.

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Texto para resumo/análise Leonardo 11C


O 'método da dúvida' de Descartes implica pôr de lado qualquer crença ou conhecimento que admitam a mais pequena dúvida, por mais improvável ou absurda que essa dúvida possa ser, no intuito de ver se resta alguma coisa. Se restar alguma coisa é precisamente porque é invulnerável à dúvida: é certo. Uma vez que o objectivo de Descartes nas Meditações é o de descobrir o que pode ser conhecido com certeza, o método da dúvida é crucial, pois constitui o caminho para o seu objectivo. A tentativa de considerar cada uma das suas crenças ou pretensões de conhecimento e submetê-las a escrutínio seria uma tarefa impossivelmente longa, de modo que Descartes teve necessidade de uma estratégia geral para pôr de lado todo o corpo de crenças dubitáveis. Procurou alcançá-la utilizando argumentos cépticos.
É preciso notar que o uso de argumentos cépticos por parte de Descartes não faz dele um céptico. Longe disso. Ele usa-os meramente como um instrumento heurístico para mostrar que nós possuímos efectivamente conhecimento. Ele é, portanto, um 'céptico metódico' e não um 'céptico problemático', entendo-se por esta última expressão alguém que pensa que os problemas colocados pelos cépticos são sérios e colocam uma genuína ameaça à nossa ambição de adquirir conhecimento. Acontece que, desde o tempo de Descartes, muitos filósofos pensaram que ele não produziu uma resposta adequada às dúvidas cépticas que ele próprio levantou e que, por conseguinte, o cepticismo é deveras um problema. O próprio Descartes não pensava de todo assim.
As considerações cépticas que Descartes usou (…) merecem aqui referência. A primeira delas é a de recordar que os sentidos por vezes nos conduzem no caminho do erro. Equívocos perceptivos, ilusões e alucinações podem levar, e ocasionalmente levam, a crenças falsas. Isto pode fazer com que não depositemos confiança no que pensamos conhecer através da experiência dos sentidos, ou, no mínimo, que sejamos cautelosos antes de confiarmos nela como fonte de verdade. Não obstante, diz Descartes, haverá muita coisa em que eu acredito com base na minha experiência - tal como, por exemplo, que tenho mãos e que estou a segurar um pedaço de papel com elas, que estou sentado numa poltrona defronte de uma lareira, etc. e que duvidar disto seria uma loucura, mesmo dada a falta de fiabilidade dos sentidos. Mas, apesar disso, diz Descartes, continuaria a haver muita coisa em que eu acreditaria com base na minha experiência actual - como, por exemplo, que tenho mãos e que estou a segurar com elas uma folha de papel, que estou sentado numa poltrona em frente da lareira, e assim por diante, coisas das quais seria uma loucura duvidar, não obstante a frequente falta de fiabilidade dos sentidos.
Mas será mesmo loucura duvidar destas coisas? Não, diz Descartes - e aqui ele vem com o seu segundo argumento - porque muitas vezes sonho quando durmo e se estou agora a sonhar que estou sentado em frente à lareira segurando um pedaço de papel, o pensamento de que assim estou é falso. Para estar certo de assim estar teria de poder excluir a possibilidade de estar meramente a sonhar com isso. Como pode isso ser feito? Parece difícil, senão impossível."

  A. C. Grayling. Descartes (London: Pocket Books, 2005), pp. 281-4. Trad. Carlos Marques.

 

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Texto para resumo João 11C

 


Os argumentos dos céticos

"O ceticismo, na sua versão mais extrema, é a ideia de que o conhecimento não é possível. Os céticos podem apresentar o seguinte argumento a favor da sua posição:

Se S sabe que P, então não é possível que S esteja enganado acerca de P.
É possível que S esteja enganado acerca de P.
Portanto, S não sabe que P.

Este argumento é um modus tollens e tem, por isso, forma válida. Se as premissas forem verdadeiras, o argumento é sólido e a conclusão verdadeira. A primeira premissa é meramente a expressão da condição que uma proposição tem de estar justificada de modo a garantir a sua verdade para que possa ser conhecimento. Admitamos, por isso, que é verdadeira. E a segunda? Como prova o cético esta premissa? É possível defendê-la apelando, por exemplo, aos erros e ilusões dos sentidos ou às limitações da memória e da razão. Mas também é possível defendê-la com um argumento mais geral que vise mostrar que nunca podemos justificar as nossas crenças e, portanto, que é sempre possível que estejamos enganados acerca delas.

Para vermos como, pensemos numa qualquer afirmação de cuja verdade julguemos estar absolutamente certos, como, por exemplo, que “A Lua é o único satélite natural da Terra”, ou que “Portugal situa-se na Europa”. A questão crucial é esta: que justificação temos para estarmos certos da sua verdade? Temos de ter uma justificação, claro. Caso contrário essas crenças não constituem conhecimento. Podemos justificar as nossas crenças dizendo, por exemplo, que as aprendemos na escola com os nossos professores de Geografia ou de Ciências da Natureza, que, dada a sua formação, são especialistas no assunto. O que fizemos, deste modo, foi justificar uma crença com outra crença. Mas isto, como é óbvio, levanta uma outra questão: que justificação temos para esta nova crença? Esta crença está, afinal de contas, numa posição similar à primeira. Se essa precisa de uma justificação, porque sem ela não constitui conhecimento, o mesmo se passa com esta. E, evidentemente, se esta não constitui conhecimento, também não pode justificar a primeira. Uma forma de justificar esta segunda crença é, claro, recorrer a uma outra da qual ela possa derivar. É fácil ver, no entanto, que o mesmo problema se colocará em relação a essa nova crença. Também ela precisará de uma justificação. Cada afirmação precisa de uma justificação e a justificação de uma nova justificação, numa regressão sem fim. Desse modo, parece, nem a primeira nem qualquer das outras crenças está justificada.

Há alguma forma de evitar esta consequência? Uma possibilidade é parar numa dada crença e não recuar mais na cadeia das justificações, deixando essa crença sem qualquer justificação. A outra é recuar nas nossas justificações até, eventualmente, voltarmos a uma crença que já usámos como justificação, raciocinando em círculo. Por que razão devemos acreditar no professor de Geografia ou de Ciências da Natureza? Porque o que ele diz está de acordo com o manual da disciplina. E por que devemos acreditar nesse manual? Porque foi escrito por especialistas. E como sabemos que são especialistas? Porque se não o fossem, não escreveriam manuais.

Estas três possibilidades em conjunto constituem o chamado trilema de Agripa, do nome do cético grego do século I a quem a tradição atribui a sua formulação. De acordo com este trilema, quando pretendemos justificar uma crença por intermédio de outras crenças estão disponíveis apenas três alternativas:

  1. Remontar infinitamente na cadeia de justificações;
  2. Raciocinar em círculo;
  3. Parar numa crença não suportada.

Nenhuma destas três possibilidades, afirmam os céticos, é melhor que a outra. Parar arbitrariamente na cadeia de justificações e raciocinar em círculo não é uma forma mais apropriada de justificar as nossas crenças do que regredir ao infinito. E como não existe outra alternativa, eles concluem que não é possível justificar nenhuma das nossas crenças e que, portanto, o conhecimento não existe."

Álvaro Nunes, texto retirado de https://criticanarede.com/anunesoproblemadoceticismo.html 

domingo, 6 de outubro de 2024

Raul Seixas - Gospel

What is Skepticism?

sábado, 5 de outubro de 2024

Texto para análise/resumo Joana Espinho 11C

 


O que é o ceticismo?

0 argumento que acabamos de examinar - o de que não conhecemos nada sobre o mundo que nos cerca - chama-se argumento cético. Os céticos sustentam que, na verdade, não sabemos o que pensamos que sabemos. E a afirmação de que não sabemos nada sobre o mundo que nos cerca chama-se ceticismo sobre o mundo exterior.

Ceticismo "versus" senso comum

A visão do senso comum, é claro, sustenta que de facto conhecemos o mundo exterior. Na verdade, se resolvesse dizer, "não sei se as árvores existem", especialmente se estivesse a olhar para uma árvore em plena luz do dia, os outros achariam que tinha enlouquecido.

Mas os céticos achariam que estava certo. Não sabemos se árvores existem. 0 senso comum está enganado.

Outros exemplos de enganos do senso comum

Os argumentos dos céticos podem deixar algumas pessoas muito irritadas. Sabermos que as árvores existem é uma das nossas crenças mais básicas - como costumo dizer, sentimos que é isso é apenas senso comum. Existem muitas crenças que abandonaríamos com muita satisfação, caso alguém conseguisse demonstrar que estamos errados. Mas, quando se trata das crenças mais arraigadas do nosso senso comum - como a crença de que sabemos que as árvores existem -, não ficamos nada satisfeitos por abandoná-las.

Na verdade, ter as nossas crenças mais elementares ameaçadas pode ser uma experiência bem desconfortável, especialmente quando não vemos como defendê-las. Nessas ocasiões muitos ficam enraivecidos. Dizem que é um disparate o que o filósofo está a dizer. "Isso é uma completa estupidez", gritam. "Claro que eu sei que as árvores existem." E retiram-se, ofendidos.

Mas o filósofo pode apontar que em muitos outros casos se comprovou que o senso comum estava errado. Por exemplo, noutros tempos, o senso comum afirmava que a Terra era plana. As pessoas simplesmente achavam que era óbvio que a Terra fosse plana. Afinal, parece plana, não parece? Os marinheiros até tinham medo de chegar ao fim da Terra e cair. Também nessa época algumas pessoas ficavam muito irritadas quando a  sua crença comum era desafiada. "Não seja ridículo", gritavam. "É claro que a Terra é plana." E saíam a bater os pés. Hoje, porém, sabemos que a Terra não é plana. 0 senso comum estava enganado.

O que os céticos NÃO afirmam

Vale a pena deixar claro o que os céticos não afirmam, para não ficarmos confusos. Em primeiro lugar, os céticos não afirmam saber que nós ou eles somos cérebros numa cuba. Só afirmam que ninguém pode saber de maneira alguma se alguém é um cérebro numa cuba.

Em segundo lugar, eles não afirmam apenas que não podemos ter a certeza absoluta de que o mundo que vemos é real ou virtual. Afirmam muito mais do que isso. Afirmam que não temos razão alguma para acreditar que o mundo que vemos é real e não virtual.

Em terceiro lugar, eles não vão tão longe a ponto de afirmar que ninguém pode saber nada. Afinal, eles próprios reivindicam saber uma coisa: que ninguém pode conhecer o mundo exterior.

 Um enigma antigo

Estamos então diante de um enigma difícil. Por um lado, a visão do senso comum é que sabemos que as árvores existem. Nós não queremos de facto abrir mão dessa visão do senso comum (na verdade, nem estou certo de que poderíamos abrir mão dela mesmo que quiséssemos). Por outro, o cético tem um argumento que parece mostrar que a nossa visão do senso comum está errada: nós não sabemos que as árvores existem. Qual das visões está certa?

Apesar da roupagem moderna que eu lhe dei, este enigma é na verdade bem antigo. É de facto um dos enigmas filosóficos melhor conhecidos. Ainda hoje, nas universidades do mundo inteiro, os filósofos se debruçam sobre ele. E ainda não conseguiram decidir se os céticos têm razão. Eu devo admitir: não sei se os céticos têm ou não razão. Ao longo dos séculos, muitos filósofos tentaram lidar com o ceticismo. Procuraram demonstrar que o senso comum está certo: nós conhecemos efetivamente afinal o mundo que nos cerca. Algumas das suas tentativas para derrotar os céticos são muito perspicazes. Mas será que alguma delas funciona mesmo? Examinemos agora uma dessas tentativas.

 Stephen Law, Os Arquivos Filosóficos (São Paulo, 2003, págs. 60-69). 

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Texto para resumo Inês Ferreira 11C

 


Justificação

Podemos distinguir dois tipos de crenças: a mediata e a não mediata. Crenças mediatas são aquelas que adquirimos por intermédio de alguma estratégia que começa nas crenças que já possuímos. A inferência é uma estratégia (se bem que não a única); nós inferimos que vai chover a partir das crenças de que estamos a meio da manhã e que o céu está a escurecer. As crenças mediatas levantam a questão de saber se temos direito à estratégia que adotámos — se é uma estratégia que fazemos bem em usar. As crenças não mediatas são as que adotamos sem que, para as termos, seja necessário partirmos de outras crenças que já temos; e suscitam problemas diferentes, que dizem respeito à fonte do nosso direito em acreditar. Eu abro os olhos e, em razão do que vejo, acredito imediatamente que há um livro à minha frente. Se estou a agir bem ao adotar esta crença, ela justifica-se (ou tenho uma justificação para a adotar). Esta atenção dada à justificação é um modo de expressar a ideia de que a epistemologia é normativa. Então o que faz, neste caso, uma crença ser justificada?

Há várias respostas. Uma é a resposta fiabilista: a crença justifica-se porque é o resultado de um processo fiável. Outra é a resposta coerentista: a crença justifica-se porque o meu mundo é mais coerente com ela do que seria sem ela. Uma terceira é a alegação fundacionalista clássica, que entende que a crença não é de fato não-mediata, mas inferida de uma crença sobre como as coisas me aparecem neste preciso momento. Se esta última for verdadeira, somos lançados de novo em duas questões. A primeira consiste em saber se e como a crença sobre como as coisas me parecem neste preciso momento se justifica. A segunda questão reside em saber se a inferência extraída da primeira crença se justifica. Nós poderíamos perguntar, então, que princípio de inferência está a ser usado. Suponha-se que é este: se as coisas me aparecem de determinada maneira, são provavelmente dessa maneira. O que torna isto suficiente para nos levar a supor que agimos bem ao usar este princípio?


Jonathan Dancy,  Problemas da epistemologia

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Texto para análise/resumo Filipa 11C

 


DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE CONHECIMENTO - Teoria tradicional do conhecimento

1.Crença e Verdade

Devemos fazer notar duas ideias que fazem parte do conceito de conhecimento. Primeiro, se S sabe que p (que uma proposição é verdadeira), então tem de acreditar que p. Segundo, se S sabe que p, então p tem de ser verdadeira. O conhecimento requer tanto a crença quanto a verdade. Comecemos pela segunda ideia. As pessoas às vezes dizem que sabem coisas que mais tarde se revelam falsas. Mas isto não é saber coisas que são falsas, é pensar que se sabem coisas que, de facto, são falsas.

O conhecimento tem um lado subjectivo e um lado objectivo. Um facto é objectivo se a sua verdade não depende de como é a mente das pessoas. É um facto objectivo que a Serra da Estrela está 2 000 metros acima do nível do mar. Um facto é subjectivo se não é objectivo. O exemplo mais óbvio de um facto subjectivo é uma descrição do que acontece na mente de alguém.

Se uma pessoa acredita ou não que a Serra da Estrela está a 2 000 metros acima do nível do mar é uma questão subjectiva, mas se a montanha tem realmente essa propriedade é uma questão objectiva. O conhecimento requer tanto um elemento subjectivo como um elemento objectivo. Para que S conheça p, p tem de ser verdadeira e o sujeito, S, tem de acreditar que p é verdadeira.

2.Terceiro Requisito: Justificação

Apontei duas condições necessárias para o conhecimento: o conhecimento requer crença e requer verdade. Mas será que isto é suficiente? Será que estas duas condições não são apenas separadamente necessárias, mas também conjuntamente suficientes? é a crença verdadeira suficiente para o conhecimento?

Pensemos num indivíduo, Clyde, que acredita na história do Dia do Porco do Campo. Clyde pensa que se o Porco do Campo vir a sua própria sombra, a Primavera virá mais tarde. Suponha-se que Clyde põe este princípio idiota em prática este ano. Ele tem informações que o fazem pensar que a Primavera virá mais tarde. Suponha-se que Clyde acaba por ter razão acerca deste facto. Se não existir nenhuma conexão lógica entre o facto de o porco do campo ter visto a sua própria sombra e o facto de a Primavera vir mais tarde, então Clayde terá uma crença verdadeira (a Primavera virá tarde), mas não terá conhecimento.

Que será então necessário, para além da crença verdadeira, para que alguém possua conhecimento? A sugestão mais natural é a de que o conhecimento requer dados de apoio, ou uma justificação racional. Note-se que ter uma justificação não é apenas pensar que se tem uma razão para acreditar em algo.

Que significa dizer que um indivíduo tem uma crença “justificada” na proposição p? Uma justificação pode ter a forma de um argumento dedutivo, de um argumento indutivo ou de um argumento abdutivo. Talvez existam outras opções além destas três. Mas, o que quer que seja que entendemos por “justificação”, parece plausível dizer que as crenças que são defendidas irracionalmente não são casos de conhecimento (mesmo que elas sejam verdadeiras).

 O que é o conhecimento?

Elliott Sober