quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Texto para resumo Sophia 11A e Ana Rita 11E



HUME E A JUSTIFICAÇÃO DA REGULARIDADE OU UNIFORMIDADE DA NATUREZA
O PROBLEMA DA INDUÇÃO

Colocado na sua forma mais simples, o problema da indução pode ser reduzido ao problema de justificar a crença na uniformidade da natureza. Se a natureza é uniforme e regular no seu comportamento, então o que acontece no passado e presente que observámos é um bom guia para os acontecimentos não observados do passado, presente e futuro. No entanto, os únicos fundamentos para acreditar que a natureza é uniforme são os acontecimentos observados no passado e no presente. Parece que não podemos ir para além dos acontecimentos que observamos sem assumir aquilo mesmo que temos de provar – isto é, que as partes do mundo não observadas operam da mesma maneira que aquelas que observámos. (Este é precisamente o problema apontado por Hume.) Acreditar, portanto, que o sol pode possivelmente não nascer amanhã é, num sentido estrito, lógico, uma vez que a conclusão que ele nascerá amanhã não se segue inexoravelmente das observações passadas.
(…)
Reconhecendo a fraqueza relativa das inferências indutivas (comparadas às dedutivas), um bom pensador redefinirá as conclusões atingidas através da indução, dizendo que elas se seguem não com necessidade mas com probabilidade. Isto resolve o problema? É esta reformulação justificada? Podemos, por exemplo, justificar a ideia que afirma que a repetida observação do passado torna mais provável que o sol amanhã nasça do que o contrário?
O problema está em não haver um argumento dedutivo para fundamentar esta reformulação. Para deduzir esta conclusão com sucesso necessitaríamos da premissa ‘o que aconteceu até agora acontecerá com mais probabilidade amanhã’. Porém, esta premissa está sujeita ao mesmo problema da afirmação mais forte ‘o que aconteceu até agora acontecerá com certeza amanhã’. Tal como a sua contrapartida mais forte, a premissa mais fraca baseia a sua convicção acerca do futuro no que aconteceu até agora e essa base só é justificada se aceitarmos a uniformidade (ou, pelo menos, a continuidade geral) da natureza. Mas a uniformidade (ou continuidade) da natureza é precisamente o que está em questão!
(…)
Apesar destes problemas, parece que não podemos dispensar as generalizações indutivas. Elas são (ou pelo menos têm sido até agora) demasiado úteis para as recusarmos. Constituem a base de muita da nossa racionalidade científica e permitem-nos pensar acerca de matérias sobre as quais nada poderíamos dizer através da dedução. Não podemos de maneira nenhuma rejeitar a premissa ‘o que observámos até agora é o nosso melhor guia para a verdade naquilo que não observámos’, mesmo se esta premissa não pode ela mesma ser justificada sem circularidade.
Há, todavia, um preço a pagar. Temos de reconhecer que o uso da generalização indutiva pressupõe uma crença que de um modo relevante não é fundamentada.


Julian Baggini, Peter Fosl, The Philosopher’s Toolkit (London)
Tradução de Carlos Marques

Texto para Resumo Alexandre 11E

 

"O Problema da Indução

Um tipo diferente de objecção à perspectiva simples do método científico levanta-se pelo facto de esta se apoiar na indução e não na dedução. (...) Um argumento indutivo envolve uma generalização baseada num certo número de observações específicas. Se eu observar um grande número de animais com pêlo, concluindo a partir das minhas observações que todos os animais com pêlo são vivíparos (isto é, dão à luz crias em vez de porem ovos), estaria a usar um argumento indutivo. (...) 

Estamos sempre a usar argumentos indutivos. É a indução que nos leva a esperar que o futuro seja semelhante ao passado. (...) As nossas vidas são todas baseadas no facto de a indução nos proporcionar previsões razoavelmente fidedignas acerca do nosso meio e acerca do resultado provável das nossas acções. Sem o princípio da indução, a nossa interacção com o meio seria completamente caótica: não teríamos bases para presumir que o futuro seria como o passado. (...) Toda a regularidade prevista no nosso meio estaria aberta a dúvida. (...)

Apesar deste papel central desempenhado pela indução nas nossas vidas, é um facto indesmentível que o princípio da indução não é inteiramente fidedigno. (...) Para ilustrar este aspecto, Bertrand Russel usou o exemplo de uma galinha que acorda todas as manhãs pensando que, uma vez que foi alimentada no dia anterior, sê-lo-á mais uma vez naquele dia. Um dia acorda e o camponês torce-lhe o pescoço. A galinha estava a usar um argumento indutivo baseado num grande número de observações. Estaremos a ser tão tolos quanto esta galinha, ao apoiarmo-nos tão fortemente na indução?"

Nigel Warburton (2007), Elementos Básicos da Filosofia. Lisboa: Gradiva, pp. 185-187.

domingo, 30 de novembro de 2025

Texto para resumo Marta 11A

 

Berkeley defendera que as ideias não residem em coisa alguma fora da mente; por sua vez, Hume insiste em que também nada há na mente onde elas possam residir. Não há qualquer impressão do eu, e portanto nenhuma ideia do eu; há apenas feixes de impressões. Esta conclusão é o fim do caminho que se inicia com o pressuposto, comum a todos os empiristas, de que os pensamentos são imagens e de que a relação existente entre quem pensa e os seus pensamentos é a mesma que a relação existente entre um olhar interior e uma galeria de quadros interior. Da mesma maneira que não podemos ver os nossos próprios olhos, também não podemos percecionar o nosso eu. Mas é um erro considerar que a imaginação é um sentido interior. A conceção de imagens mentais não é um tipo peculiar de sensação, é uma sensação comum fantasiada. A noção de um sentido interior conduz à ideia de um eu que é o sujeito da sensação interior. Na tradição de Locke e de Berkeley, o eu é o olho da visão interior, o ouvido da audição interior; ou, antes, é o que possui tanto o olho como o ouvido interiores. Hume mostrou que este sujeito interior era ilusório, mas não denunciou o erro subjacente, que conduziu os empiristas a abraçar o mito do eu interior. O verdadeiro caminho de saída do impasse consiste em rejeitar a identificação entre pensamento e imagem, e aceitar que um sujeito que pensa não é um sujeito solitário de perceção interior, mas um ser humano corpóreo que vive num domínio público. Hume orgulhava-se de ter feito pela psicologia aquilo que Newton fizera pela física. Propôs uma teoria (vácua) da associação de ideias, como contraparte da teoria da gravitação. Mas seria injusto acusar Hume da esterilidade da sua psicologia filosófica; ele herdou dos seus precursores do século XVII uma filosofia da mente empobrecida, e um dos seus méritos foi ter retirado, com considerável candura, as conclusões absurdas implícitas nos pressupostos empiristas. Mas aquilo que o faz merecer o lugar fundamental que ocupa na história da filosofia é a sua explicação da causalidade.

Se procurarmos a origem da ideia de causa, diz Hume, descobriremos que ela não pode ser uma qualidade particular inerente aos objetos; porque objetos dos mais variados tipos podem ser causas e efeitos. O que temos de procurar são relações entre objetos. De facto, descobrimos que as causas e os efeitos têm de ser contíguos entre si, e que as causas têm de ser anteriores aos seus efeitos. Mas isto não é suficiente; achamos ainda que tem de haver uma conexão necessária entre causa e efeito, embora a natureza desta conexão seja difícil de estabelecer. Hume nega que tenha de haver uma causa para a existência de tudo aquilo que começa a existir. Sendo todas as ideias distintas separáveis umas das outras, e sendo as ideias de causa e efeito evidentemente distintas, é fácil concebermos um objeto como não existente neste momento, e existente no momento seguinte, sem lhe juntarmos a ideia distinta de uma causa ou de um princípio produtivo. É evidente que «causa» e «efeito» são termos correlativos, como o são «marido» e «mulher», e que todo o efeito tem de ter uma causa, da mesma maneira que todo o marido tem de ter uma mulher. Mas isto não prova que todos os acontecimentos tenham de ter uma causa, da mesma maneira que, do facto de todos os maridos terem de ter uma mulher, não se segue que todos os homens tenham de ter uma mulher. Tanto quanto sabemos, pode haver acontecimentos sem causas, tal como existem homens que não têm mulher. Se não há qualquer absurdo em conceber que algo venha à existência ou seja sujeito a alterações sem uma causa, não há, a fortiori, qualquer absurdo em conceber que um acontecimento ocorra sem um tipo particular de causa. Sendo logicamente concebível que muitos efeitos diferentes resultem de uma causa particular, só a experiência pode levar-nos a esperar o efeito real. Mas com base em quê?
Anthony Kenny, História concisa da Filosofia, lisboa, 1999, Temas e debates, p.334,335

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Texto para resumo: Petra 11A






Para Hume, a ideia de causa é a ideia de «conexão necessária». O seu argumento aponta em duas direções: primeiro, para a demolição da ideia de que existem conexões necessárias na realidade; segundo, para uma explicação do facto de nós termos, não obstante, a ideia de conexão necessária. O argumento é objeto de importantes alterações na primeira Investigação e é abundante em subtilezas e complexidades sobre as quais não nos podemos aqui deter. No essencial, reduz-se ao seguinte.


A ideia de conexão necessária não se pode derivar de uma impressão de conexão necessária, pois tal impressão não existe. Se A causa B, não podemos observar nada da relação entre os acontecimentos particulares A e B, a não ser a sua contiguidade no espaço e no tempo e o facto de A preceder B. Dizemos que A causa B apenas quando a conjunção de acontecimentos do tipo A e do tipo B é constante – ou seja, quando há uma conexão regular de acontecimentos do tipo A e do tipo B, levando-nos a esperar B sempre que observamos um caso de A. Tirando esta conjunção constante, nada mais há que observemos, e nada mais que pudéssemos observar, na relação entre A e B que pudesse constituir um vínculo de «conexão necessária». Sendo assim, e dada a premissa de que todas as ideias derivam de uma impressão, devia pensar-se que não há a ideia de conexão necessária e que aqueles que falam dela estão apenas a proferir frases vazias e sem sentido.


Porque se sente Hume tão confiante ao dizer que não se podem observar «conexões necessárias» entre acontecimentos? O seu raciocínio parece ser o seguinte: só existem relações causais entre acontecimentos distintos. Se A causa BA é um acontecimento distinto de B. Logo, deve ser possível identificar A sem identificar B. Mas se A e B são identificáveis independentemente um do outro, não podemos deduzir a existência de B da de A – a relação entre os dois pode apenas ser matéria de facto. As proposições que dão conta de matérias de facto são sempre contingentes; só as que transmitem relações de ideias são necessárias. Se houver uma relação de ideias entre A e B, pode haver também uma conexão necessária – como acontece com a relação necessária entre 2 + 3 e 5. Mas nesse caso A não se distinguiria de B, tal como 2 + 3 não se distingue de 5. A própria natureza da causalidade, como relação entre duas existências distintas, afasta a possibilidade de uma conexão necessária.


Dizemos que A causa B por causa da conjunção constante entre A e B. Esta conjunção constante leva-nos a associar a ideia de B à impressão de A e, portanto, a esperar B sempre que deparamos com A. A força do hábito é tal que a experiência de A força em nós esta ideia de B, surgindo com a espontaneidade e vividez que, segundo Hume, são as marcas da crença. Somos assim levados a acreditar que B se seguirá de A, e esta impressão de uma coisa que determina a outra dá lugar à ideia de conexão necessária. A impressão não é uma impressão de uma relação causal – ou uma impressão de qualquer outra coisa que pertença ao mundo externo. É apenas um sentimento que surge em nós espontaneamente, sempre que nos deparamos com uma conjugação constante de acontecimentos. Porém, interpretamos erradamente a ideia resultante, supondo que ela deriva de uma impressão de uma conexão necessária entre A e B. É daí que vem a ideia de causa como conexão necessária. Trata-se de um exemplo da tendência da mente para «se disseminar sobre os objetos» –, para ver o mundo povoado com qualidades e relações que têm a sua origem em nós sem correspondência na realidade externa.


 Hume colocou ainda um outro problema aos defensores da investigação científica, problema esse que veio a ser conhecido por problema da indução. Posto que a relação entre objetos e acontecimentos distintos é sempre contingente, não pode haver inferências necessárias do passado para o futuro. É, portanto, perfeitamente concebível que um acontecimento que sempre ocorreu com aparente regularidade e em obediência àquilo a que chamamos leis da natureza, possa um dia não ocorrer. O sol pode não nascer amanhã e isto seria perfeitamente compatível com a nossa experiência passada. O que justifica então que afirmemos com base na experiência passada que o sol nascerá amanhã ou mesmo que é provável que nasça? Este problema pode ser reformulado a um nível mais geral. Dado que as leis científicas afirmam verdades universais, aplicáveis em qualquer tempo e qualquer lugar, nenhuma quantidade de provas pode esgotar o seu conteúdo. Logo, nenhuns dados à disposição de criaturas finitas como nós podem afiançar a sua verdade. O que nos autoriza então a afirmá-las?

Roger Scruton, Uma Breve História da Filosofia Moderna (Tradução Carlos Marques).


sábado, 22 de novembro de 2025

Texto para resumo Leonor 11A

O problema da causalidade

«Talvez um exemplo concreto possa ajudar a compreender o modo como David Hume abordou o problema da causalidade.
Imagine um bebé a quem os pais sempre tenham dado brinquedos macios e moles para se entreter. Esse bebé atira frequentemente os brinquedos para fora do berço, e eles caem no chão com um baque surdo. Um dia, o tio dá-lhe uma bola de borracha. O bebé examina-a de todos os ângulos, cheira-a, mete-a na boca, apalpa-a, depois deixa-a cair. Não obstante o exame cuidadoso a que submeteu a bola, o menino não tem maneira de saber que, em vez de cair suavemente no chão como os outros brinquedos, ela salta. Só pelo exame de uma coisa, diz-nos Hume constantemente, não poderemos dizer quais os efeitos que ela pode produzir. Só podemos determinar as suas consequências em resultado da experiência.bola de borracha
Imagine agora que o tio do menino ficou à espera de ver como brincaria ele com o seu presente. Quando o tio vê a bola cair, espera que ela salte. Se você lhe perguntar o que fez a bola saltar, ele responderá: ‘O meu sobrinho deixou-a cair’; ou ainda: ´Há uma conexão necessária entre deixar cair uma bola e ela saltar’.
Mas Hume faz uma pergunta mais profunda. Qual é a experiência que o tio tem e que falta à criança? O tio faz uso de conceitos como ´causa’ e ‘conexão necessária’. Se não se tratar apenas de palavras vazias, têm de se reportar de algum modo à experiência. Mas qual é, no caso presente, a experiência? A experiência do tio difere da experiência do sobrinho em quê?
A diferença consiste, para Hume, num facto simples. Ao contrário do sobrinho, o tio pôde observar, num grande número de casos, primeiro uma bola de borracha cair ao chão e, depois, o salto que ela dá. Na verdade, nunca na sua experiência houve um só caso em que uma bola de borracha tenha sido deixada cair numa superfície dura sem saltar, ou uma bola de borracha tenha começado a saltar sem primeiro ter caído ou ter sido atirada. Segundo Hume, há uma ‘conjunção constante’ entre a queda da bola e o salto que dá.
Mas como é que essa diferença de experiências entre o tio e o sobrinho engendra conceitos como ´causa’ e ‘conexão necessária’? O tio viu uma bola de borracha cair ao chão e saltar em muitas ocasiões, enquanto o sobrinho só viu isso acontecer uma vez. Todavia, o tio não viu nada que o sobrinho não tivesse visto também, apenas teve mais vezes a mesma sequência de experiências. Ambos observam que uma bola cai e depois salta – nada mais. O tio, porém, acredita que há uma conexão necessária entre a bola cair e saltar. E isto não é alguma coisa que ele encontre na sua experiência; a sua experiência é a mesma que a do sobrinho, só que se repetiu muitas vezes. Então, donde vem a ideia de uma conexão necessária, de uma ligação causal, se nunca foi diretamente observada?
A ideia de que existem conexões causais entre os acontecimentos tem um papel importante no modo como compreendemos o mundo. Mas, quando vamos atrás desta ideia com seriedade , descobrimos que a conexão causal não é uma coisa que tenhamos alguma vez observado concretamente. Podemos dizer que o acontecimento A causa o acontecimento B , mas, quando examinamos a situação, descobrimos que é o acontecimento A seguido do acontecimento B aquilo que de facto observámos. Não existe uma terceira entidade, uma ligação causal, que também seja observada. Donde vem então essa ideia?»
 
Adapatado a partir de: Bryan Magee, Os grandes filósofos, Editorial Presença, Lisboa, 1989, pp. 141-143

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segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Texto para resumo Juliana 11A


Quando por conseguinte temos alguma suspeita de que um termo filosófico é empregue sem nenhum significado ou ideia (como é muito frequente), basta-nos perguntar sobre a impressão de que a ideia supostamente deriva. E se for impossível encontrar alguma, isto servirá para confirmar a nossa suspeita. Ao clarificar assim as ideias, podemos razoavelmente esperar que possam ser removidos todos os conflitos que possam surgir sobre a sua natureza e realidade.
As consequências destas linhas são estonteantes.
Consideremos a ideia de um eu durável, algo de substancial que persiste por detrás das muitas mudanças que experimentamos ao vivermos a vida. Suponho, por exemplo, que esta manhã sou essencialmente o mesmo eu que era quando me fui deitar a noite passada. Não só isso, acho também que sou o mesmo eu que era na juventude que desaproveitei. Acho que serei o mesmo eu enquanto viver. Sem dúvida, algumas coisas mudaram: cresci, ganhei algumas cicatrizes, o meu cabelo está a tornar-se um pouco grisalho. Contudo, parece haver algo de essencial, o meu verdadeiro eu, que persiste em todas estas alterações acidentais.
Se concordarmos com o princípio de Hume sobre a relação entre ideias e impressões, e se estivermos convencidos de que o seu método de remover ideias fictícias é o caminho certo, temos apenas que perguntar: «De que impressão é a minha ideia derivada?» Ao olhar para dentro de mim, afirma Hume, não encontro nada, excepto uma série de impressões fugazes – ódio, amor, calor, dor, imagens, sons, cheiros e coisas do género –, mas nada permanente, nada que persista em todas as alterações. Em suma, nenhuma impressão corresponde à nossa ideia de eu. A ideia presente na palavra «eu» pode juntar-se a «unicórnio»: «eu» é uma palavra que expressa uma ideia ilusória, uma ficção da imaginação.
Mas as coisas tornam-se muito piores. A abordagem que Hume faz da natureza do entendimento humano começa com uma distinção entre dois tipos de «objectos da razão humana»: relações de ideias e matérias de facto. As relações de ideias podem ser descobertas apenas pela razão. Podemos saber que os solteiros são homens não casados ou que duas vezes cinco é metade de vinte pensando apenas sobre as relações entre as ideias em causa. As matérias de facto, porém, podem apenas ser descobertas pela experiência. Podemos meditar o tempo que quisermos sobre a proposição de que o sol está a brilhar, mas só saberemos se ela é verdadeira olhando pela janela. Há outra diferença entre estes dois tipos de proposição. O contrário de uma matéria de facto é possível, mas se negarmos uma relação entre ideias verdadeira, incorremos numa contradição. O sol pode não ser brilhante, mas não se pode estar mais longe da verdade do que quando alegamos que os solteiros são casados.


James Garvey, The Twenty Greatest Philosophy Books (London, 2006, págs. 66-68). Trad. Maria Miguel Pires (rev. científica Logosferas).

sábado, 15 de novembro de 2025

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Introdução a Hume: Uma investigação sobre o entendimento humano

Críticas à Filosofia cartesiana.

 

Ficha 5 - Críticas à filosofia cartesiana

Ao iniciarmos o estudo de Descartes, vimos que o seu objetivo era formular uma teoria do conhecimento que só aceitasse como tal as crenças que fossem indubitáveis. Se Descartes, como pretende, tiver sido bem-sucedido, ele provou que as proposições fundamentais da metafísica — o cogito, Deus e o mundo — são verdades indubitáveis, e está agora em condições de deduzir delas os princípios fundamentais da sua física mecanicista.

Mas terá Descartes sido bem-sucedido? Desde o início, os seus críticos chamaram a atenção para dificuldades importantes no seu pensamento. 
A mais famosa é, sem dúvida, o chamado Círculo Cartesiano. As outras objeções são de David Hume.

1. O Círculo Cartesiano

Esta objeção foi formulada pela primeira vez por Antoine Arnauld (1612–1694), um teólogo e filósofo francês, contemporâneo de Descartes, nas objeções que escreveu às Meditações sobre a Filosofia Primeira:

Resta-me apenas uma dificuldade, que é a de saber como o autor se pode defender de cometer um círculo, quando diz que estamos certos de que as coisas que concebemos claramente e distintamente são verdadeiras apenas porque Deus é ou existe.

Porque não podemos estar certos de que Deus existe a não ser porque nós concebemos isso muito claramente e muito distintamente; portanto, antes de estarmos certos da existência de Deus, devemos estar certos de que as coisas que concebemos claramente e distintamente são todas verdadeiras. (Antoine Arnauld, “Quatrièmes objections” in René Descartes, Descartes: Oeuvres et lettres, Paris: Gallimard, 1992, p. 435 (trad. Álvaro Nunes).)

A objeção de Arnauld pode ser expressa em poucas palavras: Descartes afirma que Deus é a garantia da verdade do que conhecemos com clareza e distinção, mas ao mesmo tempo usa a clareza e distinção para provar a existência de Deus (uma vez que as premissas da sua prova da existência de Deus são por ele consideradas claras e distintas). Descartes, deste modo, raciocina em círculo e, portanto, comete uma falácia da petição de princípio.

Se esta objeção for correta, como muitos pensam, o seu efeito para a filosofia de Descartes é devastador. Ao contrário do que afirma, Descartes não provou a existência de Deus nem a verdade do que percebemos clara e distintamente e, portanto, não tem nenhum fundamento absolutamente certo para o conhecimento. O seu projeto cai pela base.
Deus é a garantia da verdade do que conhecemos com clareza e distinção, mas ao mesmo tempo, Descartes usa a clareza e distinção para provar a existência de Deus.

2. A dúvida metódica é impossível

Como vimos, o projeto filosófico de Descartes começa pela dúvida. No entanto, para que a dúvida seja eficaz, o seu alcance deve ser universal e estender-se tanto às nossas crenças como às nossas faculdades racionais.

Hume apresenta duas objeções a este projeto:

Em primeiro lugar,
diz ele, este ceticismo extremo é impossível. Agir de acordo com os requisitos da dúvida metódica está para além daquilo que os seres humanos são capazes. A dúvida metódica é, portanto, pura e simplesmente impraticável. 

Em segundo lugar, mesmo que a dúvida fosse praticável, não seria possível ir para além dela sem usar as faculdades racionais que a dúvida põe em questão. Isto é, se a dúvida fosse praticável, seria inultrapassável, uma vez que qualquer tentativa de a superar implicaria o uso das próprias faculdades a que a dúvida se aplica. Hume conclui daqui que o projeto de Descartes não é de todo exequível.

3. Não temos provas da existência do eu

A crença na existência do cogito ou «eu penso» é fundamental ao projeto de Descartes. É pela análise do eu, enquanto puro pensamento, que Descartes prova a existência de Deus e recupera como verdades das quais está absolutamente certo — e não como meras crenças — tudo o que a dúvida metódica pôs em questão. Ele pensa ter provado sem margem para dúvidas, como condição de possibilidade da própria dúvida, que o eu existe. Hume está também aqui em completo desacordo com Descartes. Hume pensa que não temos, nem podemos ter, nenhuma ideia de eu. Segundo ele, todas as nossas ideias têm origem em impressões. Contudo, não temos nenhuma impressão que possa estar na origem da ideia de eu. Tudo o que encontramos quando olhamos para nós próprios é uma sucessão de perceções particulares, de calor de frio, de prazer e dor e nunca uma perceção do eu. Para Hume, portanto, o eu, tal como o entendemos, não existe. De facto, ele pensa que, de acordo com a experiência, tudo o que podemos dizer é que a mente, ou eu, é uma espécie de feixe ou coleção de perceções. Se Hume tiver razão, o cogito é apenas uma ficção e, portanto, não pode ter o papel absolutamente essencial que Descartes lhe atribui na sua filosofia.

4. Não é possível provar a existência do mundo

O último passo da filosofia de Descartes consistiu em provar a existência do mundo exterior e ele julga tê-lo feito ao argumentar que as ideias cuja causa atribuímos a objetos físicos têm, de facto, essa causa. No entanto, Hume nega que seja possível provar a existência do mundo exterior. Ele aceita, como Descartes, a distinção entre a realidade e as nossas perceções, isto é, entre o objeto físico e a sua representação mental, mas defende que só temos experiência direta das representações na nossa mente, não dos objetos físicos, suas supostas causas, e, que, portanto, não é possível ter experiência da relação causal entre as nossas representações mentais e os objetos que supostamente elas copiam e representam. Deste modo, não temos qualquer razão para afirmar que os objetos físicos são a causa das nossas perceções e, portanto, que existem objetos físicos. Mesmo que admitamos a possibilidade da dúvida metódica e a existência do cogito, se não for possível provar a existência do mundo físico, a filosofia e a ciência de Descartes estão condenadas ao fracasso.

Se aceitarmos estas críticas, o projeto de Descartes está em sérias dificuldades. Um dos interesses da filosofia de Descartes está no facto de constituir uma tentativa de construir uma teoria do conhecimento com base no pressuposto de que uma crença tem de poder ser justificada de forma indubitável para ser conhecimento. O seu fracasso é também o fracasso desta conceção de conhecimento. Mas, não sendo possível ter conhecimento, não será possível termos crenças racionalmente justificadas, isto é, crenças verdadeiras racionalmente justificadas, embora não de forma indubitável? Os filósofos empiristas britânicos tendem a pensar que sim. John Locke (1632–1704), por exemplo, restringe aquilo que podemos conhecer a um número muito limitado de crenças — a nossa existência, a existência de Deus e alguns princípios fundamentais da ética, mas pensa que é possível com base na experiência justificar as nossas crenças de forma provável. Terá Locke razão?

Álvaro Nunes

1. Resume os principais argumentos contra a filosofia cartesiana.

2. Analisa a validade desses argumentos.

3. Poderemos responder à questão colocada por Álvaro Nunes? De que forma?

 

 

Correção do 1º Teste

 

1ª PROVA DE AVALIAÇÃO DE FILOSOFIA -11º Ano

Professora Helena Serrão - Duração da prova: 90m –

Paço de Arcos, 5 novembro de 2025

 

Este elemento de avaliação é composto de dois testes, cada um é avaliado de 0 a 20 valores.

Cada teste avalia competências diferentes: O primeiro teste avalia a competência do domínio dos conceitos: Conceptualização que vale 40% na avaliação final. O segundo teste destina-se a avaliar as competências de Problematização e Argumentação que valem 30% na avaliação final.

Primeiro Teste – Conceptualização

• Grupo I - 10 questões de escolha múltipla (10x14 pontos=140 pontos)

• Grupo II - 2 questões de definição de conceitos (2x30 pontos=60 pontos) Total - 200 Pontos

Segundo Teste – Problematização e Argumentação

Quatro questões de desenvolvimento. Todas as respostas exigem fundamentação. (1-60; 2-50; 3-60; 4-30 Pontos) Total = 200 Pontos

Competência transversal: comunicação / correção escrita

 

Teste 1 - CONCEPTUALIZAÇÃO

Versão A

Grupo I

 Escolha apenas a opção correta.

 

1. Considere as afirmações seguintes:

1. Não há conhecimento inato, adquirido apenas pelo pensamento.

2. É possível o conhecimento verdadeiro e indubitável.

3. Todo o conhecimento é adquirido por meio da experiência.

De acordo com Descartes, as afirmações

(A) 1 e 3 são falsas e 2 é verdadeira.

(B) 1 e 2 são verdadeiras, 3 é falsa.

(C) 1 e 3 são verdadeiras e 2 é falsa.

(D) 1, é falsa, 2 e 3 são verdadeiras.

 

2. Ao aplicar o método da dúvida, Descartes pretende

(A) concluir que as ideias claras e distintas são infalíveis.

(B) descobrir alguma crença que seja indubitável.

(C) mostrar que não há realmente um génio maligno.

(D) provar que existe um ser perfeito e não enganador.

 

 

3. A forma de justificar as nossas crenças é um problema epistemológico. Uma das formas de justificação apela à consideração do processo através do qual as crenças foram adquiridas. A essa forma de justificação chama-se:

(A) Racionalismo aplicado.

(B) Fiabilismo da justificação.

(C) Fundacionalismo epistémco.

(D) Coerentismo da justificação.

 

 

4. Em qual das opções seguintes se apresenta um exemplo de conhecimento “a priori”?

(A) A maçã é um fruto da macieira.

(B) O todo é maior que as partes.

(C) Algumas pessoas casadas usam aliança.

(D) O meu nome é Joana.

 

 

5. Considere as frases seguintes.

1. Um triângulo tem três lados. 2. Todos os sólidos ocupam espaço.

É correto afirmar que:

(A) 1 exprime conhecimento a posteriori; 2 exprime conhecimento a priori.

(B) ambas exprimem conhecimento a priori.

(C) ambas exprimem conhecimento a posteriori.

(D) 1 exprime conhecimento a priori; 2 exprime conhecimento a posteriori.

 

 

6. Segundo Descartes, o que faz do cogito uma crença que pode ser tomada como fundamento de todo o conhecimento é o facto de tal crença

(A) provir de uma impressão interna.

(B) ser obtida a priori.

(C) ser provavelmente verdadeira.

(D) se justificar a si mesma.

 

7.Acerca da fonte principal de onde provém o conhecimento, podemos ser:

A. Céticos, empiristas e críticos.

B. Vagabundos de tudo.

C. Dogmáticos ou Céticos.

D. Racionalistas ou Empiristas.

 

 

8. Qual dos seguintes argumentos não é um argumento cético?

(A) O argumento do sonho

(B) Regressão infinita

(C) Génio maligno.

(D) Ilusões de ótica.

 

9. Acerca da relação entre crença e conhecimento, é correto afirmar que:

(A) Todas as crenças são conhecimento mas nem todo o conhecimento é uma crença.

(B) As crenças são falsas, mas o conhecimento é verdadeiro.

(C) Todo o conhecimento é uma crença mas nem todas as crenças são conhecimento.

(D) Não podemos acreditar naquilo que não conhecemos.

 

 

10. “Conheço a casa da Mariana” é uma proposição que expressa um conhecimento

(A) proposicional

(B) por contacto

(C) saber fazer

(D) não expressa qualquer conhecimento

 

 

 

 

Grupo II

 

1. Descartes e outros filósofos procuraram responder ao desafio cético. O que é o desafio cético?

O ceticismo é uma posição filosófica que considera (na sua forma mais radical) que nenhum conhecimento é possível e que devemos, por isso, suspender o juízo sobre todas as coisas.

Consideram que há razões para duvidar da verdade do conhecimento objetivo sobre o mundo e apresentam três razões: a ilusão dos sentidos, a diversidade de opiniões e o argumento “a priori” da regressão infinita da justificação.

 

 

2. O que é a “Regressão infinita”?

O argumento da regressão infinita, é um argumento utilizado pelos céticos para pôr em causa a justificação do conhecimento pois afirma que nenhum conhecimento está justificado, logo, não pode haver conhecimento, visto que a justificação é uma condição necessária para que este aconteça. O argumento parte do princípio de que para justificar qualquer crença é preciso fazê-lo apelando a outra crença, ora haverá sempre uma crença que é um ponto de partida e que não está justificada, sendo assim não podemos confiar em nenhum conhecimento pois não existe qualquer justificação última que suporte a cadeia de justificações.

 

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Versão B

2. Porque é o conhecimento uma crença verdadeira e justificada?

 

A definição tradicional de conhecimento coloca três condições necessárias para a definição; a necessidade de haver uma crença, que essa crença seja verdadeira e que esteja bem justificada com razões. Essas três condições são necessárias e nenhuma delas por si é suficiente. Porque é necessário ter uma crença? Porque o conhecimento corresponde a um estado mental em que se S sabe que P, então acredita nisso que sabe. Seria contraditório afirmar que S sabe que P, e ao mesmo tempo não acredita no que sabe. Exemplo: Sei que o mar tem ondas, mas não acredito nisso. Portanto, saber P implica uma crença, S acredita em P.

Também é necessário que essa crença seja verdadeira, porque o conhecimento não depende da convicção com que o sujeito acredita em P conhecimento, há apenas um palpite, uma suposição ao acaso. O conhecimento não é fruto do acaso, tem de estar apoiado por boas razões.

Por outro lado, não é suficiente ter apenas uma crença para ter conhecimento porque nem todas as crenças são conhecimento, como por exemplo “Acredito em Extraterrestres”, acreditar não é o mesmo que saber que existem. Também não é suficiente ter uma crença verdadeira para ter conhecimento porque uma crença pode ser verdadeira por acaso, e o conhecimento não pode ser por acaso, e por outro lado não é suficiente ter uma boa justificação, podemos ter boas justificações para acreditar em falsidades, depende dos nossos estados cognitivos. Aristóteles tinha razões para acreditar que a Terra era plana, e a Terra não é plana. (sendo P uma qualquer proposição) P tem que ser do mesmo modo como S acredita, o conhecimento é factivo.

Se, por outro lado, esta crença em P não tem qualquer justificação, não há boas razões para acreditar que P é verdadeira, então, também não há conhecimento, há apenas um palpite, uma suposição ao acaso. O conhecimento não é fruto do acaso, tem de estar apoiado por boas razões.

 

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Teste 2 – Argumentação e problematização

 

Leia o texto com atenção e responda com objetividade e clareza às questões formuladas. Justifique as suas afirmações.

 “Mas, logo em seguida, percebi que, enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de a abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio da Filosofia que procurava “

René Descartes, O Discurso do Método

 

1. Partindo do texto, demonstre a importância da expressão “Penso, logo existo” para o sistema de pensamento cartesiano.

- esclarecer o conceito de cogito:

- relacionar o conceito com o racionalismo cartesiano;

- fundamentar a sua importância para o sistema de pensamento cartesiano;

 

Critérios de correção:

Referência ao texto 15

Crença básica que se autojustifica 15

Fundamento “a priori” do conhecimento 15

Critério de verdade (ideia clara e distinta) 15

 

 

Cenário de resposta:        

No texto, Descartes refere que a proposição “Eu sou, eu existo” é necessariamente verdadeira sempre que proferida por mim ou concebida pelo espírito. “Quer isto dizer que o Cogito é uma ideia inata e “a priori”, visto que pode nada existir no mundo físico, nem tão pouco haver corpo, mas a evidência de que tudo isso é fruto do meu pensamento torna esta proposição uma certeza e uma crença básica visto que se autojustifica. Por mais que pense que não existo, continuo a existir, pois continuo a pensar é, portanto, irrefutável e por isso pode constituir-se como fundamento de todo o conhecimento.

Descartes compreende, com o Cogito, que a verdade é um acordo da razão consigo própria, uma ideia “a priori” que não necessita da experiência para ser aceite enquanto verdade. Deste modo, o cogito é critério de todas as ideias verdadeiras. Só a razão é o juiz do conhecimento e pode distinguir o verdadeiro do falso. Assim, a partir de fundamentos seguros é possível deduzir com segurança outras certezas e reconstruir o edifício das ciências unificando-as segundo o mesmo critério. A ideia do cogito “Penso, logo existo” surge com clareza e distinção de modo a ser de tal modo evidente que o pensamento só a poderia considerar verdadeira, pois não poderia ser de outro modo.

São três as consequências do cogito: Refuta o ceticismo, porque sendo uma crença que se autojustifica refuta o argumento da regressão infinita. Permite um fundamento racional para o conhecimento porque é uma crença “a priori”. Constitui-se como critério de uma ideia verdadeira, isto é, uma ideia intuitiva, evidente á razão (clara e distinta.

 

 

2. Será que a dúvida cartesiana é um método adequado para encontrar um fundamento do conhecimento?

Na sua resposta, deve  

− dizer em que consiste a dúvida cartesiana;

- discriminar rigorosamente as suas etapas:

- apresentar inequivocamente a sua posição;  

− argumentar a favor da sua posição;

 

Critério de correção:

Princípio: considerar falso tudo o que seja duvidoso (não evidente). (20) 

Explicar os argumentos/etapas: Argumento da ilusão dos sentidos, do sonho e do génio maligno. (30)

 

 

Cenário de resposta:

A dúvida metódica constitui-se como um método para encontrar a verdade certa e inabalável. Examina os fundamentos de todas as crenças de modo a julgar se são fracas ou fortes. Assim, todos os fundamentos que forem duvidosos são excluídos do conhecimento e considerados falsos.

A dúvida metódica demonstra que nenhuma crença é suficientemente forte para ser considerada verdadeira, pois todos os fundamentos para obter conhecimento podem ser postos em causa.

A dúvida  caracteriza-se por ser universal, provisória, metódica e hiperbólica.

Analisa os sentidos e considera-os enganadores, e se enganam algumas vezes vamos supor que tudo o que conhecemos através deles é falso (O céu, a terra e o corpo).

Depois examina a certeza de haver um mundo objetivo fora da mente e conclui que também não se pode ter essa certeza pois no sonho também temos perceções (argumento do sonho).

Por último duvida dos seus raciocínios, supondo a existência de um génio maligno que o engana sempre que pensa (dúvida hiperbólica).

 

3. “Em seguida, tendo refletido sobre aquilo que eu duvidava, e que, por consequência, o meu ser não era totalmente perfeito, pois via claramente que o conhecer é perfeição maior do que o duvidar, deliberei procurar de onde aprendera a pensar em algo mais perfeito do que eu era; e conheci, com evidência, que devia ser de alguma natureza que fosse de facto mais perfeita. “

René Descartes, Discurso do Método

No texto é colocada a primeira premissa de um argumento importante. Que argumento e qual a sua importância?

Na sua resposta deve:

- Expôr a premissa e o argumento;40

Tenho ideia de que sou imperfeito porque conhecer é maior perfeição que duvidar. Tenho, portanto uma ideia de perfeição. Essa ideia não pode ter origem em mim, pois do imperfeito não se pode originar o perfeito, logo tem que ter como causa um ser mais perfeito do que eu.

O argumento da causa da ideia de perfeito – Sou imperfeito pois há mais imperfeição em quem duvida do que em quem tem certezas. Qual a causa da ideia de perfeição? Não posso ser eu porque sou imperfeito, também não pode ser a natureza que não possui as perfeições que a minha ideia de perfeito tem, Só pode ter sido posta em mim por um ser mais perfeito, pois repugna ao espírito que algo perfeito possa derivar de algo menos perfeito. Esse ser só pode ter todas as perfeições. Só pode ser Deus. Logo, Deus existe.

- Salientar a importância epistemológica da conclusão do argumento.20

A importância epistemológica desta conclusão é a de que demonstrando que existe um ser perfeito cuja realidade foi demonstrada claramente pela razão, então podemos afastar o génio maligno e confiar nos nossos raciocínios e podemos também confiar que existe um mundo fora da mente e que apesar de não o podermos conhecer com exactidão pelos sentidos ele tem uma realidade objetiva pois Deus não nos iria enganar acerca das ideias que temos sobre as coisas. A ideia de Deus e a sua existência permite a Descartes a saída do solipsismo do Cogito, poderá ter a garantia de que as ideias claras e distintas são verdadeiras, que o mundo fora da mente existe pois Deus não é enganador e portanto não iria fazer-nos conceber algo que não existisse. Confere objetividade às ideias, isto é, as ideias da mente correspondem realmente aos objetos fora da mente a que se referem. Ao afastar o génio maligno, a existência de Deus fundamenta a verdade do conhecimento matemático e de todo o conhecimento racional.

4. Atente no diálogo seguinte.

Manuela – Sabes, Eurico, quanto dá 356 euros a dividir por quatro pessoas? Eurico – Eu não sei, mas tenho aqui uma pequena calculadora de bolso que sabe. Deixa ver: dá 89 euros. Manuela – E confias nessa calculadora? Eurico – Claro que sim. O resultado dado pela calculadora está justificado, porque é uma máquina programada por matemáticos competentes.

No diálogo anterior, o Eurico afirma que a calculadora sabe quanto dá 356 euros a dividir por quatro pessoas. Será que a calculadora o sabe? Justifique a sua resposta, tendo em conta a análise tradicional do conhecimento.

Não, a calculadora não sabe quanto dá 356 euros a dividir por quatro pessoas, pois, segundo a definição tradicional de conhecimento, saber consiste num estado mental em que aquele que sabe, acredita no que sabe, isto é, tem uma crença. O computador não tem estados mentais conscientes, logo não sabe. Pode dar a resposta correta mas não o faz por uma convicção ou com a adesão da sua consciência, fá-lo porque tem uma programação para fazer, automaticamente, cálculos corretos, neste aspeto o computador não pensa, apenas aplica o que foi programado para fazer às situações que foi programado para resolver.