a. A epistemologia. (Definir e problematizar)
Estrutura e cotações
Competências Gerais
Grupo 1 - CONCEPTUALIZAÇÃO
OLÁ a Todos! Aqui estão alguns materiais para apoiar os vossos trabalhos filosóficos! Esperemos que sejam úteis!
Estrutura e cotações
O 'método da dúvida' de Descartes implica pôr de lado qualquer crença ou
conhecimento que admitam a mais pequena dúvida, por mais improvável ou
absurda que essa dúvida possa ser, no intuito de ver se resta alguma
coisa. Se restar alguma coisa é precisamente porque é invulnerável à
dúvida: é certo. Uma vez que o objectivo de Descartes nas Meditações
é o de descobrir o que pode ser conhecido com certeza, o método da
dúvida é crucial, pois constitui o caminho para o seu objectivo. A
tentativa de considerar cada uma das suas crenças ou pretensões de
conhecimento e submetê-las a escrutínio seria uma tarefa impossivelmente
longa, de modo que Descartes teve necessidade de uma estratégia geral
para pôr de lado todo o corpo de crenças dubitáveis. Procurou alcançá-la
utilizando argumentos cépticos.
É preciso notar que o uso de argumentos cépticos por parte de Descartes
não faz dele um céptico. Longe disso. Ele usa-os meramente como um
instrumento heurístico para mostrar que nós possuímos efectivamente
conhecimento. Ele é, portanto, um 'céptico metódico' e não um 'céptico
problemático', entendo-se por esta última expressão alguém que pensa que
os problemas colocados pelos cépticos são sérios e colocam uma genuína
ameaça à nossa ambição de adquirir conhecimento. Acontece que, desde o
tempo de Descartes, muitos filósofos pensaram que ele não produziu uma
resposta adequada às dúvidas cépticas que ele próprio levantou e que,
por conseguinte, o cepticismo é deveras um problema. O próprio Descartes
não pensava de todo assim.
As considerações cépticas que Descartes usou (…) merecem aqui
referência. A primeira delas é a de recordar que os sentidos por vezes
nos conduzem no caminho do erro. Equívocos perceptivos, ilusões e
alucinações podem levar, e ocasionalmente levam, a crenças falsas. Isto
pode fazer com que não depositemos confiança no que pensamos conhecer
através da experiência dos sentidos, ou, no mínimo, que sejamos
cautelosos antes de confiarmos nela como fonte de verdade. Não obstante,
diz Descartes, haverá muita coisa em que eu acredito com base na minha
experiência - tal como, por exemplo, que tenho mãos e que estou a
segurar um pedaço de papel com elas, que estou sentado numa poltrona
defronte de uma lareira, etc. e que duvidar disto seria uma loucura,
mesmo dada a falta de fiabilidade dos sentidos. Mas, apesar disso, diz
Descartes, continuaria a haver muita coisa em que eu acreditaria com
base na minha experiência actual - como, por exemplo, que tenho mãos e
que estou a segurar com elas uma folha de papel, que estou sentado numa
poltrona em frente da lareira, e assim por diante, coisas das quais
seria uma loucura duvidar, não obstante a frequente falta de fiabilidade
dos sentidos.
Mas será mesmo loucura duvidar destas coisas? Não, diz Descartes - e
aqui ele vem com o seu segundo argumento - porque muitas vezes sonho
quando durmo e se estou agora a sonhar que estou sentado em frente à
lareira segurando um pedaço de papel, o pensamento de que assim estou é
falso. Para estar certo de assim estar teria de poder excluir a
possibilidade de estar meramente a sonhar com isso. Como pode isso ser
feito? Parece difícil, senão impossível."
A. C. Grayling. Descartes (London: Pocket Books, 2005), pp. 281-4. Trad. Carlos Marques.
"O ceticismo, na sua versão mais extrema, é a ideia de que o conhecimento não é possível. Os céticos podem apresentar o seguinte argumento a favor da sua posição:
Se S sabe que P, então não é possível que S esteja enganado acerca de P.
É possível que S esteja enganado acerca de P.
Portanto, S não sabe que P.
Este argumento é um modus tollens e tem, por isso, forma válida. Se as premissas forem verdadeiras, o argumento é sólido e a conclusão verdadeira. A primeira premissa é meramente a expressão da condição que uma proposição tem de estar justificada de modo a garantir a sua verdade para que possa ser conhecimento. Admitamos, por isso, que é verdadeira. E a segunda? Como prova o cético esta premissa? É possível defendê-la apelando, por exemplo, aos erros e ilusões dos sentidos ou às limitações da memória e da razão. Mas também é possível defendê-la com um argumento mais geral que vise mostrar que nunca podemos justificar as nossas crenças e, portanto, que é sempre possível que estejamos enganados acerca delas.
Para vermos como, pensemos numa qualquer afirmação de cuja verdade julguemos estar absolutamente certos, como, por exemplo, que “A Lua é o único satélite natural da Terra”, ou que “Portugal situa-se na Europa”. A questão crucial é esta: que justificação temos para estarmos certos da sua verdade? Temos de ter uma justificação, claro. Caso contrário essas crenças não constituem conhecimento. Podemos justificar as nossas crenças dizendo, por exemplo, que as aprendemos na escola com os nossos professores de Geografia ou de Ciências da Natureza, que, dada a sua formação, são especialistas no assunto. O que fizemos, deste modo, foi justificar uma crença com outra crença. Mas isto, como é óbvio, levanta uma outra questão: que justificação temos para esta nova crença? Esta crença está, afinal de contas, numa posição similar à primeira. Se essa precisa de uma justificação, porque sem ela não constitui conhecimento, o mesmo se passa com esta. E, evidentemente, se esta não constitui conhecimento, também não pode justificar a primeira. Uma forma de justificar esta segunda crença é, claro, recorrer a uma outra da qual ela possa derivar. É fácil ver, no entanto, que o mesmo problema se colocará em relação a essa nova crença. Também ela precisará de uma justificação. Cada afirmação precisa de uma justificação e a justificação de uma nova justificação, numa regressão sem fim. Desse modo, parece, nem a primeira nem qualquer das outras crenças está justificada.
Há alguma forma de evitar esta consequência? Uma possibilidade é parar numa dada crença e não recuar mais na cadeia das justificações, deixando essa crença sem qualquer justificação. A outra é recuar nas nossas justificações até, eventualmente, voltarmos a uma crença que já usámos como justificação, raciocinando em círculo. Por que razão devemos acreditar no professor de Geografia ou de Ciências da Natureza? Porque o que ele diz está de acordo com o manual da disciplina. E por que devemos acreditar nesse manual? Porque foi escrito por especialistas. E como sabemos que são especialistas? Porque se não o fossem, não escreveriam manuais.
Estas três possibilidades em conjunto constituem o chamado trilema de Agripa, do nome do cético grego do século I a quem a tradição atribui a sua formulação. De acordo com este trilema, quando pretendemos justificar uma crença por intermédio de outras crenças estão disponíveis apenas três alternativas:
Nenhuma destas três possibilidades, afirmam os céticos, é melhor que a outra. Parar arbitrariamente na cadeia de justificações e raciocinar em círculo não é uma forma mais apropriada de justificar as nossas crenças do que regredir ao infinito. E como não existe outra alternativa, eles concluem que não é possível justificar nenhuma das nossas crenças e que, portanto, o conhecimento não existe."
Álvaro Nunes, texto retirado de https://criticanarede.com/anunesoproblemadoceticismo.html
0 argumento que acabamos de examinar - o de que não
conhecemos nada sobre o mundo que nos cerca - chama-se argumento cético. Os céticos
sustentam que, na verdade, não sabemos o que pensamos que sabemos. E a
afirmação de que não sabemos nada sobre o mundo que nos cerca chama-se ceticismo
sobre o mundo exterior.
Ceticismo "versus" senso comum
A visão do senso comum, é claro, sustenta que de
facto conhecemos o mundo exterior. Na verdade, se resolvesse dizer,
"não sei se as árvores existem", especialmente se estivesse a olhar
para uma árvore em plena luz do dia, os outros achariam que tinha enlouquecido.
Mas os céticos achariam que estava certo. Não sabemos
se árvores existem. 0 senso comum está enganado.
Outros exemplos de enganos do senso comum
Os argumentos dos céticos podem deixar algumas pessoas muito
irritadas. Sabermos que as árvores existem é uma das nossas crenças mais
básicas - como costumo dizer, sentimos que é isso é apenas senso comum. Existem
muitas crenças que abandonaríamos com muita satisfação, caso alguém conseguisse
demonstrar que estamos errados. Mas, quando se trata das crenças mais
arraigadas do nosso senso comum - como a crença de que sabemos que as árvores
existem -, não ficamos nada satisfeitos por abandoná-las.
Na verdade, ter as nossas crenças mais elementares ameaçadas
pode ser uma experiência bem desconfortável, especialmente quando não vemos
como defendê-las. Nessas ocasiões muitos ficam enraivecidos. Dizem que é um
disparate o que o filósofo está a dizer. "Isso é uma completa
estupidez", gritam. "Claro que eu sei que as árvores
existem." E retiram-se, ofendidos.
Mas o filósofo pode apontar que em muitos outros casos se
comprovou que o senso comum estava errado. Por exemplo, noutros tempos, o senso
comum afirmava que a Terra era plana. As pessoas simplesmente achavam que era
óbvio que a Terra fosse plana. Afinal, parece plana, não parece? Os marinheiros
até tinham medo de chegar ao fim da Terra e cair. Também nessa época algumas
pessoas ficavam muito irritadas quando a sua crença comum era desafiada.
"Não seja ridículo", gritavam. "É claro que
a Terra é plana." E saíam a bater os pés. Hoje, porém, sabemos que a Terra
não é plana. 0 senso comum estava enganado.
O que os céticos NÃO afirmam
Vale a pena deixar claro o que os céticos não afirmam,
para não ficarmos confusos. Em primeiro lugar, os céticos não afirmam saber que
nós ou eles somos cérebros numa cuba. Só afirmam que ninguém
pode saber de maneira alguma se alguém é um cérebro numa cuba.
Em segundo lugar, eles não afirmam apenas que
não podemos ter a certeza absoluta de que o mundo que vemos é
real ou virtual. Afirmam muito mais do que isso. Afirmam que não temos razão
alguma para acreditar que o mundo que vemos é real e não virtual.
Em terceiro lugar, eles não vão tão longe a ponto de afirmar
que ninguém pode saber nada. Afinal, eles próprios reivindicam
saber uma coisa: que ninguém pode conhecer o mundo exterior.
Estamos então diante de um enigma difícil. Por um lado, a
visão do senso comum é que sabemos que as árvores existem. Nós não queremos de
facto abrir mão dessa visão do senso comum (na verdade, nem estou certo de que
poderíamos abrir mão dela mesmo que quiséssemos). Por outro, o cético tem um
argumento que parece mostrar que a nossa visão do senso comum está errada: nós
não sabemos que as árvores existem. Qual das visões está certa?
Apesar da roupagem moderna que eu lhe dei, este enigma é na
verdade bem antigo. É de facto um dos enigmas filosóficos melhor conhecidos.
Ainda hoje, nas universidades do mundo inteiro, os filósofos se debruçam sobre
ele. E ainda não conseguiram decidir se os céticos têm razão. Eu devo admitir:
não sei se os céticos têm ou não razão. Ao longo dos séculos, muitos filósofos
tentaram lidar com o ceticismo. Procuraram demonstrar que o senso comum está
certo: nós conhecemos efetivamente afinal o mundo que nos cerca. Algumas das suas
tentativas para derrotar os céticos são muito perspicazes. Mas será que alguma
delas funciona mesmo? Examinemos agora uma dessas tentativas.